A Revolução Russa de 1905: A classe trabalhadora mostra sua força
A Revolução Russa de 1905 começou em um Domingo, 9 de janeiro, depois de mais de mil pessoas – homens, mulheres e crianças – serem massacradas por guardas militares em frente ao Palácio de Inverno do Czar.
Eles faziam parte de uma procissão de 200.000 pessoas que pediam concessões ao Czar para impedir as pioras constantes das condições de vida. O massacre do Domingo Sangrento acendeu o estopim para uma enorme luta operária como nunca se tinha visto em nenhum lugar do mundo, com greves gerais de massas e preparações para uma insurreição armada dos trabalhadores. As massas camponesas do interior do país se envolveram em inúmeras ocupações e invasões de terra. Foi preciso mais de dois anos da mais selvagem contra-revolução – pogroms, massacres, detenções em massa – para salvar o reacionário regime czarista, apesar de ter um enorme apoio do capitalismo mundial.
A primeira Revolução Russa, há um século atrás, precisa ser estudada pelos trabalhadores e pela juventude globalmente. Ela contém valiosas lições para as lutas e movimentos revolucionários de hoje. Entre elas podemos citar:
– Eventos revolucionários são conseqüências das contradições econômicas e de classe, que se desenvolvem sob a superfície, mesmo em sociedades aparentemente estáveis.
– A enorme força da classe trabalhadora como uma força revolucionária. Na Rússia de 1905, alguns milhares de trabalhadores tiveram o país inteiro em suas mãos. Demandas até então “impossíveis” – redução do horário de trabalho, liberdade de reunião e de imprensa – foram conquistadas através da luta. Conselhos de trabalhadores – conhecidos como Sovietes na Rússia – desenvolveram-se como a direção democrática da classe trabalhadora durante a revolução.
– O papel da classe capitalista (burguesia) e da contra-revolução. A burguesia russa e internacional estavam preparadas para aceitar qualquer força armada reacionária, racista para derrotar os trabalhadores. A violência contra-revolucionária resultou em 14 mil mortes entre Janeiro de 1905 e Abril de 1906, com outras mil executadas, 20 mil feridas e 70 mil presas.
– As massas camponesas seguirão a liderança vinda das cidades, do proletariado ou da burguesia. Uma verdadeira reforma agrária necessita de uma insurreição de massas camponesas, mas só pode ser consolidada se a classe trabalhadora for vitoriosa nas cidades.
– A relação entre a classe operária, o campesinato e a burguesia nacional é importante especialmente nos paises menos desenvolvidos, que hoje são os neo-coloniais ou os antigos países coloniais. As tarefas da revolução democrático-burguesas só podem ser atingidas completamente pela revolução internacional da classe trabalhadora.
– Uma revolução não pode parar a meio caminho. O surgimento de conselhos dos trabalhadores, os sovietes, criaram um poder dual paralelo ao poder do Estado. Isso pode existir somente por um período limitado, ao fim do qual ou a classe trabalhadora ou a burguesia terá de derrotar a outra.
– Acima de tudo, 1905 mostrou a necessidade de um partido revolucionário para liderar a revolução. A liderança de Trotski no Soviet e a liderança de Lênin dos bolcheviques foram incalculáveis em 1905 e ainda mais na vitoriosa revolução 12 anos depois, em 1917. Os ativistas marxistas com raízes profundas na classe trabalhadora, educados pelo partido, capazes de organizar e dirigir a luta são decisivos em todos os estágios.
O Estado Czarista no caos
Um enorme movimento grevista em 1902-03 precedeu a revolução de 1905. Mas o principal fator detonante os eventos de 1905 foi a guerra entre Rússia e Japão em 1904. As tropas russas foram humilhantemente derrotadas, e isso despertou entre os trabalhadores e os capitalistas esperanças de que o regime do czar estivesse no fim. O derrotismo – esperança de uma derrota militar – espalhou-se pela Rússia. Os custos da guerra recaiam nos ombros dos trabalhadores e camponeses, que aumentavam sua oposição à guerra.
