O legado revolucionário de Lenin
Ao tentarem responder à acusação feita a Lenin por historiadores capitalistas de ser um ditador brutal, alguns da esquerda se voltam a Lars T Lih. Ele tentou reinventar o líder da Revolução Russa como um tipo de liberal vago. Ao fazer isso, corre-se o risco de perder a compreensão de como se construir um movimento capaz de transformar a sociedade.
Na recente “revolução” na Ucrânia – voltada contra as tentativas de Vladimir Putin de chantagear o governo ucraniano, para mantê-lo dentro da esfera de influência da Rússia – uma multidão derrubou a última estátua de Lenin na capital, Kiev. Estátuas como essa foram erigidas no passado na antiga União Soviética pela elite burocrática stalinista privilegiada, que desejava se ocultar da raiva das massas desfrutando da autoridade política de Lenin. Na verdade, ela estava separada das verdadeiras idéias de Lenin sobre socialismo e democracia operária por um abismo colossal.
No Ocidente capitalista, não havia nenhuma estátua de Lenin para ser derrubada. Então, os historiadores e acadêmicos capitalistas, em especial após o colapso do stalinismo – e com ele, infelizmente, as economias planificadas da Rússia e Leste Europeu – se contentaram em vilipendiar Lenin e seu camarada na Revolução Russa, Leon Trotsky, numa tentativa de desacreditar de forma sistemática as idéias do socialismo e do genuíno marxismo.
Numa série de pesados volumes, um pequeno exército de “historiadores” modernos, como Richard Pipes, Orlando Figes e o inimitável Robert Service, empreenderam uma colossal revisão da História. Figes foi publicamente exposto quando se descobriu que criticava as obras de outros historiadores, enquanto escrevia secretamente resenhas laudatórias de seus próprios livros! A “biografia” de Service sobre Trotsky, que respondemos logo que foi publicada, agora foi desacreditada mesmo por historiadores não-marxistas como carecendo de qualquer objetividade.
No entanto, hoje, com a crise prolongada do capitalismo, que tem causado um interesse renovado no socialismo e no marxismo, uma abordagem mais “sutil” é exigida. Já há uma revolta na academia contra a concentração, no estudo de economia, de autores pró- mercado. Os estudantes têm cada vez mais exigido que sejam ensinadas as idéias de Karl Marx, assim como os mais “radicais” dos economistas keynesianistas. Nisso pode ser percebido um elemento de ressurgimento dos anos 1960 dentro das instituições de ensino ossificadas. Então, a enorme radicalização que se desenvolveu entre estudantes e acadêmicos foi um reflexo e, em certa medida, precursor dos movimentos de massas dos trabalhadores nos anos 1960 e 1970.
Esse livro de Lars T Lih – publicado pela primeira vez na série “Vidas Críticas” de 2011 – é uma resposta a essa nova situação. Nele, e em outros escritos, ele se mostra mais simpático a Lenin do que os historiadores mencionados acima. Mas a afirmação gratuita de que o livro “apresenta uma espetacular nova interpretação da perspectiva política de Lenin” é exagerada, para dizer o mínimo. O próprio Lars admite: “Minha visão de Lenin não é particularmente original e se aproxima da maioria dos observadores de Lenin e de sua época. Infelizmente, a “maioria dos observadores” ainda não é “simpática” às idéias de Lenin. Isso é especialmente verdadeiro quando se chega ao caráter e ao tipo de partido que a classe trabalhadora irá precisar para ter sucesso na luta contra o capitalismo e pelo socialismo.
Trabalhadores e camponeses
Trotsky, que mal recebe uma menção neste livro, nos dá um relato muito mais rico da verdadeira história do bolchevismo na fase inicial em sua biografia inconclusa de Stalin, embora de forma apenas esboçada. Ele também sublinha claramente as ideias de Lenin sobre as questões cruciais do caráter do partido revolucionário, e das estruturas e práticas de tal partido, incluindo o centralismo democrático e suas origens.
Lars, de outro lado, escreve de forma equivocada, nublada e confusa: “Lenin tinha uma visão romântica da direção dentro da classe. Ele procurava inspirar os ativistas de base… com uma ideia exaltada do que sua própria direção poderia realizar”. No mesmo tom, o livro está irritantemente saturado do início ao fim de frases como o “heróico cenário” de Lênin. Então, há afirmações rasas sobre as relações entre a classe operária e o campesinato na Rússia. “Sua insistência no camponês como um seguidor não excluía uma visão romântica e até exaltada dos camponeses na revolução. Líderes heróicos exigiam seguidores heróicos”.
