Experiências da ELA 2014

     A nova situação no Brasil após os movimentos de junho de 2013 e a vitória eleitoral da socialista Kshama Sawant, a vereadora da Alternativa Socialista em Seattle, nos EUA, contribuiram para o clima entusiástico na 7ª Escola Latino-americana (ELA) do CIT, que ocorreu entre os dias 06 e 12 de janeiro em São Paulo. Foi a maior edição da ELA, com 180 participantes, refletindo o crescimento da LSR, seção brasileira do CIT.

     Durante toda a escola, contamos com a participação de camaradas de dez Estados brasileiros, um novo recorde para nós que sinaliza o processo de nacionalização da organização. A ELA contou com a presença de participantes da Venezuela, Cuba, EUA, Suécia e Alemanha, além de um representante da direção internacional do CIT, Tony Saunois. Infelizmente, os camaradas do Chile e da Bolívia não conseguiram enviar representantes, mas mandaram saudações em vídeo.

     A ELA foi dividida em duas etapas. A primeira etapa, que tinha um caráter de escola de quadros, começou com discussões sobre o tema “Teoria da Revolução em Marx”: “Reforma ou Revolução”, “Revolução Russa”, “Teoria da Revolução Permanente”, “China e Cuba: campesinato, guerrilhas e as revoluções no mundo ex-colonial” e terminou com uma discussão sobre a “A atualidade da teoria marxista da revolução e o sujeito revolucionário hoje”. A temática da Revolução foi o condutor em todos esses debates, evidenciando a atualidade da discussão, reforçando a necessidade de aprender com os exemplos históricos e com o método de análise marxista.

     A crise mundial do capitalismo colocou novamente na agenda a necessidade de uma transformação revolucionária do mundo. Na Tunísia e no Egito, duas ditaduras que se mantinham no poder por décadas foram derrubadas, mas sem que o sistema vigente fosse substituído, colocando a necessidade de uma segunda revolução. Na Europa, vimos como trabalhadores e jovens estão pagando um preço alto na medida em que os governos fazem de tudo para salvar grandes empresas, bancos e o sistema financeiro. Mas há também uma resistência, que se expressa pela retomada da luta de massas. Na Grécia, foram realizadas mais de trinta greves gerais desde o início da crise. Só esse fato já seria suficiente para derrubar vários governos, abrindo a possibilidade de uma transformação socialista da sociedade, se a classe trabalhadora estivesse consciente de seu poder e organizada ao redor de um partido revolucionário, com um programa socialista.
 


Discussão sobre conjuntura política na primeira fase da ELA.

     Na América Latina, vimos como vários governos radicais chegaram ao poder como uma reação ao neoliberalismo, como na Venezuela e na Bolívia. Esses governos, liderados por Hugo Chávez e Evo Morales, implementaram reformas importantes, mas não colocaram claramente a necessidade de uma ruptura revolucionária com o capitalismo. Também não colocaram a necessidade da organização independente da classe trabalhadora. Nas discussões foram colocados exemplos históricos, a partir da América Latina, para ilustrar o que poderá acontecer com estes países caso a classe trabalhadora não consiga assumir o controle e mostrar uma saída à crise atual.

     O primeiro exemplo histórico é do Chile, onde o governo de esquerda de Allende implementou várias mudanças importante, mas o fato de não ter rompido com o poder da classe capitalista e o aparato do estado acarretou na sua derrubada por um golpe militar, pouco mais de 40 anos atrás. A classe dominante tentou esse caminho na Venezuela (2002) e na Bolívia (2008), mas foram barrados pela resistência popular. Todavia, conseguiram depor os presidentes de Honduras, em 2009 e do Paraguai, em 2012.

     Outra alternativa utilizada pela classe dominante é apostar no cansaço e na desmoralização das massas, como forma de impedir qualquer ruptura definitiva capaz de por um fim a pobreza e miséria. Na Nicarágua, o governo sandinista perdeu o poder após 11 anos (1979) e foi derrotado nas eleições por um partido neoliberal que, imediatamente, começou a retirar todas as reformas progressivas que tinham sido implementadas.
 


Companheiro Luciano Barboza, do Rio de Janeiro, falando em plenária.

     A situação da América Latina também foi tema de debate. Na Bolívia, o governo de Evo Morales tem ido cada vez mais à direita e entrou em rota de colisão com movimentos indígenas, na questão da construção de rodovias em território nativo, e recentemente com o movimento sindical, em relação a uma contrarreforma da previdência.

