Fora dos trilhos: Corrupção no transporte público evidencia um modelo privatista que põe o usuário em segundo plano

     Em julho deste ano, a grande imprensa falou pela primeira vez sobre o escândalo de corrupção envolvendo o Metrô de São Paulo e a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). Segundo as denúncias, várias empresas fabricantes de trens e equipamentos eletrônicos formaram um cartel para fraudar as licitações do transporte público na capital paulista. São elas: Siemens da Alemanha, Alstom da França, a canadense Bombardier, CAF da Espanha e a japonesa Mitsui, além da brasileira TTrans.  

     Essa quadrilha teria atuado em pelo menos seis licitações desde 1998, época do governo Mário Covas. Segundo as investigações, as companhias combinavam previamente os preços dos vencedores e dos perdedores nas concorrências para construção de novas linhas e compra de maquinário. Há também a denúncia de que as empresas mantinham um esquema de desvio de recursos públicos e pagamento de propinas a autoridades do governo do Estado e do alto escalão do PSDB. No total, o caso provocou um prejuízo de mais de R$577 milhões aos cofres públicos – o equivalente a mais de dez vezes a quantia movimentada no mensalão do PT.

     No dia 15 de agosto, a LSR participou de um ato de denúncia ao esquema, que reuniu mais de três mil pessoas no centro de São Paulo. A manifestação, convocada pelo Movimento Passe Livre (MPL), pelo Sindicato dos Metroviários e pela CSP-Conlutas, exigiu esclarecimentos e a abertura de uma CPI para investigar o caso.

Corrupção, propinas e superfaturamento

     Mas as irregularidades no transporte sobre trilhos não são exclusividade de São Paulo. O Metrô de Salvador, por exemplo, que está em construção desde 1999, é conhecido na cidade como um monumento à corrupção. O projeto inicial previa um sistema de quarenta quilômetros em duas linhas. Entretanto, o investimento foi todo gasto no primeiro trecho, de apenas seis quilômetros. A obra já consumiu mais de um bilhão de reais sem que nenhum trem tenha circulado pelo trajeto. Em 2009, o Tribunal de Contas da União (TCU) já havia encontrado irregularidades nas obras, incluindo indícios de fraude e superfaturamento. Em julho deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) iniciou novas investigações do consórcio responsável pelas obras, formado pelas construtoras Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, além da Siemens, já envolvida no caso de corrupção em São Paulo.

Privatizar o transporte não é a solução

     Além dos escândalos nos bastidores, os usuários de trens e metrô em nosso país enfrentam todos os dias grandes filas nas estações, passagens caras, vagões lotados, falhas técnicas constantes e malhas pouco extensas que não alcançam as regiões de maior demanda. Há quem defenda que a privatização é a solução para esses problemas: basta entregar os trilhos e os trens para a iniciativa privada e, de uma hora para outra, teremos transporte de qualidade. A realidade, entretanto, aponta justamente o contrário.

     Em São Paulo, a linha 4 do metrô, construída e operada pelo consórcio privado Via Amarela, teve suas obras iniciadas em 2004, com previsão de entrega completa em 2010. Hoje, nove anos depois do início da construção, a linha opera com apenas metade das estações previstas. Durante todo esse período, foram contabilizados diversos acidentes ao longo do trajeto. O mais grave foi em janeiro de 2007: durante a construção da estação Pinheiros, o desabamento de um túnel de acesso criou uma cratera de mais de oitenta metros de diâmetro, engolindo casas, carros, caminhões e um ônibus. Sete pessoas morreram no acidente e cerca de 230 moradores tiveram que deixar suas casas. Segundo o MPF, o Metrô teria permitido que o consórcio Via Amarela fizesse economias irregulares na obra, com o objetivo de aumentar os seus lucros, ignorando plenamente a segurança dos operários e dos moradores da cidade.

     No Rio de Janeiro, tanto o metrô quanto os trens de subúrbio foram privatizados em 1998. O metrô, que não tem novas linhas inauguradas desde 1981, tem a tarifa mais cara do país: R$3,20. Mesmo pagando tudo isso, o passageiro enfrenta problemas como superlotação em trens velhos e sem ar-condicionado (o que torna a viagem insuportável no verão), atrasos nas viagens e assaltos e arrastões nos trens e estações. O sistema de trens metropolitanos, operado pela concessionária SuperVia, tem problemas ainda maiores. A má conservação das composições causa quebras frequentes no meio dos trajetos, incluindo acidentes graves com descarrilamento dos trens. A superlotação é ainda maior do que no metrô, forçando muitas vezes os vagões a andar com as portas abertas. Mesmo com tod os esses problemas, o governo do Estado do Rio de Janeiro prorrogou a concessão da SuperVia por mais 25 anos, até 2048.