É claro que Lenin, como a maioria dos marxistas, poderia ser entusiástico. Eles poderiam se empolgar com o espetáculo dos operários em luta, em especial quando ela alcançou o ponto alto da revolução. O marxismo está saturado com o espírito do otimismo. Ao mesmo tempo, Lenin era absolutamente realista sobre as perspectivas da luta de classes em geram e sobre todas as questões envolvidas no destino da classe operária. Sua visão da direção, assim como a necessidade do partido, não era “exaltada”, mas prática e derivada da necessidade.
Então, o que se pensar das conclusões de Lars no fim do livro, quando escreve: “O velho bolchevismo era definido por sua aposta nas qualidades revolucionárias do campesinato. Mas menos de uma década depois de sua morte, o regime fundado por Lenin travava uma guerra contra os camponeses, impondo uma revolução de cima durante a campanha de coletivização, contribuindo para uma fome devastadora”. (p.202)
Primeiro, o bolchevismo nunca “apostou” no campesinato, mas reconheceu que ele nunca poderia jogar um papel independente. Portanto, a questão era quem os lideraria na revolução – quem satisfaria sua demanda por terra – a classe trabalhadora ou a burguesia? A História provou que a classe trabalhadora satisfez o campesinato na ação, depois que a burguesia e seus partidos terem demonstrado que nunca dariam terra, assim como paz e pão, às massas, incluindo as massas camponesas. Segundo, é ridículo identificar “o regime fundado por Lenin”, como faz Lars, com aquele presidido por Stalin, dominado por uma elite burocrática privilegiada. De fato, a viuva de Lenin, Nadezhda Krupskaya, declarou de forma significativa em 1926 que se Lenin estivesse vivo, ele teria sido preso sob o regime stalinista.
O partido revolucionário
Há muitas declarações errôneas como essa no livro, e por isso ele não pode ser visto como um relato correto do papel de Lênin na história. Mas ele tem sido adotado por alguns da esquerda, mesmo por certos círculos semi-marxistas. Isso porque a versão de Lars, em especial em relação ao centralismo democrático, cai bem com uma camada que rejeita essa idéia, o Lenin “duro”, a favor de um supostamente “mais aberto”. Não é a primeira vez que enfrentamos esse fenômeno. Nos anos 1960 e 1970, jornais como a New Left Review iriam “descobrir” “novos teóricos extraordinários” que depois desapareceram tão rapidamente como tinham aparecido.
As ideias de Lars se tornaram a moda atual para aqueles que abandonam o genuíno marxismo e as verdadeiras tradições de Lenin e Trotsky. Importante neste aspecto é a necessidade de um partido revolucionário baseado nas tradições do centralismo democrático. Isso de forma alguma contradiz a tarefa mais ampla de organizar um partido operário de massas nesta etapa. Por necessidade, isso se traduz em se organizar sobre uma base muito mais frouxa, envolvendo uma forma de federação e, na Grã- Bretanha, enraizada nos sindicatos. A manutenção de um núcleo marxista coeso dentro de tais formações mais amplas é absolutamente necessária. Sem isso, não haverá ganhos duradouros para a classe trabalhadora.
A História, incluindo a recente, reforça esse ponto. Por exemplo, as principais forças por trás da formação do Partido Socialista Escocês (SSP) em 1998 saíram do nosso partido. A direção do Militant apoiou a formação de tal partido amplo; de fato, fomos os primeiros a propor essa idéia. Mas os líderes do Scottish Militant Labour (SML) defenderam e realizaram, ao mesmo tempo que formavam o SSP, a efetiva dissolução do SML neste partido. Isso, por sua vez, levou à sua separação do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT) na Escócia. Eles não foram expulsos, mas saíram voluntariamente de nossas fileiras.
Alertamos na época que isso não apenas significaria o trágico enfraquecimento de uma organização revolucionária distinta e tradicional na Escócia, mas, em certa etapa, a total desintegração do SSP também. Infelizmente, isso foi confirmado. Um processo similar ocorreu na Itália, onde diferentes organizações marxistas uniram-se à Rifondazione Comunista (RC) quando ela foi formada em 1991, mas foram incapazes de ganhar ao longo do tempo as fileiras desse partido para uma posição marxista clara. A RC agora efetivamente se desintegrou.