A Rússia sob o Czar era um clássico exemplo de desenvolvimento desigual e combinado. Sobre uma enorme e estagnada economia rural subdesenvolvida foi construído um grotesco aparato estatal de repressão, junto com um exército enorme e relativamente moderno. O capitalismo moderno da Europa Ocidental invadiu a Rússia através de empréstimos de capitais ao Czar, e, mais importante, pela implantação de grandes industrias em S. Petersburgo e em outras cidades. Isso criou uma aliança informal entre o capitalistas ocidentais e o regime czarista, com algumas certas similaridades ao relacionamento entre as corporações transnacionais e o governo chinês, hoje. O reacionário regime do Czar serviu aos propósitos dos capitalistas do Ocidente.
Por causa deste processo, o subdesenvolvimento da classe capitalista russa era mais do que pronunciado. Os capitalistas russos eram extremamente fracos como uma força social, e em muitos casos eles também se mesclavam com os latifundiários que representavam a sociedade feudal que na Rússia existia em paralelo ao capitalismo. Por causa da chegada tardia do capitalismo na Rússia, a classe capitalista não podia jogar o papel que a burguesia francesa jogou na clássica revolução de 1789-1815.
Revolução democrático-burguesa com uma liderança da classe trabalhadora
Destas circunstancias, Leon Trotsky desenvolveu a teoria da revolução permanente. Os social-democratas russos (os reformistas e revolucionários estavam unidos na social-democracia até a I Guerra Mundial e a Revolução de 1917.) viam a iminente revolução como tendo um caráter democrático burguês. A tarefa era “atualizar” a Rússia na linha dos modelos burgueses-capitalistas da Europa Ocidental. Mas enquanto os mencheviques (minoria) concluíam disso que a classe operária deveria se subordinar à burguesia nacional, os bolcheviques (maioria) argumentavam que a classe trabalhadora deveria tomar a direção do processo, independentemente da burguesia.
Os mencheviques repetiram que uma revolução burguesa deveria ter uma direção burguesa, e que qualquer esperança que os trabalhadores jogassem um papel de direção era utópico. Os bolcheviques, sob a liderança de Lênin, apontavam para uma “ditadura democrática de trabalhadores e camponeses”, que poderia dar um ímpeto para a revolução mundial ao mesmo tempo que o resultado desse regime estava em aberto.
Trotski, que estava do lado dos mencheviques no primeiro racha de 1903 mas que logo se separou deles, foi mais além desta questão do que Lênin e os bolcheviques. Ele argumentava que os trabalhadores deveriam jogar um papel decisivo, mas que não poderiam parar somente nas tarefas de uma revolução democrático burguesa. Para obter uma reforma agrária verdadeira, resolver a questão nacional e desenvolver a economia, a revolução teria de proceder as tarefas de uma revolução socialista, i.e. lutar contra e expropriar os capitalistas, e espalhar a revolução internacionalmente. Os eventos de 1905 e de 1917, confirmaram completamente a antecipação de Trotski. 1905 foi uma “revolução burguesa sem uma burguesia revolucionária”, ele comentou.
Tanto os bolcheviques quanto Trotski apresentavam uma perspectiva internacional. O sucesso na Rússia seria impossível sem a ajuda da classe trabalhadora européia, comentou Lênin.
Os trabalhadores das indústrias eram uma ínfima minoria do total da população da Rússia, mas estava altamente concentrada em grandes industrias. De uma população de 150 milhões em 1897, 3.3 milhões eram empregados em indústrias de mineração e processamento, transporte, construção e comercial. Em 1902, 38.5 % dos trabalhadores de fábricas na Rússia trabalhavam em locais de trabalho com mil ou mais operários. Na Alemanha, uma economia muito mais desenvolvida, a percentagem era de 10. A jovem e altamente concentrada classe trabalhadora russa estava pronta para jogar um papel de direção.