     Na Venezuela, o processo entrou em uma nova fase após a morte de Hugo Chávez. Seu sucessor, Maduro, só conseguiu ganhar as eleições por uma pequena maioria, mas a divisão da direita estabilizou a situação e os chavistas conseguiram ganhar as eleições municipais em dezembro. Entretanto, uma nova onda de lutas esta se desenvolvendo no país. Numa situação em que a inflação está em 30-40% ao mês e há falta de vários itens da cesta básica, os trabalhadores estão lutando para manter seus empregos. Um séria de fábricas, que os patrões querem fechar por não estarem satisfeitos com os lucros, foram ocupadas pelos trabalhadores, que levantam as bandeiras de nacionalização e controle operário. Apesar do peso morto exercido pela burocracia, o processo da “revolução bolivariana” deixou um legado na consciência através de temas como “nacionalização”, “controle operário” e mesmo do “socialismo”, algo muito positivo. A questão colocada para a classe trabalhadora é de construir suas próprias organizações, independente da burocracia chavista e da direita. O CIT na Venezuela está trabalhando para construir uma frente de esquerda para fortalecer a esquerda revolucionária e unir os diferentes setores da classe trabalhadora que estão lutando pelos seus direitos contra os capitalistas e contra a burocracia. O CIT tem agora, após um período difícil no país, novas chances para crescer.

     Também em outros países existem aberturas para a esquerda. No Chile, na última eleição, os camaradas do CIT fizeram parte da aliança de esquerda “Todos a la Moneda”, que tinha como candidato a presidência Marcel Claude. Nossos candidatos tiveram bom resultados, com cerca de 13 a 16 mil votos, abrindo a possibilidade de crescimento. Na Argentina, onde a crise econômica se aprofunda, a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores, composta por grupos de origem trotskista, conseguiu mais de um milhão de votos nas eleições.
 


Visão geral do auditório na segunda fase da escola.

     Pela primeira vez tivemos a participação de Cuba na ELA, algo que ajudou a enriquecer a discussão. O companheiro Isbel, da Red Observatorio Crítico – um coletivo que trabalha para divulgar informações, fazendo uma crítica pela esquerda da burocracia que governa o país, defendendo as conquistas da revolução – deu um panorama das reformas que o governo está implementando em Cuba. As reformas marcam uma abertura maior ao mercado, ao mesmo tempo em que o governo implementa demissões em massa. Milhares de funcionários do estado foram demitidos e a meta é chegar até 1,5 milhão em cinco anos. A idade de aposentadoria foi elevada em cinco anos, ao mesmo tempo que são implementados cortes nos investimentos em saúde, cultura e esportes. Ao mesmo tempo, aumenta a abertura para investimentos estrangeiros, como o novo megaporto de El Mariel, que conta com capital brasileiro.

     Na discussão foi enfatizado que o destino de Cuba está vinculado aos processos internacionais. A colaboração com o governo de Chávez amenizou a situação de Cuba, mas não resolveu os problemas. Se Cuba seguir o caminho chinês rumo à economia de mercado (capitalismo), isso poderia significar um fator negativo na consciência dos trabalhadores na América Latina, onde o país se destaca mostrando como é possível desafiar o imperialismo dos EUA. Foi colocado que somente com a vitória do socialismo internacionalmente será possível romper o isolamento de Cuba.

     A principal discussão na ELA foi sem dúvida sobre o Brasil. É aqui que o CIT tem sua principal base no continente e o país é a principal economia na região. O Brasil também voltou ao centro do palco com os movimentos de junho, quando dois milhões de pessoas se mobilizaram em 500 cidades ao redor do país.

     A discussão entrou nos fatores que levaram a essa explosão de lutas. Um elemento foi os limites do modelo de crescimento construido em exportação de matérias primas – principalmente para a China – e no aumento de consumo doméstico baseado no aumento do crédito e medidas limitadas de transferência de renda, como o Bolsa Família. Esses limites se mostraram no crescimento de só 1% do PIB em 2012. Ao mesmo tempo, houve um aumento de expectativa de uma vida melhor, baseado no aumento do consumo, impulsionado com a forte propaganda do governo do Brasil “sem miséria”, de “primeiro mundo”. Isso se chocou com a realidade de miséria social e gigantescos problemas na saúde, educação, transporte público, etc. No topo disso, se acrescentam os bilhões gastos com os megaeventos, ao mesmo tempo em que milhares são despejados para abrir espaço para a especulação imobiliária, nas construções de luxo da Fifa e do Comitê Olímpico Internacional. A violência policial foi, dentre este, mais um fator que ajudou a incendiar os ânimos.