Comparem isso com as conquistas do Militant, tanto quando dentro do Partido Trabalhista Britânico – em 1964, não tínhamos mais do que 40 apoiadores – quanto durante nossa expulsão no final dos anos 1980. A conclusão a tirar disso é que nos casos da Escócia e da Itália não havia um núcleo marxista suficientemente organizado e politicamente capacitado para conquistar a maioria do partido ou pelo menos atrair números significativos, que pudessem depois formar a base de uma nova organização ou partido.
Classe, partido e direção
Esses erros derivam de uma incompreensão incorreta por parte de algumas forças marxistas da relação entre classe, o partido e sua direção. O “centralismo democrático” – o próprio termo – não foi uma invenção de Lênin, mas foi usado pela primeira vez no movimento operário russo pelos mencheviques dentro do Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR). Contudo, a concepção de um partido, seus métodos de organização e como a discussão e os debates internos devem ser conduzidos, possui uma longa tradição, começando com os próprios Marx e Engels.
Vê-se isso, por exemplo, nas regras da Liga Comunista de 1847, da qual Marx e Engels eram membros. Mesmo antes do termo “centralismo democrático” ser usado, o conceito foi adotado por ela, o primeiro partido internacional da classe trabalhadora.
Em seus estatutos, a Liga Comunista diz sobre as condições de membro: “Subordinação às decisões da Liga… A autoridade do círculo (abarcando certo número de “células”, como entendemos hoje) é o órgão executivo para todas as comunidades do círculo… Os vários círculos de um país ou província estão subordinados a um círculo dirigente… A Autoridade Central é o orgão executivo de toda a Liga e como tal é responsável perante o Congresso… O Congresso é a autoridade legislativa de toda a Liga. Todas as propostas de mudanças nos estatutos são enviados à Autoridade Central através dos círculos dirigentes e submetidas por elas ao Congresso… Quem violar as condições de militância… é, de acordo com as circunstâncias, retirado da Liga e expulso”.
Lenin tirou esse e outros exemplos da experiência histórica do movimento operário, inclusive da social-democracia alemã, e tentou aplicá-los às condições específicas da Rússia. O famoso livro de Lênin, Que Fazer?, escrito em 1901, era devotado à necessidade de um partido centralizado na Rússia. Lars trata com alguns aspectos dessa história, de um jeito não muito adequado. Ele toca nos desacordos sobre as formulas de Lenin em resposta à “Escola economicista”, que acreditava em se concentrar nas lutas puramente cotidianas. Lenin “esticou a vara” demais, em suas próprias palavras, na sua descrição de como a consciência socialista surge no movimento operário.
A afirmação de Lenin de que a consciência socialista só poderia ser trazida à classe trabalhadora de fora, pela intelectualidade revolucionária, estava equivocada. Ele tomou essa ideia do líder social democrata alemão e, na época marxista, Karl Kautsky. Embora Lenin tenha se corrigido depois, ela tem sido usada para justificar a abordagem arrogante de “líderes” auto-nomeados, normalmente de organizações minúsculas, que se proclamam “a” direção da classe trabalhadora.
Trotsky reconheceu a obra obstinada e meticulosa de Lenin que lançou a base para a luta dos bolcheviques por um partido de massas. Não obstante, ele enfatizou que era o “vapor”, a classe trabalhadora, que seria a força dirigente da revolução. O partido, se agir corretamente, joga o mesmo papel que um “embolo”, canalizando suas energias.
Lênin enfatizou o mesmo ponto em oposição aos “homens dos comitês” que tomaram forma na clandestinidade. Estes suspeitavam das iniciativas dos trabalhadores. Trotsky alertou sobre os perigos do surgimento de tais figuras em seu panfleto de 1904, Problemas Políticos. Ele pontuou que esses tipos “esqueciam a necessidade de se apoiarem nos trabalhadores já que encontraram suporte nos princípios do ‘centralismo’”. Lenin reconhecia os perigos de uma interpretação unilateral do que ele estava tentando construir quando escreveu: “Eu não posso me conter quando ouço que não havia trabalhadores aptos a participarem dos comitês”. Trotsky observou: “Lenin entendia melhor do que qualquer um a necessidade de uma organização centralizada; mas ele via nisso, acima de tudo, uma alavanca para potencializar a atividade dos trabalhadores avançados. A idéia de se fazer um fetiche da máquina política não era apenas estranha como também repugnante à sua natureza”. (Stalin, p.103)
Centralismo democrático
Lars T faz comentários tortuosos e errôneos sobre o centralismo democrático. Ele escreve que não havia “definição do significado do termo – Lenin usava-o de passagem, em pontos específicos”. Ele também diz: “Os pontos de Lenin teriam sido: ‘O centralismo democrático não é possível em condições de clandestinidade. A democracia partidária genuíno é obrigatória quando possível e dispensável quando não’”.
