Cerco à Santa Cruz: “O capitalismo poderia ter sido superado”

No final da tarde, após as intensas discussões da Escola Latino-Americana do CIO, o SR entrevistou o militante da Alternativa Socialista Revolucionária da Bolívia Adam Ziemkowski. O grupo é jovem e atua em Cochabamba. Recentemente fizeram parte do comitê de defesa contra os ataques da direita e lutam pelo avanço do processo instaurado pelo movimento dos trabalhadores e indígenas contra o imperialismo e a burguesia boliviana.

Os jornais do Brasil noticiaram os eventos de setembro de 2008, no entanto, mostraram como um conflito regional, sem deixar claro o grau e quais eram os reais motivos do conflito. Você poderia nos dizer mais sobre de que se trataram esses conflitos?

Basicamente os eventos de setembro seguem os acontecimentos de agosto. Nesse mês, tivemos um referendo para reafirmar ou não os mandatos dos cargos executivos. Mais de 67% da população votou pela permanência de Evo Morales na presidência da Bolívia. Após uma semana da vitória de Evo, a direita iniciou uma tentativa de enfraquecer o governo e impedir que Evo usufruísse todo apoio expresso nas urnas para aprovar a nova constituição. A direita organizou manifestações e bloqueios na parte leste do país, numa clara tentativa de colocar o governo na defensiva. Se não me engano, no dia 10 de setembro essas ações se tornaram mais perigosas e radicalizadas, com a criação de uma coordenação de grupos armados de direita com o objetivo de ocupar os principais prédios estatais da região e também tentaram tomar o controle de alguns gasodutos. Em 12 de setembro, em resposta a isso, os camponeses do norte do país, de Pando, organizaram uma marcha. Essa marcha foi violentamente atacada por franco-atiradores da direita, que se esconderam na prefeitura de Pando. Hoje o prefeito está preso.

Após as ações da direita, que poderíamos caracterizar como uma tentativa de golpe de Estado, e especialmente pelo massacre com a morte de 20 camponeses, os trabalhadores pobres e camponeses organizaram manifestações de massa. A mais importante delas foi um cerco ao departamento de Santa Cruz, com dezenas de milhares de camponeses indígenas semi-armados e conscientes que deveriam ocupar as terras da oposição como reação às iniciativas da direita.

Qual foi a posição de Evo Morales?

A posição do Evo foi contraditória, ele apoiou as manifestações dos camponeses, pois havia um receio de que o seu governo perdesse controle da região, e de fato Evo, por alguns dias, perdeu o controle da parte oriental. Portanto, de um lado ele apoiou as mobilizações, pois eram as únicas forças que poderiam ajudá-lo a manter o controle sobre o território, mas de outro lado, ele, de forma desesperada, clamou por diálogo com a direita. No entanto, com as mobilizações dos camponeses, ficou claro que a direita não teria forças para manter seu movimento, e mesmo internacionalmente ela ficou isolada. O Brasil, por exemplo, repudiou a tomada de prédios públicos, Chile também, e obviamente a Vene­zuela condenou a tentativa e Chávez ameaçou usar seu exército para impedir um golpe. Portanto, a direita, ao mesmo tempo, queria e necessitava do diálogo.

Em que sentido podemos definir essa situação como revolucionária?

Nesse momento, com o movimento de camponeses indígenas cercando Santa Cruz, exigindo a ocupação das terras e das fábricas, nós acreditamos que com uma direção revolucionária para o movimento de camponeses e trabalhadores, o capitalismo poderia ter sido superado, as grandes propriedades e fábricas poderiam ter sido tomadas, e isso seria um primeiro passo para a revolução socialista na Bolívia.

Queria ressaltar que foi a primeira vez que eu vi jovens dirigentes, que organizam centenas de camponeses, reivindicando a tomada dos latifúndios e das fábricas. E esses jovens acreditavam que as principais direções do movimento, e do MAS também, estavam se organizando para isso.

Por que o movimento não foi bem sucedido?

Com a pressão dos camponeses, que estavam convencidos de que era necessário ocupar as terras e fábricas da oposição que planejava um golpe, as direções do movimento se radicalizaram no discurso. Mas temos que lembrar que essas direções estão muito ligadas ao MAS e a Evo, e queriam um diálogo como solução naquele momento. Pois a direção do MAS e dos movimentos camponeses têm uma política reformista.

Qual a relação entre os movimentos sociais e o governo do MAS?

A grande maioria dos camponeses indígenas e a esquerda em geral confia no MAS e em Evo, vê o governo com grande esperanças. Eu ainda não vejo um vácuo de direção no movimento. Mas isso são coisas que podem mudar rapidamente. Agora com a aprovação da nova constituição, as contradições entre as esperanças revolucionárias da grande maioria dos indígenas e trabalhadores e o caráter reformista do governo tendem a se acirrar. A pobreza da população, com os impactos da crise econômica, e a postura arrogante da direita organizada, devem colocar as direções reformistas do movimento e do governo cada vez mais em choque com a base do movimento. Portanto, no próximo período poderemos ver uma direção autônoma do movimento dos camponeses indígenas e trabalhadores, isso pode surgir até mesmo por dentro do MAS.  

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