Domingo Sangrento
As grandes greves de 1902-03, a guerra russo-japonesa e a crise criada por ela levaram à fermentação de todos os setores da sociedade. Em novembro de 1904, isso era refletido pela resolução de 100 proeminentes liberais dos conselhos municipais, os zemstvos. As suas principais demandas eram “liberdade pública” e “representação popular”, mas foi deixado para o Czar decidir como e quando. Eles nem mesmo exigiram uma constituição. Logo, os estudantes e funcionários foram muito mais longe que os zemstvos e os liberais. O regime culpou a declaração dos zemstvos pela intranqüilidade crescente, mas falhou em acalmar a situação apesar da mistura de concessões e medidas repressivas.
Em Janeiro, a classe operária de Petersburgo entrou em ação. Em 7 de Janeiro, 140.000 trabalhadores estavam em greve. Esta foi organizada por um sindicato, a Assembléia dos Trabalhadores Fabris Russos de São Petersburgo, liderado pelo padre Pai Georgi Gapon, e patrocinado pela polícia secreta, a Okhrana. O regime czarista tinha a tradição de infiltrar grupos opositores para acabar com eles.
Começando como uma greve por demandas econômicas, o movimento de 1905 logo se tornou político. O líder acidental do movimento, o radical Pai Gapon, viu-se organizando uma marcha para entregar uma petição dos trabalhadores ao Czar. A petição mostrava o incrível nível de raiva que existia entre os trabalhadores, dizendo: “O limite de nossa paciência está se esgotando, o terrível momento chegou para nós quando se tornou melhor morrer a continuar sofrendo este tormento intolerável”. As demandas eram uma jornada de trabalho de oito horas, salários justos e direitos democráticos, incluindo o direito igual e universal ao voto para a Assembléia Constituinte.
A marcha de 9 de Janeiro foi pacífica, e até incluía ícones e bandeiras religiosas. O massacre, contudo, foi bem preparado, com soldados atirando na multidão a curta distância durante boa parte do dia. Mais de mil pessoas foram mortas naquele dia (algumas fontes dizem centenas, outras, duas mil), e muitas outras foram feridas.
Este grande evento estabeleceu a linha divisória para a revolução, entre a classe trabalhadora e o regime czarista. Depois do 9 de janeiro, foi estabelecido um regime militar, com o general Trepov liderando a repressão. Mas os trabalhadores também se puseram em movimento, com as greves de janeiro e fevereiro se espalhando por 122 cidades e vilas. As greves continuaram durante a primavera, como a dos ferroviários em Abril e Julho. Em Junho, a rebelião do famoso encouraçado Potemkin despertou enormes esperanças antes de ser esmagada pelas forcas do Estado.
A exibição de forcas em Outubro
No outono, o movimento ressurgiu mais forte do que no inicio do ano. A greve geral em Outubro foi a maior e mais espetacular vista até então no mundo inteiro. Na Alemanha, ela estourou uma grande onda de greves envolvendo 500,000 trabalhadores durante o ano de 1905. Na Suécia, ela fortaleceu a oposição dos trabalhadores à ameaça da burguesia de uma guerra para impedir a independência da Noruega. Em geral, a revolução na Rússia recebeu um apoio internacional muito forte. “O mundo nunca viu uma greve tão poderosa”, escreveu o jornal sueco Social Demokraten, enfatizando que o programa grevista cobria todas as demandas por um novo Estado. A solidariedade é mostrada pelo fato que 20 mil trabalhadores marcharam em Estocolmo no aniversário do Domingo Sangrento em 1906.
A greve de Outubro começou como uma greve de tipógrafos em Moscou, Eles foram seguidos pelos tipógrafos em Petersburgo e então pelos os ferroviários, que declararam uma greve geral a partir de 9 de Outubro em Moscou. “Foi como se quase toda a Rússia estivesse esperando por esse sinal”, escreveu o autor americano e pró-capitalista Allan Moorehead, em sua história da revolução russa. Ele mencionou “os corpos de ballet” em grve e que “não havia um padeiro querendo assar pães”.