Mas ele está completamente errado ao afirmar, sem base na prática real do bolchevismo, que o centralismo democrático era praticado em uma etapa e depois abandonado de modo totalmente arbitrário em outra. Os bolcheviques, como todas as organizações revolucionárias genuínas, se baseavam sempre nos princípios gerais do centralismo democrático: máxima discussão até a decisão ser tomada e depois um esforço unificado de todo o partido, grupo ou organização para implementar a decisão. Mesmo então, é totalmente falso pensar que toda discussão e debate terminavam após a decisão ser tomada. A história do genuíno movimento dos trabalhadores mostrou que a discussão vital sobre questões não resolvidas continuava na forma de boletins internos, debates, fora da estrutura do congresso nacional do partido.
Os diferentes lados dessa questão podem ser difíceis de serem apreendidos por intelectuais isolados, mas essa é uma idéia que a classe trabalhadora prontamente entende, em especial suas camadas mais avançadas. Ela deriva da própria posição da classe trabalhadora sob o capitalismo.
Nunca na história o capitalismo foi mais centralizado do que nos dias de hoje. Nunca os meios de coerção – é só ver as revelações do Wikileaks, a enorme vigilância feita pelos governos capitalistas sobre sua própria população, assim como de outros governos – foram tão concentrados nas mãos do Estado capitalista. Portanto, é inconcebivel que uma rede frouxa seja capaz de mobilizar para derrotar esse poder colossal. Sem um partido de massas centralizado, capaz de unificar os trabalhadores e depois agindo de forma decisiva quando a época o exigir, é impossível realizar a transformação socialista da sociedade, a maior mudança da história humana.
A classe trabalhadora entende instintivamente a necessidade de um partido centralizado e a disciplina que deriva dele. Isso é mostrado em cada luta séria, como greves, que envolva a classe trabalhadora. Quando os militantes sindicais, por exemplo, são chamados para discutir e debater uma questão, às vezes acaloradamente, eles normalmente se esforçam para chegar a uma só posição para uma assembléia. É claro que haverá ocasiões em que uma minoria de sindicalistas e trabalhadores irá discordar de uma recomendação, e nesta situação os marxistas defendem o direito a um debate pleno.
Estes métodos, que envolvem elementos de centralismo democrático, são compreendidos instintivamente pelos trabalhadores, o que é demonstrado pela recente declaração do Sindicato Nacional de Metalúrgicos da África do Sul (NUMSA). Quando ele anunciou sua ruptura com o Congresso Nacional Africano (CNA) e apoiou a ideia de um novo partido de massas dos trabalhadores, declarou: “O NUMSA é um sindicato revolucionário e como tal joga um papel dirigente na derrota do capitalismo e da exploração que é associada a ele. Somos centralistas democráticos – acreditamos num debate robusto, vigoroso e democrático que leve a uma decisão e ações unificadas”.
Discussão e decisão
O que é então colocado é o equilíbrio entre democracia, debates e discussões plenas e manter o direito de todos os membros de participarem da formulação da política, e o centralismo, a necessidade de agir de forma unificada a cada etapa. Isso não pode ser decidido a priori – através de princípios gerais aplicados a todo momento, independente das circunstâncias concretas. A organização, mesmo no partido revolucionário de massas, não é um fator independente para um marxista. É uma dedução da política. São a política, as perspectivas e o programa, assim como as circunstâncias concretas, que determinam quais formas de organização devem ser aplicadas a cada momento. Mas não é verdade, como Lars T sugere, que o centralismo democrático é aplicado apenas em algumas circunstâncias, e não em outras. Para os marxistas, o centralismo democrático significa um “equilíbrio móvel” entre democracia e centralismo, com a ênfase sendo dado ou à democracia ou ao centralismo dependendo das circunstâncias concretas.
Nas condições de clandestinidade, os métodos centralistas tendem a predominar sobre a plena expressão da discussão, direitos e princípios democráticos. Mas isso de forma alguma significa centralismo completo, com pouca democracia. Pelo contrário, enquanto lutavam contra o brutal regime czarista e sua polícia, os revolucionários russos, incluindo os bolcheviques, debatiam uns com os outros o programa e a política. Esse era um meio necessário de afiar as armas políticas e teóricas em preparação para a revolução. Havia até mesmo congressos regulares, tanto na clandestinidade quanto durante a guerra civil.
