Comunidade LGBTI em Cuba: em busca de visibilidade

As lésbicas, os gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais (LGBTI) em Cuba vêm ganhando importantes batalhas por seus direitos há alguns anos, depois de terem sofrido uma profunda repressão durante as primeiras décadas após a revolução de 1959.

A presença da comunidade LGBTI no meio artístico de Cuba teve um papel primordial neste processo, ainda que pouco reconhecido. A atuação dos artistas no teatro, na literatura e nas artes plásticas colaborou para o aumento da visibilidade destes indivíduos e o combate ao sexismo predominante na sociedade cubana.

Entretanto, o principal impulso para essa visibilidade e conquista de direitos se deu pelo envolvimento direto de Mariela Castro, filha do presidente Raul Castro. À frente do Centro Nacional de Educação Sexual (CENESEX), uma instituição ligada ao Ministério da Saúde Pública, Mariela conseguiu estender políticas de promoção de educação sexual por toda a ilha. As ações mais visíveis são as Jornadas Contra a Homofobia, que acontecem anualmente em diversos pontos do país. Mariela também tem promovido programas de prevenção ao HIV/AIDS na ilha e políticas para inclusão de pessoas transexuais.

Cláusula contra discriminação no novo Código de Trabalho

No último congresso do Partido Comunista Cubano (único partido político legal na ilha), Mariela Castro iniciou um caloroso debate sobre o direito de pessoas não serem discriminadas por sua orientação sexual. A transformação dessa discussão em lei, entretanto, ainda não se concretizou. Uma vitória recente foi a inclusão de uma cláusula contra discriminação sexual no novo Código do Trabalho, promovido pela Central dos Trabalhadores de Cuba (CTC), algo bem recebido pela comunidade LGBTI.

Mas essas vitórias não são fruto de movimentos populares legítimos, já que estes não existem no país – e, se existissem, não poderiam atuar livremente. Tanto que algumas modificações propostas ao Código da Família, que incluiriam o reconhecimento de união civil entre pessoas do mesmo sexo, tramitam pela Assembleia Nacional há anos, apesar da pressão de Mariela e do CENESEX. Não existe uma comunidade LGBTI organizada para lutar pela promoção dessas mudanças legais, sobretudo por não existir ainda uma consciência política dos homossexuais cubanos sobre seus corpos e sexualidade além da convivência em espaços públicos de “homossocialização”.

Além disso, vitórias como as discussões sobre temas LGBTI no Partido Comunista e a abordagem da CTC não garantem ainda qualquer proteção verdadeira. Apenas são as bases para novas leis que serão necessárias.

Porém, recentemente vem surgindo vários grupos com o objetivo de lutar por demandas concretas, como direitos LGBTI, feministas e outros. Aos poucos, esses grupos fazem suas vozes serem escutadas em meio a uma sociedade profundamente machista e homofóbica. Vale notar que tais organizações não possuem qualquer amparo legal, haja visto que a legislação para o estabelecimento de coletivos, grupos políticos, partidos ou ONGs, está há muitos anos “congelada” ou, simplesmente, não existe. Em alguns casos, os militantes desses grupos informais são até mesmo cooptados pelo Estado, a fim de limitar seu impacto na sociedade e seu ativismo político autônomo.

Não há uma “reforma gay”

Como mais um aspecto das reformas de Raul Castro, vem surgindo em Havana e nas capitais das províncias um tipo de casa noturna administrada pelo Estado, que acolhem parte da comunidade LGBTI. Festas deste tipo, que anteriormente aconteciam em estabelecimentos privados e eram constantemente reprimidas pela polícia, agora é comum que aconteçam todo fim de semana. As pessoas LGBTI, com certo poder aquisitivo, agora dispõem de um espaço com certas liberdades para expressão, ao menos em uma dimensão lúdica.

Entretanto, é difícil assegurar que tais mudanças (incluindo o desempenho do CENESEX e de Mariela Castro) sejam consequência das reformas de abertura do Partido Comunista. Essas reformas têm se concentrado na área econômica, não nas expectativas de abertura política.

Liberdade além de espaços fechados

O “pragmatismo” dessas mudanças já têm permitido que o Estado se intrometa menos na vida privada das pessoas e das famílias. Essas reformas, ao menos nas regiões mais urbanizadas como Havana, abrem a possibilidade para a existência de famílias homoparentais ou de indivíduos não- heterossexuais com total empoderamento de seus corpos e modos de vida.

Ainda assim, na perspectiva anticapitalista que defendemos, é impossível falar sobre a real emancipação dos indivíduos apenas com certa liberdade de expressão em lugares fechados. O individualismo que o capitalismo prega permite criar a ilusão de liberdade individual, enquanto incentiva o consumismo e a ganância. Dessa forma, garantem a efetiva exclusão das massas dos grandes processos de tomada de decisão, em que o governo vê necessário abrir certas “margens de permissividade”, que podem ser confundidas com “liberdade”. Isso, sobretudo, quando tais espaços de “liberdade” são gerenciados pelo próprio poder estabelecido, à margem de regulações transparentes, alienando os frequentadores e os colocando em um plano de desproteção legal.

Exemplos do passado de Cuba, como as lamentáveis UMAPs (Unidades Militares de Ajuda à Produção, campos de trabalhos forçados para homossexuais na década de 1960), permanecem sem investigação. Os testemunhos das pessoas que sofreram abusos na época permanecem sem reconhecimento. O corpo legal que nos colocou naquela situação precária e arbitrária, na realidade, mudou bem pouco, haja visto que processos similares ocorreram com outros grupos.

É por isso que consideramos imprescindível o estabelecimento de laços entre os diversos grupos marginalizados, para que a ideia de uma Lei Integral Contra as Discriminações possa ser discutida. Uma série de crimes de ódio contra pessoas LGBTI tem ocorrido em Cuba nos últimos meses, inclusive com cobertura da mídia estatal. Por via de regra, a imprensa de Cuba não investiga a fundo esse tipo de acontecimento, mas suspeitamos que uma terrível realidade está sendo ocultada.

Os serviços de consultoria jurídica do CENESEX, por exemplo, registraram que em 2013 “uma porcentagem alta das vítimas de homicídios eram homossexuais”, entretanto, os números exatos não são disponibilizados, nem os motivos desses crimes.

Projeto Arco-Íris: independente e anticapitalista

Muitas correntes da esquerda, por décadas, buscaram reduzir todo conflito humano ao conceito de luta de classes. Compartilhamos dessa perspectiva, entretanto, é necessário levar em conta outros fatores que complementam e dão pistas sobre os motivos para vários projetos emancipatórios irem por água abaixo, quando tentam homogeneizar indivíduos e ignorar as diferenças.

O Projeto Arco-Íris de Cuba, criado em 2011, é um coletivo que se declara independente e anticapitalista. Trata-se de um grupo que luta contra a estigmatização e a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, atuando nos espaços comunitários, institucionais e culturais da ilha.

Para fazer parte do Projeto Arco-Íris, é imprescindível defender a liberdade de todas as pessoas para construir e escolher suas próprias expressões de sexualidade, livres de quaisquer discriminações e sob proteção da lei.

O objetivo do projeto é propor à comunidade, autoridades e outras organizações da sociedade civil, mecanismos, campanhas e ações que denunciem e desmontem o machismo e a homofobia perpetrados por aqueles que se dizem anticapitalistas.

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