Os ventos de junho chegam ao interior do Rio Grande do Norte

     Currais Novos, importante cidade do interior do RN, localizada na região central do Estado, vivenciou na quinta-feira (30/01) um protesto contra o abuso cometido pela Polícia Rodoviária Federal, ao multar motoristas de carro e de moto (cerca de 50, segundo informações) que deixaram seus veículos estacionados na Avenida Dr. Sílvio Bezerra de Melo (trecho urbano da BR-226). A PRF alegou que, de acordo com a lei, não é permitido estacionar no acostamento de rodovias federais e, portanto, os motoristas currais-novenses estariam violando tal legislação.

O protesto

     O primeiro protesto aconteceu na Avenida Dr. Sílvio Bezerra de Melo, próximo à Telemar, e em seguida ocorreu outro na ponte que liga a cidade ao bairro Paizinho Maria. Os manifestantes, motoristas e motociclistas que receberam multas, em sua maioria mototaxistas, bloquearam a pista, nos dois sentidos, além de atearem fogo em pneus. O protesto chamou a atenção de todos, e logo a notícia correu pela boca do povo e nas redes sociais e blogs da região e da capital, Natal.

     Os mototaxistas que protestam são, sobretudo, homens entre 30 a 40 anos de baixa escolaridade e 18 a 30 anos, com maior nível de escolaridade, os quais recorrem às corridas de moto-táxi sem o mínimo de direitos assegurados – como férias remuneradas e seguro-desemprego. Em tempos de gastos escandalosos com os megaeventos, as pessoas estão mostrando que não aguentam mais promessas e querem seus direitos.

     Foi, no mínimo, surpreendente ver uma manifestação como a de quinta-feira ter ocorrido em Currais Novos, e principalmente da forma que aconteceu, com uma rodovia sendo bloqueada e pneus sendo queimados. A revolta das pessoas que protestaram só pôde ser materializada, sem dúvida alguma, no ato que descrevemos, devido ao novo momento político que o Brasil vive após as conhecidas Jornadas de Junho, do ano passado. Isso é tão verdade que, após junho, vimos uma série de protestos ao redor do país por coisas que não mereceriam uma manifestação antes de junho de 2013, como, por exemplo, a construção de uma passarela em trecho perigoso, numa cidade do interior de São Paulo, ou o fim do uso de cães da raça Beagle em experiências científicas, também em São Paulo.

Viver em Currais Novos

     Cidade de povo pacato, hospitaleiro e de forte fé católica, Currais Novos, até poucos anos atrás, podia oferecer aos seus habitantes um lugar calmo, com serviços públicos funcionando razoavelmente bem; contudo, esse, certamente, não é o quadro que vemos hoje. Como toda cidade média de interior (45 mil habitantes), ela sente a intensificação dos problemas decorrentes do processo de urbanização centrado não no bem da população, mas no interesse de certos grupos políticos e econômicos.

     Dentre as áreas que passam por problemas, citamos três: emprego, saúde e recursos hídricos. Na área do emprego, vemos um município cuja economia se move, prioritariamente, em torno do setor de serviços (comércio e turismo) e do funcionalismo público, além da pesca, agricultura, pecuária, e da ainda incipiente retomada da extração mineral, como a schelita (o município já foi o maior exportador de schelita do mundo). Não há um parque industrial ou tecnológico consolidado, e os estudantes que concluem seus cursos técnicos no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRN), em sua maioria, não são absorvidos pelo mercado local, sendo obrigados a deixar a cidade à procura de emprego na capital ou em outros Estados.

     Na área da saúde, mesmo após a chegada de três médicos cubanos, a situação continua crítica. O Hospital Regional Padre João Maria vem enfrentando uma crise administrativa há anos, tendo, recentemente, fechado a UTI, e, atualmente, não oferece o serviço de plantão aos finais de semana. Os médicos cubanos trabalham na saúde preventiva, nos postos de saúde da cidade, e foram muito bem recebidos pela população. Infelizmente, essa mesma população não pode ficar satisfeita com outros serviços oferecidos pelo SUS na cidade, o que aponta a contradição que é trazer médicos cubanos, algo muito positivo, mas não avançar rumo ao aumento de investimentos na saúde pública, por parte dos governos em todas as esferas.

     Na área de recursos hídricos, a situação de crise não é recente, mas antiga, e, como bem sabemos, é aproveitada pelos grupos econômicos e políticos locais em benefício próprio, alimentando o que se convencionou chamar de “Indústria da seca”, há pelo menos um século. Para se ter ideia, os dois principais reservatórios que servem à cidade, o Açude Dourado, em Currais Novos, e o Gargalheiras, em Acari, estão com 0,81% e 14,00% do volume total de água, respectivamente 1 continuarem investindo em um modelo de segurança hídrica que privilegia a construção de açudes, por exemplo, ao invés de reservatórios subterrâneos, os quais eliminam o problema da evaporação da água (70% da água dos açudes, devido ao forte sol nordestino, evapora), o problema da seca perdurará. Nas palavras de Robério Paulino (em A tragédia da seca no Nordeste: fenômeno natural ou consequência de um capitalismo atrasado e perverso?, artigo de maio de 2013 no site da LSR), pré-candidato ao governo do RN pelo PSOL, “a responsabilidade por essa situação não é apenas da Natureza, mas sim dos governos e dos medíocres grupos capitalistas nacionais e locais. A sensação da população é de quase abandono, descaso, inação por parte dos governos federal e estaduais. Eles apenas mantém vivas e controladas as populações, com bolsas, carros-pipa e cestas básicas, mas alocam recursos mínimos para medidas realmente estruturais de convivência no semiárido brasileiro”.

É preciso que se construa uma alternativa popular

     Diante do que falamos, não há dúvidas que é o povo aquele “paga o pato” pela falta de vontade política e de compromisso dos governos em resolver os problemas cotidianos do povo. Só uma alternativa construída a partir de baixo, pela população que sofre diariamente com as dificuldades relatadas aqui, pode fazer frente aos interesses dos mais ricos. E já sabemos qual o caminho a seguir: as Jornadas de Junho nos mostraram que o caminho é tomar as ruas, pressionando os governos, exigindo nossos direitos. O protesto que se viu quinta-feira, em Currais Novos, é um indicativo, mínimo, do que a povo currais- novense pode e deve fazer para acabar com os problemas na saúde, educação, habitação, abastecimento e segurança. Outros junhos virão, e muito provavelmente veremos mais cidades do interior, como Currais Novos, com as ruas tomadas de jovens e trabalhadores, que não aguentam mais a vida sofrida que levam, e já não mais se contentarão com o pão e circo de sempre.


[1] http://www.semarh.rn.gov.br/contentproducao/aplicacao/semarh/sistemadeinformacoes/consulta/ cBaciaSitVolumetrica_Detalhe.asp?CodigoEstadual=00

Sobre os mototaxistas, leia também:
http://portal.anpocs.org/portal/index.php? option=com_docman&task=doc_view&gid=8272&Itemid=217

Você pode gostar...