Havia plena liberdade de discussão e debate. Mas isso não significava para os bolcheviques, em especial para Lenin e Trotsky, que o partido revolucionário devesse se tornar um clube de debate. Para os que caracterizam esse método como inerentemente “insalubre”, Trotsky tinha um conselho. Face à desagregação nas fileiras de seus seguidores na França nos anos 1930, ele comentou: “Uma organização menor, mas unânime pode ter um enorme sucesso com uma política clara, enquanto uma organização dilacerada por lutas internas está condenada a apodrecer”. Na Grã-Bretanha e vários outros países há algumas organizações hoje para as quais as palavras de Trotsky são muito adequadas.
Lars T tenta apresentar um Lênin suave, mais “aberto” e “democrático” do que a figura “centralista”, se não autoritária, normalmente evocada pelos historiadores burgueses e muitos “marxistas”. Esse “novo” Lenin é quase um “liberal” em sua suposta aceitação de discussões abertas, públicas e irrestritas em um partido revolucionário.
Essa nova abordagem sobre Lenin distorce suas verdadeiras opiniões. Houve épocas em que Lenin e Trotsky defendiam uma discussão mais aberta, mesmo em fóruns públicos e em tempos dificeis, que em certa medida ocorriam fora do partido. Nikolai Bukharin e os “chamados “comunistas de esquerda”, que o apoiaram em sua defesa de uma “Guerra revolucionária” na época da controvérsia de Brest-Litovsky de 1918, tinham um jornal diário que polemizava contra as idéias de Lenin e Trotsky.
Os partidos comunistas da França e Itália argumentavam em seus jornais diários contra a idéia da frente única. Mas, depois de dois anos, eles foram obrigados a implementar a decisão da Internacional Comunista.
Há muitos outros exemplos, incluindo o apoio inicial de Trotsky à minoria dentro do SWP (Socialist Worker’s Party, Partido Socialista dos Trabalhadores) Americano nos anos 1930 por uma discussão pública sobre o caráter de classe da União Soviética. Contudo, ele retirou seu apoiou quando seus correligionários americanos mostraram que essa minoria estava apelando ao meio pequeno burguês de fora do partido, que tinha retirado seu apoio à União Soviética sob a pressão da opinião pública “democrática”. Isso não impediu uma vigorosa discussão dentro das fileiras do SWP sobre essa questão.
Sentimento antipartido
Parte da campanha capitalista após o colapso do stalinismo almejava alimentar o sentimento popular, especialmente entre a nova geração, contra os “partidos” e o modelo supostamente fechado e autoritário de Lenin. Argumentamos contra isso, mas também reconhecemos que qualquer coisa que pareça cheirar a stalinismo repeleria a nova geração que busca uma alternativa política.
Esse sentimento “anti-política” e “anti-partido” representa, na verdade, uma hostilidade profunda contra todos os partidos “oficiais” e “tradicionais”; em outras palavras, os partidos capitalistas, incluindo os partidos social-democratas e mesmo comunistas que se identificam com a velha ordem.
Além disso, esse sentimento durou um período considerável de tempo e ainda é um importante fator na situação política de muitos países hoje. Temos o fenômeno dos “indignados” na Espanha, com tendências similares em outros países. Na Espanha, ele refletiu o ódio inteiramente justificado contra o chamado “Partido Socialista”, o PSOE, um fator na formação dos indignados. Mas essa hostilidade também era muitas vezes dirigida contra grupos marxistas, embora os promotores mais ativos dentro do movimento indignado fossem eles mesmos membros de pequenas organizações políticas. Eles eram, de fato, “grupos anti-grupos”.
Mas qual foi o resultado dessa abstenção da política? Na Espanha, a desastrosa eleição do atual governo de direita do PP, que tem presidido uma crise devastadora, com o nível de desemprego entre os jovens subindo a mais de 50%. Portanto, essa nova geração está reavaliando suas posições e mais uma vez está aberta à idéia de construir uma alternativa política.
Um sentimento parecido estava presente no movimento Ocupe, que se desenvolveu a escala mundial após as iniciativas nos EUA. A experiência posterior demonstrou que um movimento amorfo, embora abastecida por energia e idealismo juvenis, que carece de uma organização e direção claras, representa pouco perigo para as forças altamente centralizadas e organizadas do capitalismo. Uma nova estrada foi aberta e uma camada significativa de trabalhadores e jovens encontrou essa estrada nas espetaculares campanhas eleitorais em Seattle e Minneapolis.