As demandas eram novamente por uma jornada de trabalho de 8 horas, anistia aos presos políticos, liberdades civis e uma Assembléia Constituinte. O Estado e os capitalistas eram completamente incapazes de parar a onda de greves. Além das greves totais nas indústrias, partes das lojas e mesmo cortes da justiça se engajaram. Em 13 de Outubro, a greve política era total em Petersburgo e no dia 17 ela se estendia por mais de 40 cidades, incluindo Varsóvia e Riga – Hoje capitais da Polônia e Letônia. A greve reuniu um grande número de ativistas e apoiadores, conseguindo defender a si mesma dos cossacos e soldados. Os métodos de greve foram seguidos por estudantes e profissionais liberais, soldados compareciam às assembléias operárias – esse fermento revolucionário “criou um pânico inacreditável nas fileiras do governo” (Trotski em seu livro, 1905). A resposta do regime czarista foi, por um lado, de um manifesto “democrático” em 17 de Outubro, prometendo concessões, e de outro o desencadeamento do Terror Negro.
Em Setembro, a Rússia concordou em assinar um humilhante tratado de paz com o Japão. Isso evidenciou a fraqueza do Czar, ao mesmo tempo em que o deixava livre para lutar em apenas um front – contra a revolução.
O Soviet
Em 10 de Outubro, um conselho operário, o Soviet, foi formado em Petersburgo. De 30 a 40 delegados de trabalhadores participaram da reunião, mas o Soviet logo se tornou a liderança principal da revolução. Com um delegado para cada 500 trabalhadores, ele assegurou assembléias em cada estágio da revolução até ser dissolvido pela repressão em Dezembro. Em Novembro havia 562 delegados representando 200 mil trabalhadores. Os representantes dos trabalhadores do setor de tintas deram o tom: “Reconhecendo a inadequação da luta passiva e da mera cessão do serviço, nós resolvemos: transformar o exército da classe trabalhadora grevista em um exército revolucionário, isto é, organizar destacamentos armados de trabalhadores imediatamente. Deixar esses destacamentos tomarem conta do armamento do resto das massas trabalhadoras, se necessário pela invasão de lojas de armas e do confisco de armas das tropas onde isso for possível”. Os sovietes foram construídos na maioria das grandes cidades.
Foi a greve geral que forçou o Czar a apelar ao manifesto de 17 de Outubro, que abria a possibilidade para as eleições a uma Duma estatal, uma espécie de parlamento controlado pelo Czar. Esse regime que via a si mesmo como eleito divino para governar para sempre foi humilhado quando os trabalhadores das gráficas em greve se recusaram a rodar o manifesto. A resolução do Soviet sobre a liberdade de imprensa dizia que nenhum papel seria impresso a menos que seus editores ignorassem a censura do Estado.
Fora de Petersburgo, os grevistas começaram a voltar do trabalho. Apesar das promessas do Manifesto, Trotsky e outros líderes alertavam contra qualquer ilusão. O aparato estatal era o mesmo. Ainda na noite de 17, tropas ocuparam universidades e dissolveram a assembléia do Soviet em São Petersburgo.
Contra-Revolução em ação
O General Trepov preparava um massacre de uma manifestação funerária planejada para 23 de Outubro. O Soviet decidiu então cancelar a marcha, declarando que “o proletariado de Petersburgo dará a batalha final contra o governo czarista, mas não no dia que Trepov escolher”.
A contra-revolução sempre age na sombra da revolução, constantemente testando o quão longe pode ir. Logo que a greve geral começou a se enfraquecer, “uma centena de cidades e vilas da Rússia se transformaram num inferno, com o fogo devorando ruas inteiras com suas casas e habitantes. Era a velha ordem se vingando de sua humilhação”, escreveu Trotski. A formação das Centúrias Negras era a antecipação dos movimentos de massas fascistas na Itália e na Alemanha algumas décadas mais tarde, com criminosos, pequenos-burgueses reacionários e instigadores da guerra como membros. Os pogroms, dirigidos contra ativistas sindicais e principalmente judeus, mataram de 3.500 a 4 mil pessoas e feriu seriamente outras 10 mil.
