Mais uma tragédia anunciada castiga a classe trabalhadora de Petrópolis

A cidade de Petrópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, foi mais uma vez castigada pelas chuvas. Desde quando passou a ter registros, jamais o município teve a quantidade de chuvas como as que ocorreram em 15 de fevereiro de 2022. É justamente nos verões que as chuvas aumentam consideravelmente no estado do Rio de Janeiro. Para Petrópolis, no mês de fevereiro, espera-se um volume de 232 mm de chuvas. No entanto, para se ter dimensão da calamidade que a classe trabalhadora petropolitana vivenciou, em apenas 6 horas choveu 260 mm, de acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN).

Não é de hoje que temos vivenciado uma série de catástrofes relativas às chuvas, bem como sua falta. Só neste último verão, vimos e ainda choramos pelas mortes que ocorreram no Sul da Bahia, Minas Gerais, passando por São Paulo e, agora, na Serra Fluminense. A devastação do meio ambiente a serviço do sistema econômico pautado na destruição de nossa biodiversidade, de monoculturas e da mineração tem nítida relação para com o desequilíbrio ambiental. Se por um lado as Zonas de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) são, por exemplo, fundamentais para a manutenção hídrica no Centro Sul do Brasil, temos sentido os impactos negativos mais agudizados que vão desde a sua ausência, até à sua ocorrência concentrada e impiedosa. Quando se rememora que nos anos de 2014 e 2015 as ZCAS simplesmente não ocorreram, tal fenômeno foi o suficiente para deixar São Paulo, Rio De Janeiro e Paraná sob crises hídricas. Já em 2011-2012 e 2021-2022, expõem o despreparo de governos para lidar com a força de suas chuvas, manifestando a ausência de políticas de prevenção e acolhimento em catástrofes.

O caso petropolitano chama ainda mais atenção, pois, embora seja inegável que as forças das chuvas tenham sido exponencialmente além do que a ciência previa para o mês, o próprio CEMADEN há dias havia alertado o município e a região para chuvas e tempestades. E mais do que isso, pelo histórico de tragédias que ocorreram em Petrópolis, desde 1988, até a última que se sucedeu em 2011, nenhum legado relevante foi capaz de pelo menos poupar vidas. Petrópolis é a maior cidade da região serrana fluminense, tanto no que diz respeito à sua população, como à sua economia. Seu legado histórico, gastronômico e natural foram elementos para torná-la um importante destino turístico. Além disso, o dinamismo da sua economia se revela num aquecido setor de comércio e serviços, contando também com importantes empresas do setor cervejeiro, de vestuário e de ciência e tecnologia. Embora uma gama relevante de empregos sejam gerados, questões relacionadas a transportes, habitação e prevenção às tragédias não têm sido alvo das ações de políticos e seus representantes.

Petrópolis tem particularidades quanto à sua formação social. Assim como a Região Serrana do Rio de Janeiro, Petrópolis é uma localidade em que a proporção de população branca é superior à não branca. Porém, ao se analisar os estragos causados pela catástrofe, fica evidente que as localidades que são redutos da população negra são as mais atingidas. Foi em Petrópolis que se assinou a Lei Áurea, em 1888, a mesma que não reparou qualquer condição econômica e social às pessoas ex-escravizadas. Parte do movimento negro reforça a necessidade de reparação histórica e que, em Petrópolis, também fica evidente o legado deletério para famílias negras que ocupam majoritariamente as áreas mais vulneráveis e desassistidas do município.

Não é a primeira vez que Rubens Bomtempo é prefeito de Petrópolis. Seu primeiro mandato ocorreu de 2001 a 2008, tendo ora sido eleito pelo PDT, ora pelo PSB, seu atual partido onde é nome forte. Nas eleições de 2008, foi sucedido pelo então petista e ex-dirigente sindical bancário, Paulo Mustrangi, o qual terminou seu mandato derrotado novamente por Bomtempo, nas eleições de 2012. Em 2016, Bernardo Rossi (PMDB) derrotou Bomtempo, tornando-se prefeito até 2020. Mais uma vez, Rubens Bomtempo se elegeu prefeito tendo, desta vez, Mustrangi, já em novo partido (Solidariedade), como vice-prefeito. Ou seja, estamos diante de uma tragédia social cujos articuladores políticos conhecem por dentro as realidades petropolitanas há mais de 20 anos. Qualquer justificativa que torne irrelevante a inação por parte de quem ocupou a prefeitura petropolitana, escamoteia responsabilidades e culpabiliza a natureza que apenas é reflexo do modelo econômico que a burguesia nacional gere há séculos.

Não distante desse problema secular, vem à baila um elemento inusitado: a “taxa do príncipe”. O legado da presença da família imperial junto à Região Serrana fluminense, deixou um insólito imposto como marca de suas posses. Em negociações de imóveis, há a cobrança do laudêmio. Todas as transações de terras na região do que era a Fazenda do Córrego Seco, pertencentes a D. Pedro II, demandam a cobrança de 2,5% do total para herdeiras e herdeiros monarcas. Nas redes sociais e em alguns debates, o deputado federal Marcelo Freixo, do mesmo partido do prefeito Bomtempo, tem chamado a atenção para que essa “taxa do príncipe” seja redirecionada à prevenção de desastres sociais originários da emergência climática. De fato, a ideia é uma reivindicação plausível, sobretudo, quando fica evidente não apenas o despreparo de quem governa Petrópolis há décadas, como também a letargia do governo fluminense e o genocídio em curso por conta de um presidente que ainda segue tornando a pandemia da COVID-19 irrelevante. Os recursos para promoção dessas iniciativas que reassentem famílias, que estabeleça proteção de taludes, elaboração de barreiras, desassoreamento de rios e córregos, bem como a gestão de abrigos para emergências é muito bem-vindo, mas não deveria ser novidade. Sobretudo, na mais importante cidade serrana do Rio de Janeiro.

O que hoje passa também de uma forma não reflexiva é a exposição de vidas e histórias que são marcadas por um processo de degradação do meio ambiente, materializado, infelizmente, nos desmoronamentos, enchentes, lágrimas e mortes petropolitanas. Câmeras e microfones devassam a dor e a luta de uma população mais uma vez é exposta em seu sofrimento. Ao passo que para uma população comovida em sua solidariedade de classe deseja ter informações, as mesmas redes de comunicação relevam a promoção de campanhas de empresas e agentes que mobilizam a destruição da natureza, sendo engrenagem num ciclo vicioso que mercantiliza vidas em reconstrução e mortes anunciadas. Vamos sim chorar nossos mortos, vamos sim seguir em mobilização para doar e nos voluntariamos com nossas irmãs e irmãos de Petrópolis. Mas, é preciso repensar nosso projeto de sociedade, com um programa classista, ecossocialista e revolucionário:

  • Por políticas públicas de habitação, transporte, distribuição de alimentos e acolhimento em emergências!
  • Por uma política pública que garanta moradia em locais seguros. Combate à especulação imobiliária.
  • Medidas de prevenção contra enchentes e deslizamentos bancadas pela taxação dos ricos e grandes empresas. Pelo fim da cobrança da “taxa do príncipe”!
  • Combate às mudanças climáticas enfrentando os interesses do agronegócio, indústria de combustíveis fósseis, grandes empresas e todo esse sistema capitalista que coloca o lucro a cima da vida e do meio ambiente: por uma alternativa ecossocialista.
  • Combate ao racismo ambiental e estrutural, luta por uma sociedade socialista sem opressão e exploração.

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