     Esses fatores ainda estão presentes. Mesmo a luta não se mantendo no mesmo nível inicial, por falta de um plano de lutas comum do movimento após a primeira vitória sobre o aumento das passagens, a luta continuou. No Rio de Janeiro, os professores e funcionários de escolas públicas fizeram uma grande greve de três meses, com até cem mil pessoas nas passeatas. O movimento dos sem-teto tem continuado com uma série de novas ocupações. Um exemplo importante é a ocupação Vila Nova Palestina na Zona Sul de São Paulo, que cresceu rapidamente para cerca de 30 mil pessoas. A LSR mantém uma boa relação de colaboração com o MTST, que organiza a ocupação. O MTST enviou um representante para fazer uma saudação na ELA e, após a escola, uma delegação internacional do CIT visitou a ocupação e fez saudações de solidariedade diante de milhares de pessoas, em um dos muitos atos e assembleias do acampamento.

     Um outro tema que continua a impulsionar as mobilizações é a violência policial na periferia, incluindo assassinatos a sangue frio de jovens pela simples razão de serem pretos, pobres e estarem no lugar errado no momento errado. Cada caso desses é acompanhado por explosões de ira nos bairros, com ônibus queimados e bloqueio de estradas.

     No último período temos visto um novo fenômeno: os rolezinhos, que tem levado a uma reação de pânico dos shoppings e confronto com a polícia, incluindo ameaça de multa de dez mil reais contra os organizadores dos eventos. Isso levou ao surgimento de novos rolezinhos contra a discriminação e racismo, e os shoppings reagindo fechando as portas.

     O ano de lutas de 2014 começou cedo. A questão não é se vai haver lutas, mas a amplitude delas. A LSR vem levantando a necessidade de unificar os diferentes movimentos em um Encontro Nacional dos movimentos de junho para elaborar um plano de lutas e programa conjunto.

     Esse ano também é um ano eleitoral. O PSOL terá grandes chances de crescer substancialmente, apesar dos equívocos da direção. Tivemos a presença na ELA de dois vereadores de Niterói: Paulo Eduardo Gomes e Renatinho, que integram o Bloco de Esquerda do partido. Ambos falaram no ato público realizado no centro de São Paulo no dia 10 de janeiro, que marcou o começo da segunda etapa da ELA, com cerca de 200 participantes. A LSR está compondo o gabinete de ambos e vai ter suas candidaturas como prioridade nas eleições.

     Além das eleições no Rio de Janeiro, onde o PSOL, especialmente a esquerda partidária, tem grandes chances de avançar, a LSR vai priorizar as eleições em Rio Grande do Norte, onde o militante da LSR, Robério Paulino, é pré-candidato a governador.
 


Jane Barros falando no ato aberto da ELA, que abriu a segunda fase da escola.

     O local do ato público estava lotado. Além da fala introdutória da Jane Barros, que trouxe as lições de junho e as tarefas para 2013, as intervenções internacionais ajudaram a elevar o ânimo. Jesse Lessinger falou sobre a vitória de Kshama Sawant nos EUA, Isbel falou sobre a situação em Cuba e Bilbo Göransson falou sobre a luta contra o racismo e fascismo na Suécia.

     A segunda etapa da ELA começou no sábado de manhã, 11 de janeiro, com uma discussão sobre a situação mundial, introduzida por Tony Saunois do CIT. Foi seguida por vários grupos temáticos sobre as lutas em diferentes partes do mundo e uma mesa sobre a América Latina. Na noite, houve uma festa com sarau, samba e muita diversão. No domingo de manhã, houveram novos grupos temáticos, com temas como luta sindical, contra opressões, contra criminalização da pobreza e outros. A ELA foi finalizada com um informe sobre a construção do CIT no mundo e um apelo financeiro, que rendeu 4.800 reais.

     Os participantes da ELA saíram convictos da necessidade de continuar a luta, mas como parte de uma movimento socialista internacional. Se conseguirmos canalizar só uma parte do entusiasmo que marcou a escola, o CIT vai poder dar grandes passos na construção de uma alternativa socialista no próximo ano!
 

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