O único fator que parou as Centúrias Negras foi a resistência dos trabalhadores, inclusive suas milícias. Em Petersburgo, nenhum pogrom foi efetivado.
A greve de Novembro
A greve de outubro criou o cenário para o confronto entre os trabalhadores revolucionários e o Estado. Os capitalistas, o imperialismo e o Czar perceberam que o manifesto falhou em acalmar o movimento. No final de Outubro, uma revolta em Kronstadt foi esmagada pelo Estado, e toda a Polônia estava sob a lei marcial, assim como grandes regiões com fortes movimentos camponeses.
A resposta do Soviet foi proclamar uma nova greve geral para 2 de Novembro. “O sucesso do apelo superou todas as expectativas. Apesar de apenas 2 semanas terem se passado desde a greve de Outubro, que exigiu enormes sacrifícios, os trabalhadores de Petersburgo pararam o trabalho com extraordinária unanimidade”, Trotski comentou. A greve foi uma tremenda demonstração de força e da autoridade do Soviet. A lei marcial na Polônia e a ameaça de execução dos rebeldes de Kronstadt foram suspensas. A greve se encerrou em 7 de Novembro.
A liderança dos trabalhadores – em Petersburgo era Trotski e a facção bolchevique – tentava ganhar mais tempo para preparar o confronto final com o Estado. Durante as greves o Soviet assumiu o papel de uma alternativa ao aparato de Estado. Ele organizava funções que ele mesmo fechava, como correios, ferrovias e telégrafos. Mesmo os capitalistas tinham que apelar para o soviet para enviar, por exemplo, um telegrama privado. O Soviet também organizou patrulhas para proteger as cidades, era o sustentáculo da liberdade de imprensa e o principal meio de informações. Este poder não podia coexistir com o Estado czarista por mais de um período limitado.
O Soviet prepara a insurreição
O Soviet não podia voltar atrás. Ele conhecia a repressão do Estado muito bem. O fator desconhecido – até a batalha – era a força exata dos combatentes. A direção reconhecia que o ânimo do exército era decisivo, e que o exército não iria passar para o lado da classe trabalhadora até ver a determinação das massas. Em Outubro-Novembro aumentaram o número de soldados que compareciam às assembléias dos trabalhadores. Em 11 de novembro, os marinheiros de Sebastopol se revoltaram e por alguns dias controlaram a maioria da frota do mar negro, protegendo a cidade contra os pogroms. Esta revolta armada foi derrotada quando o exército dos soldados hesitaram em apoiar os marinheiros. Torpedeiros controlados pelos rebeldes foram afundados pelo fogo da artilharia e os líderes, presos e executados.
O movimento camponês também estava avançando. Ao fim de 1905, mais de 2.000 grandes propriedades rurais estavam queimadas por todo o país. Congressos Nacionais Camponeses surgiram em Agosto e começo de Novembro.
A luta pela libertação nacional também recebeu um enorme ímpeto da revolução. De novo, foram os trabalhadores da Polônia, Báltico e Cáucaso que lideraram a luta. A burguesia liberal ou nacional eram arrastadas por eles e quando a derrota se aproximava elas se voltaram contra a revolução.
Na Finlândia as greves de Novembro e Dezembro arrancaram mais concessões do que em qualquer outra parte do império czarista. Milícias vermelhas tomaram o controle de várias cidades, e o czar proclamou o sufrágio universal na Finlândia (o primeiro país da Europa a fazê-lo nesta época). O partido social democrata ganhou 80 das 200 cadeiras do seu parlamento.
Com a fermentação ainda ocorrendo entre os soldados e camponeses, a luta pela libertação nacional seguindo adiante, um forte espírito de combatividade entre os trabalhadores e a contra-revolução preparando suas forças, o Soviete não tinha escolha a -não ser preparar-se para a batalha. “Se as batalhas fossem forjadas já com a certeza da vitória, então não haveria batalhas neste mundo”, foi a resposta de Trotski àqueles que diziam que o Soviet deveria evitar a batalha. “A luta de classes não é uma contadoria, como alguns líderes sindicais reformistas parecem acreditar.”
