O exemplo de Natal: Lições para o movimento
Em Natal, a luta por transporte de qualidade, pela revogação do aumento da passagem de ônibus e em especial pelo passe livre nos serve como elemento de análise em diversos aspectos. Os últimos meses foram intensos, com plenárias, manifestações, ocupações e varias outras intervenções. Após a conquista da revogação do aumento das passagens, o Projeto de Lei 98/2013, que reivindica o passe livre para estudantes, foi protocolado na Câmara Municipal pela vereadora Amanda Gurgel (PSTU) e subscrito pelos vereadores Sandro Pimentel e Marcos Antônio (PSOL).
Este projeto manteve vivas as mobilizações, mesmo que em uma proporção bem menor do que as grandes manifestações que aconteceram na cidade nos meses de junho e julho. A luta se extendeu por meses, com discussões intensas e atos semanais em frente à Câmara e a Prefeitura. Além dos atos, foram realizadas visitas em várias escolas, universidades, bairros, etc. Diante da pressão das mobilizações, o projeto foi aprovado, por unanimidade, na primeira e segunda sessão.
Entretanto, o prefeito Carlos Eduardo Alves (PDT) vetou o projeto e se comprometeu a encaminhar um novo texto para ser submetido a votação na Câmara. Ainda assim, era possível reverter isso e manter o passe livre, caso 2/3 da Câmara votasse contra o veto do Prefeito. Evidentemente, não foi isso que aconteceu. Em um ato de golpe, sem obedecer às 24 horas exigidas para nova votação sobre o veto, na expectativa do movimento não conseguir se articular rapidamente, o tema foi colocado subitamente em pauta. Seriam necessários quinze votos pela derrubada, mas a proposta obteve apenas dez, contra nove votos pela sua manutenção. Alguns vereadores faltaram à sessão e os que votaram a favor do veto justificaram, argumentando que votariam no projeto alternativo do prefeito.
Semanas depois, foi revelada uma verdadeira decepção para a juventude: o “passe livre” de Carlos Eduardo atendia apenas os estudantes da rede municipal – que não possui ensino médio -, apenas nos dias letivos e com direito a duas passagens diárias. Um projeto totalmente diferente do que o movimento reivindicava, com passe livre irrestrito para todos os estudantes da cidade.
A votação, que foi adiada diversas vezes, quando foi votada – também de surpresa – recebeu 29 emendas – boa parte delas apresentada pelos vereadores da bancada eleita pela Frente Ampla de Esquerda (PSOL e PSTU), na tentativa de se aproximar do projeto original. Apesar de grande parte ter sido vetada, a aprovação da emenda que aponta para a possibilidade de passe livre para estudantes de instituições federais e estaduais, caso as respectivas esferas de governo repassem a verba, deixa uma via de continuidade para a luta, que está longe de terminar.
Não temos dúvidas: o movimento já é vitorioso por conseguir levar uma bandeira histórica para a Câmara dos Vereadores e colocar na ordem do dia a discussão sobre os transportes na cidade e o conflito entre os interesses dos empresários e da população – assunto que se manteve em pauta nas grandes mídias locais e na boca do povo por meses. Dessa luta, certamente não saimos derrotados, e sim mais fortalecidos. No mínimo, foi possível que a população e, sobretudo, a juventude de Natal, descobrissem quem é a bancada do SETURN (Sindicato das Empresas de Transporte Urbano) na Câmara dos Vereadores. Esses sim sairão desgastados nessa história. Para não aprovar esse projeto, tiveram que fazer golpes seguidos de golpes, esconderam-se atrás de desculpas à população e tiveram que deixar, por dias, a Câmara dos Vereadores fechada.
No momento atual, há algumas lições que podemos tirar:
SÓ A LUTA MUDA A VIDA
Em primeiro lugar, tivemos um exemplo muito concreto, não apenas em Natal, mas em todo Brasil de que a juventude, as trabalhadoras, os trabalhadores e o povo podem mudar a realidade quando vão às ruas. No ano passado, para além da revogação do aumento da passagem, o SETURN e a prefeitura tiveram que voltar atrás na decisão de acabar com a integração. Este ano, o movimento derrubou a liminar que impedia manifestações na BR-101. Esta lição que tivemos permanecerá na consciência de muitos e não há repressão ou perseguição que apague isso.
A FORÇA DOS MANDATOS A SERVIÇO DAS LUTAS E OS LIMITES DAS VIAS INSTITUCIONAIS
Os mandatos eleitos pela Frente Ampla de Esquerda tiveram um papel fundamental. Mais uma vez, mostramos à população a serviço de quem está grande parte dos Vereadores e a Prefeitura de Natal. A luta para que o projeto fosse aprovado mostrou a importância dos mandatos socialistas, que de forma dinâmica deram voz aos movimentos sociais, assumiram as reivindicações dos estudantes e denunciaram as opressões e repressões. Mostraram, na prática, a importância de não termos apenas melhores mandatos, mas sim diferentes.
