Saúde mental do Rio de Janeiro – Privatização e retrocesso na reforma antipsiquiátrica

O movimento da luta antimanicomial conquistou uma reforma antipsiquiátrica que apresentava importantes avanços na desinstitucionalização da loucura. No entanto, vivemos retrocessos significativos com a ofensiva de privatização da saúde.

Está ocorrendo um desmonte da rede de saúde mental, intensificado com a entrada das OSs (Organizações Sociais), que terceirizam a gestão dos serviços, através de uma lógica mercadológica.

A reforma psiquiátrica mudou o modelo de Atenção à Saúde Mental, transferindo o foco do tratamento que se concentrava na instituição hospitalar, para uma Rede de Atenção Psicossocial, estruturada em unidades de serviços comunitários e abertos, como os CAPSs (Centro de atenção psicossocial) e as RTs (Residências Terapêuticas).

Tais mecanismos substitutivos visam reinserir na sociedade pessoas que ficaram anos internadas em manicômios, muitos por mais de 50 anos. Essa desinstitucionalização é muito singular, de pessoa para pessoa, pois os efeitos da institucionalização são muito perversos, já que as pessoas criam uma série de mecanismos de defesa para suportar a vida em manicômios. No entanto, a lógica das OSs prioriza a produtividade dos serviços e não as conquistas singulares, impondo as mesmas metas para todos. Além de que incentiva a competitividade entre os serviços e profissionais, pois oferece bônus para aqueles que apresentam “melhor desempenho”. Esse modelo de privatização dos serviços públicos tem se expandido por todos os segmentos da saúde.

Sucateamento da rede para justificar as OS

Na saúde mental do Rio de Janeiro está se implementando o modelo clássico da privatização, sucateando o público para justificar a entrada da iniciativa privada. A superintendência de saúde metal não renovou o convênio com a Associação que hoje gerencia as RTs e, por mais de um ano, não repassou verbas para a gestão destes mecanismos de saúde.

A situação chegou ao ponto de o salário dos trabalhadores atrasar em dezembro e fevereiro, meses de festas e, pior, não ter nenhum dinheiro para o pagamento das contas públicas das Residências Terapêuticas, como contas de água, luz, telefone, aluguel e alimentação.

Devido a essa situação, não pode haver contratação de profissionais. Assim, territórios chegam a ter sete profissionais a menos, o que gera uma enorme sobrecarga de trabalho para a equipe e, inevitavelmente, desassistência aos usuários.

Promessas de que tudo será muito melhor com a entrada da OSs, salários mais altos e bônus por produtividade tentam seduzir os trabalhadores que já não aceitam mais esse descaso.

Desmonte e retrocesso

Esse modelo de privatização da saúde, como foi dito, visa uma melhora em índices e indicadores de saúde, mas que não se concretizam em um atendimento de qualidade, mas somente quantidade.

Um exemplo disso é a inclusão das internações psiquiátricas no SISREG – Sistema Nacional de Regulação. Este se trata de um sistema de “busca” de vagas em instituições e serviços de saúde de forma burocratizada, através de uma fila eletrônica, online. Aonde o sistema indicar que existe uma vaga livre, o usuário é encaminhado, independente se ele reside a quilômetros de distância. No lugar de ampliar a rede do SUS, a lógica é otimizar vagas disponíveis, acabando com o princípio da territorialização.

Este modelo é péssimo para a saúde mental. Primeiramente, entendemos que a internação em instituições psiquiátricas não deve ser a primeira possibilidade, mas sim o encaminhamento para mecanismos substitutivos, como hospitais dia e CAPSs.

Segundo, manter a referencia no território, estar em uma instituição de saúde em um local conhecido, permite a manutenção do vínculo com a sociedade. Ser encaminhada para um local em que a pessoa não tem nenhuma referência fortalece a lógica da exclusão social, manicomial. Terceiro, na maioria dos casos, as famílias não conseguem manter visitas regulares, devido às dificuldades de deslocamento pela cidade, esfacelando a rede de vínculos da pessoa.

Nesta lógica de “mostrar serviço”, mas sem qualidade, novas vagas são abertas em instituições psiquiátricas, retorno ao manicômio. Mais de 40 vagas serão abertas no Instituto Nise da Silveira, para receber os internos do Instituto Dr. Francisco Spinola, que será fechado. Ora, por que não ampliar a rede substitutiva? Porque trocar seis por meia dúzia é mais barato.

Retomada do movimento

A prefeitura abre licitações para as OSs e cobra o pacote de serviços, mas não existe um real controle, nem da superintendência, tampouco dos trabalhadores. Assim, cada serviço passa a ter “leis e regras” próprios, ferindo os princípios do SUS.

Porém, os trabalhadores da saúde mental não estão assistindo a tudo isso calados. No dia 06/02 foi realizado um ato em frente à prefeitura do Rio de Janeiro, denunciando todo esse desmonte da rede. A exemplo de Niterói, foi criado o Fórum de Trabalhadores da Saúde Mental do Rio de Janeiro. O Fórum está organizando para dia 14/03 o Seminário “Privatizações, desmonte da rede de Saúde Mental e retrocesso na Reforma Psiquiátrica: Como nos organizamos para resistir?”. A luta está só começando!

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