As direções mencheviques e liberais queixavam-se de que o Soviet espantava potenciais aliados entre a classe capitalista. O Soviet mostrou a força da classe trabalhadora, ameaçando os donos das fábricas e seus lucros. Lênin respondeu a esses argumentos em “Duas táticas da Social Democracia na revolução democrática” (escritos em Junho-Julho de 1905): “O marxismo ensina o proletariado que não se alheio ã revolução burguesa, não pode ser indiferente a ela, não pode permitir que sua liderança seja assumida pela burguesia, mas, ao contrário, tomar parte dela energeticamente, lutar mais resolutamente por uma consistente democracia operária, para levar a revolução à sua conclusão.” A burguesia já pulara fora da luta, Lênin apontou, e era isso que o partido operário queria. A revolução poderia ir adiante, não sob a liderança da burguesia, mas apesar da sua natureza inconseqüente e covarde. Depois do manifesto de 17 de Outubro, os liberais queriam um acordo com o Czar, e consideravam a luta dos trabalhadores como um obstáculo a isso. Os liberais condizentemente aceitavam o Czar continuar como supremo governante se ele lhes garantisse uma parlamento – Duma.
Os liberais, e depois os mencheviques, acusaram o Soviet e particularmente os bolcheviques de falaram demais a respeito da insurreição armada. Lênin respondeu: “A Guerra Civil está sendo imposta à população pelo próprio governo”. Trotski, na sua defesa frente à corte que esteve submetido após a revolução, declarou: “preparar a insurreição para nós significa, acima de tudo… instruir o povo, explicar a ele que o conflito aberto é inevitável, que tudo o que foi concedido a ele pode ser tomado de novo, que apenas a força pode defender direitos, que uma poderosa organização dos trabalhadores é necessária, que o inimigo deve ser enfrentado diretamente, que a luta deve continuar até o fim, que não há mais outro caminho”.
No meio de Novembro os trabalhadores dos correios e telégrafos entraram outra vez em greve. Quando chegaram notícias de que um engenheiro ferroviário foi condenado à morte, os trabalhadores das ferrovias deram ao governo um ultimato: parar a execução ou enfrentar uma nova greve geral no setor. Mais uma vez, o governo recuou, mas como Trotski comentou, esta foi a última vitória da revolução. A burguesia liberal começou a voltar às costas aos trabalhadores, que sentiam que uma batalha de vida ou morte se aproximava. O próprio Czar começou a assumir abertamente a liderança das forças reacionárias.
Dezembro: A greve de Moscou e sua derrota
Em 26 de Novembro o presidente eleito do Soviet de Petersburgo, Khrustalev, foi preso. Em protesto contra isso, uma nova presidência foi eleita, desta vez com Trotski à frente, O soviet declarou seu propósito de “continuar a preparar uma insurreição armada”. Em 2 de Dezembro, oito jornais que traziam impresso um manifesto do Soviet foram confiscados. Greves foram proibidas nos serviços postal, telegráfico e ferroviário. No dia seguinte os delegados do Soviet de Petersburgo, inclusive Trotski, foram presos.
Em 7 de Dezembro o Soviet de Moscou anunciou outra greve geral para dali a dois dias, evento que viria a ser a demonstração final da revolução. 150.000 trabalhadores participaram da greve. Milícias operárias foram formadas. Grupos de policiais foram desarmados. Em 10 de Dezembro choques sangrentos se iniciaram, começando com soldados atirando em reuniões pacíficas de trabalhadores desarmados. Por nove dias aproximadamente, de 1.500 a 2.000 trabalhadores armados (700-800 dos partidos de esquerda, 500 da união ferroviária e 400 tipógrafos) foram capazes de deter o poderoso exército do Czar. Isso por causa do apoio que os trabalhadores recebiam da massa da população. Mas os trabalhadores estavam exaustos. Os militares com reforços vindos de outras cidades e com os aliados reacionários levaram a melhor. Em Petersburgo a greve terminou em 12 de dezembro e no dia 17 em Moscou. Trotski estimou o número de mortos em Moscou em mais de mil 1.000 – incluindo 86 crianças. Um relato da região do Báltico, onde a contra-revolução foi particularmente terrível, contou 749 executados.