As intervenções dos vereadores do PSOL e PSTU também ajudaram a derrubar a máscara de muitos, revelando ainda mais a podridão vigente neste sistema político, em que o lucro e os interesses políticos falam mais alto que as necessidades da população. Não é à toa que agora estão sendo perseguidos com processos internos da Câmara e boletins de ocorrência na delegacia.
Essa luta nos mostrou que, por mais importantes que sejam esses mandatos, estes perdem suas forças se não há juventude em peso nas ruas. O esvaziamento do movimento do lado de fora da Câmara certamente foi um elemento para que os vereadores aprovassem o veto do prefeito, ainda que constrangidos. A lição fundamental disso é que as coisas só andarão dentro dos parlamentos se existir energia vinda das ruas.
UNIDADE DOS QUE LUTAM NÃO É CAPRICHO, E SIM NECESSIDADE. CONTRUIR UMA ALTERNATIVA CONJUNTA PARA A JUVENTUDE, OS TRABALHADORES E O POVO!
Este ano, o movimento passou por diversos momentos de intensas de lutas e debates. Muitos que se aproximam agora, e alguns até que já estão há um tempo na luta, se incomodam com o fato de existirem diversos coletivos, partidos e organizações distintas. Não vemos isso como problema, pois isso é reflexo de várias leituras sobre a realidade e também diferentes táticas e estratégias. Para nós, é salutar que as pessoas cujos pensamentos convergem se organizem coletivamente, pois isso sem dúvida amadurece as ideias e contribui para o movimento em conjunto.
Isso não é excludente da necessidade de existiremespaços em comum para debater as diferenças do movimento e buscar ao máximo ações conjuntas. A Revolta do Busão, no ano passado, mostrou como juntos somos mais fortes. As primeiras votações na Câmara Municipal de Natal também mostraram isso. É fundamental que o movimento amadureça suas pautas e, como principal desafio, seus métodos de luta. Tivemos vários exemplos em que os métodos adotados não acompanhavam as reivindicações, e isso é um erro que não fica apenas para o grupo que o fez, nem mesmo para os presentes no movimento, mas para a juventude como um todo.
Um exemplo concreto disso foi quando, em um ato realizado com caminhada da Câmara dos Vereadores até a Prefeitura, no dia da aprovação do passe livre, um grupo de black blocs começou a jogar pedras em bancos. Um outro exemplo foi no 25 de Outubro, Dia Nacional do Passe Livre: ao passar pelo CIENTEC, evento da UFRN, algumas pessoas, também black blocs, começaram a depredar um carro da Inter TV (afiliada da Rede Globo). Ironicamente, a tática de mudar o rumo do movimento passando pelo evento foi para tentar juntar mais pessoas. Tal ação isolada apenas afastou ainda mais e assustou muita gente que estava no local.
Esses dois exemplos mostram, para além de ações isoladas, táticas que não acompanham um programa, um objetivo do movimento. Entendemos a revolta da juventude e de trabalhadores, consequências da contradição e imensa desigualdade que assolam o Brasil e o mundo. No entanto, a história nos mostrou o quanto ações isoladas e espontâneas, sem medir correlação de forças e relacionar com os próximos passos do movimento, resultam em consequências negativas para nós mesmos, seja afastando a população ou expondo os ativistas a riscos. Para atos mais ousados, precisamos do apoio da população e dos milhares que foram às ruas desde junho e que virão daqui pra frente. Algumas ações isoladas terminam por afastar muitos lutadores, ajudar a mídia burguesa a criminalizar nosso movimento e jogar a população contra nós – portanto, não acrescentam em nada.
Ações isoladas, sejam individuais ou de pequenos grupos, fragmentam a luta e, muitas vezes, atrasam conquistas. Nesse sentido, a unidade não pode ser vista apenas como um discurso bonito ou como um ideal quase que romântico. Ela é uma necessidade! Quem acompanhou os movimentos na Câmara Municipal pôde ver a articulação entre grande parte dos políticos, a SETURN e os agentes da repressão (em que até a Guarda Ambiental atuou criminalizando o movimento). Precisamos estar unidos contra a repressão e a criminalização dos movimentos, em defesa dos direitos já conquistados e em busca de avanços, rumo à tarifa zero! Por isso, defendemos que o movimento crie fóruns de debates democráticos para que se construa a unidade. Até então, estes espaços eram as plenárias da Revolta do Busão. Para reforçar esses espaços e torná-los mais representativos, nós da LSR também reivindicamos, em conjunto com membros do Coletivo Construção, a criação de núcleos nos bairros e escolas que podem fortalecer o movimento pela base. Atualmente, setores do movimento reivindicam uma frente de lutas, iniciativa importante para obtermos novas vitórias.
Por fim, a luta pelo transporte mostrou que a radicalidade dessa bandeira não está apenas nos métodos adotados, mas em seu próprio programa. Em diversos lugares do país o movimento está incomodando a máfia dos transportes e revelado que grande parte dos políticos hoje no poder, supostamente ali para representar o povo, estão a serviço desses empresários. Com isso, indicou o caminho da luta para milhares de pessoas. Seguimos!