A eleição de uma socialista à câmara de Seattle pela primeira vez em 100 representa um verdadeiro passo adiante para as lutas políticas não apenas nos EUA, mas mundialmente. A Alternativa Socialista tomou a iniciativa neste caso, mas movimentos radicais similares se expressaram em outros locais: em Nova York com a eleição de Bill de Blasio, e sua invocação de “um conto de duas cidades”, com 73% dos votos, e a eleição de 24 candidatos trabalhistas independentes em Lorain, Ohio.
Um processo similar ocorreu na Argentina, onde uma frente eleitoral trotskista recebeu 1.2 milhões de votos nas recentes eleições. Isso ocorre em uma situação completamente mudada se comparada, por exemplo, a 2001, onde, apesar de uma situação econômica catastrófica, os partidos estavam desacreditados; os partidos marxistas, em especial, não fizeram diferença.
Essas eleições indicam que a situação mudou totalmente entre os trabalhadores mais conscientes da necessidade de organização e de partidos. Consequentemente, uma camada transferiu suas esperanças para essa “frente de esquerda”, que está em uma situação favorável para crescer, se empregar as táticas corretas e se abrir para as novas camadas da classe trabalhadora que buscam um partido próprio para as batalhas a vir. Isso quase certamente deve envolver a manutenção de um núcleo revolucionário – numa organização distinta e separada – que busque uma base mais ampla em uma formação de massas mais ampla. No passado, houve outras oportunidades perdidas porque essa abordagem aberta não foi adotada.
Ver Lenin em sua inteireza
Milhões de trabalhadores estão buscando uma alternativa. Isso lhes pode ser providenciado com a construção de novos partidos de massas. Por conta de toda a situação passada, é improvável que na maioria dos países esses partidos adotem de imediato um programa marxista revolucionário claro. Mas uma organização marxista, trabalhando de forma honesta e clara, será saudada em suas fileiras pelos melhores ativistas.
Infelizmente, livros como os de Lars T – e especialmente aqueles que louvam de forma acrítica suas ideias – não serão capazes de preparar os trabalhadores para o período tormentoso e excitante à frente. Ele não apresenta as idéias de Lenin claramente e ignora de forma escandalosa a contribuição feita por Trotsky, em particular.
Nossas críticas não estão restritas ao plano organizativo. O autor não explica de forma adequada as ideias de Lenin em relação às perspectivas para a revolução russa. A idéia central de Lenin de “ditadura democrática do proletariado e do campesinato” diferia das ideias dos mencheviques, que viam a Rússia se desenvolvendo numa direção capitalista, com o socialismo relegado às brumas do futuro. Lenin rejeitava completamente a idéia de que os fracos capitalistas russos poderiam realizar as tarefas da revolução capitalista democrática: reforma agrária, solução da questão nacional, introdução da democracia etc. Apenas uma aliança dos trabalhadores e camponeses, a esmagadora maioria da população russa, seria capaz de realizar essas tarefas.
O ponto fraco no esquema de Lenin, que Lars T não explora de jeito nenhum, é quem iria ser a força dominante na aliança entre o proletariado e o campesinato. Toda a história atesta o fato de que o campesinato nunca jogou um papel político independente por causa de sua heterogeneidade. Suas camadas superiors tendem a se fundir com os capitalistas, suas camadas mais baixas tendem a afundar nas fileiras da classe trabalhadora.
É ai que entra a famosa teoria da revolução permanente de Trotsky, pois antecipou corretamente como a Revolução Russa se desenvolveria. Embora minoritária, a classe trabalhadora, por causa de sua posição social na sociedade e seus traços específicos, dinâmica e organizada na grande indústria, seria capaz de liderar a massa do campesinato na revolução para derrubar a autocracia. Tendo chegado ao poder, ele então passaria às tarefas da revolução socialista na Rússia e no mundo. Nas Cartas de Longe, assim como em suas Teses de Abril, Lenin concorda totalmente com essas idéias de Trotsky. Isso não é nem mesmo mencionado neste livro.
O livro de Lars T Lih sem dúvida representa um avanço sobre as distorções maliciosas das idéias de Lenin e Trotsky. Mas, ao mesmo tempo, a menos que seja completado e corrigido, ele vai introduzir mais confusão sobre o que Lenin e Trotsky realmente defendiam.