Bolcheviques, Mencheviques e Trotski
“Os partidos extremistas ganharam força porque, em sua crítica aguda à todas as ações governamentais, todos eles provaram estar certos em quase tudo”, afirmou um memorandum secreto da liderança ministerial de novembro. O maior ganhador foi o Partido Operário Social Democrata Russo, POSDR. Dois anos antes, no seu Segundo Congresso em 1903, o partido rachou em dois: Bolsheviques e Mensheviques. Juntos, as duas facções tinham duas centenas de membros e poucos milhares de simpatizantes em Petersburgo.
A revolução, por um lado, forçou as duas correntes a agirem juntas, como Lênin comentou posteriormente. Por outro lado, evidenciou as diferenças. Para Leon Trotski, que em 1903 apoiou os Mencheviques, a revolução cimentou sua discordância política com eles. Para Georgi Plekhanov, que estava com entre os Bolcheviques em 1903, a revolução finalizou sua partida para os Mencheviques.
Durante a revolução, a liderança dos Mencheviques se orientou em direção aos liberais dos zemstvos. Eles apoiaram o partido “liberal” Kadete, que nessa época se dizia estar em “total solidariedade com o movimento grevista”. Posteriormente, como Trotski e os Bolcheviques previam, os liberais tomaram uma posição completamente oposta, acusando a classe trabalhadora pela reação da contra-revolução.
Os bolcheviques tiveram uma orientação completamente diferente. Eles organizaram um 3º congresso do POSDR, sem os mencheviques, na primavera 1905, expressando a necessidade dos trabalhadores se organizarem independentemente da burguesia. Durante a revolução, os bolcheviques estavam construindo o partido nos locais de trabalho. O problema dos bolcheviques era o sectarismo, primeiro em relação ao movimento do Pai Gapon e depois em relação ao Soviet. A mulher de Lênin, Nadezhda Krupskaya, relatou em sua biografia as críticas de Lênin aos “homens dos comitês” do partido, que temiam que este se dissolvesse no Soviet.
A visão de Lênin sobre uma organização era extremamente flexível, não a caricatura do stalinismo e do anti-comunismo no ocidente. No inicio da revolução, Lênin apontava para um partido mais aberto e “frouxo”, com uma base de massas. “Centenas de novas organizações deveriam ser lançadas para este propósito sem demora. Sim, centenas; isso não é uma hipérbole, e não me venham dizer que é ‘muito tarde’ para lidar com a construção dessa organização ampla”, escreveu Lênin em Fevereiro. Os “homens de Comitê” derrotaram tal plano no Congresso.
Mais tarde, contudo, eventos, em combinação com a chegada de Lênin em Novembro, fizeram o partido dar um salto neste sentido. No fim de 1905 os bolcheviques tinham 8.400 membros, em Abril de 1906, quando a primeira duma foi convocada, 13.000, e em 1907, 46.000 membros – pela primeira vez ultrapassando os mencheviques.
Leon Trotsky, que tinha apenas 25 anos, se tornou o mais proeminente líder da revolução. Como opositor das outras lideranças social-democratas, Trotsky voltou à Rússia em Fevereiro. Ele mais tarde teve que se esconder na Finlândia, mas seguiu os eventos atentamente e voltou em Outubro para se tornar o principal líder do Soviet. Ele era o seu porta-voz e escreveu a maioria das suas resoluções. O seu livro 1905 é o melhor testemunho da revolução e de seus debates. O erro de Trotsky no período e em 1917 foi subestimar o partido construído pelos bolcheviques. Ele ainda esperava que os melhores mencheviques poderiam ser ganhos para um partido unificado. Em 1917, ele admitiu seu erro e se juntou aos bolcheviques.
