Bachelet: Abstenção recorde
No último dia 15 de dezembro, os chilenos foram às urnas para o segundo turno das eleições presidenciais de 2013. O resultado final, entretanto, não surpreendeu a ninguém: a coalizão de centro-esquerda “Concertación”, da ex-presidente Michelle Bachelet, foi a grande vencedora.
Mas não há muitos motivos para Bachelet comemorar: essas eleições tiveram um índice de abstenção recorde. No primeiro turno, em 17 de novembro, mais de 51% dos eleitores não votaram. O número foi ainda maior no segundo turno: 59% dos eleitores preferiram ficar em casa. Dos cerca de 13,5 milhões de chilenos com direito ao voto, menos de seis milhões compareceram. Além disso, no primeiro turno, ainda houveram mais de cem mil votos brancos e nulos. Esses números indicam uma forte descrença no sistema político. Para a maior parte dos chilenos, nenhum dos candidatos na disputa o representa. Segundo uma pesquisa realizada nas vésperas das eleições de 2009, mais de 75% dos jovens não via sentido em votar.
Desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet, em 1990, a Concertación governou durante vinte anos com promessas de mudanças para a população mais pobre do país. Ao longo desse período, entretanto, a coalizão (formada pelo Partido Socialista, Partido Democrata, Democratas-Cristãos, entre outros) não fez nada além de manter e ampliar as políticas autoritárias e neoliberais implementadas durante o governo Pinochet. A repressão às lutas populares também foi intensa. A própria Michelle Bachelet, que foi presidente entre 2006 e 2010, chegou a aplicar até mesmo as leis “anti-terroristas”, utilizadas durante o regime militar na perseguição de opositores, para criminalizar as lutas dos indígenas!
A rejeição a essas traições foi tanta que, em 2009, o povo elegeu o direitista Sebastián Piñera como presidente. A ilusão com os conservadores foi breve, entretanto, e Piñera irá deixar o governo, no fim deste ano, como o presidente menos popular da história do Chile – sua rejeição é maior até mesmo que a de Pinochet.
Nova fase nas lutas
Se o povo não consegue enxergar alternativas nas urnas, ele irá lutar por seus direitos nas ruas. Em 2006, estudantes secundaristas realizaram uma série de mobilizações contra a precarização da educação. Entre as exigências, estavam o fim das taxas dos vestibulares, o passe livre para todos os estudantes e maiores investimentos públicos no ensino. O movimento estudantil conseguiu articular a ocupação de escolas em todo o país e até mesmo uma greve de um dia, junto com universitários e professores na capital, Santiago.
As lutas dos estudantes foi retomada em 2011. Os jovens secundaristas que participaram dos atos de 2006, agora, iniciaram as lutas dentro das universidades, novamente exigindo investimentos do governo na educação e ganhando o apoio da maior parte da população. Ao mesmo tempo, outras mobilizações foram tomando corpo em diversas regiões do Chile. Na Patagônia, no extremo-sul do país, ambientalistas se juntaram a lideranças locais nos protestos contra a usina hidrelétrica HidroAysén, que causaria impactos no meio-ambiente de toda a região. Ao longo de todo o período, os trabalhadores industriais também têm se envolvido em várias lutas por seus direitos, incluindo os operários da mineração de cobre, principal produto de exportação do país. Em setembro deste ano, os estivadores também entraram em greve por melhores salários e condições de trabalho, paralizando os portos do país por vários dias.
Assim, se os políticos tradicionais não os representam, os trabalhadores e a juventude do Chile vêm se unindo nas lutas para que suas vozes sejam ouvidas.
Uma alternativa socialista?
Um novo elemento surgiu na disputa das eleições de 2013: foi a aliança “Todos a La Moneda”, composta por diversos partidos de esquerda e movimentos sociais. A Socialismo Revolucionário, seção chilena do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores, também participou da coalizão. O Todos a La Moneda foi contruído democraticamente, nas ruas, em assembléias e comícios com a participação de estudantes e trabalhadores em todo o país. O movimento lançou a candidatura de Marcel Claude à presidência, com um programa que defende políticas sociais, meio-ambiente, nacionalização dos recursos naturais, os direitos das minorias e a integração latino-americana. Outra bandeira importante do movimento foi a elaboração de uma nova constituição, que seria escrita com a contribuição de movimentos populares.
O Todos a La Moneda, entretanto, não deve ser considerado como uma plataforma revolucionária. Apesar de seguir diversas idéias anti-capitalistas e contar com o apoio de várias correntes marxistas, o movimento vacila ao não defender abertamente um programa socialista para o Chile. Mesmo assim, a campanha de Marcel Claude recebeu o apoio de várias organizações sindicais e militantes socialistas – especialmente após o Partido Comunista do Chile ter debandado para o lado da Concertación. Também vale notar que o movimento foi capaz de tirar um bom segmento da juventude da apatia “anti-políticos” e “anti-partidos”.
Ainda que Claude tenha obtido apenas 185 mil votos (cerca de 3% do total), o Todos a La Moneda poderá ter um legado importante no futuro. Durante a campanha, nossos companheiros da Socialismo Revolucionário organizaram a Frente de Trabalhadores por Marcel Claude, um fórum que reuniu sindicalistas, militantes e outros grupos de ativistas. O objetivo da Frente era buscar apoio para a campanha junto a trabalhadores em luta e apontar a necessidade de ideias socialistas no Todos a La Moneda. Outras organizações de esquerda também atuaram de forma semelhante durante a campanha eleitoral. Em breve, essas iniciativas poderão ser retomadas para que seja criado um novo partido de massas, dos jovens, dos pobres e da classe trabalhadora para, aí sim, com um programa realmente socialista, propôr mudanças de verdade nas ruas e nas urnas.
Bons resultados para candidatos do CIT
Como parte da aliança Todos a La Moneda, a nossa organização-irmã Socialismo Revolucionário lançou seus candidatos próprios. Celso Calfullan, defensor dos direitos dos índios Mapuche, teve aproximadamente 16.500 votos para o legislativo no distrito de Santiago. Já o economista do sindicato dos bancários Patrício Guzman teve cerca de 13.000 votos para o Senado.