Os social-democratas no Soviet eram muito unidos e ganharam o apoio majoritário. Seus dois jornais, o Vperjod bolchevique e o Nachalo de Trotsky tinham posições políticas similares – e tinham uma tiragem de mais de 50.000 cada. Em Outubro e Novembro os social-democratas eram capazes de evitar a batalha direta com o Estado. Isso não era possível em Dezembro por razões políticas e estratégicas. De qualquer forma por causa da força do aparato do Estado e sua determinação em esmagar as organizações revolucionárias, o movimento sofreu uma derrota.
Unidade e Rosa Luxemburgo
As massas também influenciaram o partido. Havia uma enorme pressão pela unidade entre Bolcheviques e Mencheviques. Em muitas cidades não havia nenhuma divisão clara. Lênin mesmo reconheceu este processo. Em Estocolmo em 1906 e Londres em 1907 foram organizados congressos conjuntos do POSDR. Em geral os Mencheviques não mudaram suas posições, tanto que eles aumentavam suas críticas aos Bolcheviques a medida em que a derrota da revolução se tornava clara. Em outras questões, mudanças ocorreram. Por exemplo, o Congresso de Estocolmo aprovou a posição de Lênin sobre os estatutos do partido, a questão que deu origem ao racha de 1903. Ambos os lados boicotaram a eleição para a primeira Duma, em Abril de 1906, como uma distração da revolução. Antes da segunda Duma, contudo, Lênin foi contra o boicote e chegou a votar com os mencheviques contra os bolcheviques ultra-esquerdistas nesta questão.
A revolução provou a dificuldade de analisar uma luta que se desenvolve ao vivo. Não foi senão muito tarde que se reconheceu a greve de Dezembro como o pico da revolução. No outro ano, novas lutas se desenvolveram. Krupskaya relata como a força policial continuava desorganizada por todo o ano de 1906. Contudo, Paul Frölich escreve em sua biografia de Rosa Luxemburgo como em 1906 os trabalhadores gradualmente perderam as posições conquistadas, apesar das continuas manifestações, greves e lutas camponesas. “Ao mesmo tempo, no entanto, o terror oficial do poder absolutista se intensificou: pogroms, expedições punitivas (particularmente nas províncias bálticas), caçadas massivas, cortes marciais sumárias, execuções e aumento do número de exílios à Sibéria”.
Rosa Luxemburgo, com um passado de judeu-polonesa, chegou em Varsóvia vinda da Alemanha em Dezembro 1905. Ela imediatamente jogou um papel de destaque na parte polonesa da Revolução e no partido social democrata polonês, o SDKPiL, que aumentou o seu número de membros de 25.000 em 1905 para 40.000 em 1907. Em Março de 1906, Rosa Luxemburgo foi presa.
Suas experiências da revolução, contudo, jogaram um papel decisivo nos debates dentro da Social-Democracia alemã nos anos vindouros. De volta a Alemanha, Rosa Luxemburgo se sentiu um “peixe fora d’água”. Em oposição à liderança direitista do partido social-democrata alemão, e mesmo contra a ala direitista dos sindicatos, ela defendia as greves de massas como uma arma essencial nas lutas de classe da Europa Ocidental.
Na Rússia, não foi senão até o ressurgimento das lutas operárias em 1912 que os bolcheviques se tornaram um partido próprio. A formação dos bolcheviques em 1905, e as lutas de 1912-14, foram cruciais para a insurreição de 1917. Em 1905 a organização e força da classe trabalhadora não foram suficientes para derrotar o Estado Czarista. Doze anos mais tarde, os eventos da Rússia abalariam o mundo.
Fontes:
Leon Trotski: “1905”
Lênin: “Duas táticas da Social Democracia na revolução democrática” e outros escritos de 1905
Isaac Deutscher: “O Profeta Armado”
EH Carr: “A Revolução Russa”
Paul Le Blanc: “Lênin e o partido revolucionário”
Paul Frölich: “Rosa Luxemburgo”
Krupskaya: “Lenin”
Alan Moorehead: “A Revolução Russa”
Tradução por Diego Siqueira de artigo originalmente disponível em www.socialistworld.net, em 13 de janeiro de 2005