A questão do transporte foi o pontapé inicial de junho

     A atual jornada de movimentos populares reivindicando transporte público de qualidade tem antecedentes ainda em 2003, com a Revolta do Buzú, de Salvador. Em agosto daquele ano, foi anunciado um aumento da tarifa dos ônibus de R$1,30 para R$1,50. Milhares de manifestantes, principalmente jovens estudantes, fecharam as ruas em protestos ao longo de três semanas. Entre 2004 e 2012, outras manifestações ocorreram em diversas cidades do país, como São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Cuiabá, Rio Branco, Brasília, entre outras. Em muitos casos, essas mobilizações alcançaram seus objetivos de redução das passagens – caso de Florianópolis em 2004 e 2005, Vitória em 2006, Belém em 2011 e Natal em 2012.

     Em São Paulo, as manifestações tiveram início quando Prefeitura e Estado anunciaram o reajustes das tarifas de ônibus, metrô e trens de R$3,00 para R$3,20. Nos primeiros atos, nos dias 6, 7 e 11 de junho, os manifestantes enfrentaram pesada violência policial, com dezenas de feridos e detidos. Na quinta-feira da mesma semana, dia 13, os protestos se espalharam para mais cidades, como Natal, Porto Alegre, Teresina, Maceió, Fortaleza e Rio de Janeiro. Mesmo com as pautas das manifestações sendo modificadas e distorcidas, ao fim do mês, mais de cem cidades em todo o Brasil, entre elas São Paulo e Rio de Janeiro, já haviam reduzido as tarifas no transporte público.

O exemplo de Natal

     Em Natal, a luta pelo transporte de qualidade e pelo passe livre tem mantido vivo o espírito das manifestações. Os últimos meses foram intensos, com plenárias, ocupações, visitas a escolas, universidades e bairros e outras intervenções. A pressão popular conquistou, primeiro, a revogação do aumento das passagens. Depois, o projeto de lei do passe livre para estudantes foi protocolado na Câmara pela vereadora Amanda Gurgel (PSTU) e subscrito pelos vereadores Sandro Pimentel e Marcos Antônio (PSOL). O projeto foi aprovado, por unanimidade, na primeira e segunda sessão.

     Entretanto, o prefeito Carlos Eduardo Alves (PDT) vetou a proposta dos vereadores de esquerda e, por meio de diversos conluios com seus aliados na Câmara, conseguiu fazer passar o seu próprio projeto de lei. Esse “passe livre” do prefeito é uma grande decepção para a juventude, pois atende apenas aos estudantes da rede municipal (que não possui ensino médio), apenas nos dias letivos e com direito a só duas passagens diárias. Um projeto totalmente diferente do que o movimento reivindicava, com passe livre irrestrito para todos os estudantes da cidade.

     Na nossa avaliação, o movimento já é vitorioso por conseguir levar uma bandeira histórica para a Câmara dos Vereadores: a discussão sobre os transportes na cidade e o conflito entre os interesses dos empresários e da população – assunto que se manteve na mídia e na boca do povo por meses. Dessa luta, certamente, não saímos derrotados, e sim mais fortalecidos. Foi possível que os trabalhadores e a juventude de Natal descobrissem quem é a bancada do SETURN (Sindicato das Empresas de Transporte Urbano) na Câmara dos Vereadores. Esses, sim, saíram desgastados nessa história!

     Em 2013, a questão do transporte teve o poder de atrair as massas para as ruas, dando início às grandes mobilizações das jornadas de junho. Foi graças aos atos pela queda das tarifas que uma nova geração de lutadores (as) teve seu primeiro contato com as lutas populares. Mas a insatisfação popular não terminou com a revogação dos aumentos, as passagens continuam caras, o serviço continua ruim e superlotado. Em 2014, iremos presenciar lutas ainda maiores em todo o país, com protestos durante a Copa do Mundo, as eleições presidenciais e a reunião de cúpula dos BRICs em Fortaleza. Entretanto, para resistirmos à repressão, precisamos nos organizar desde já! A LSR, junto com outras organizações, defende a construção de um grande encontro dos movimentos de junho para discutirmos as lutas para o próximo período.

O que defendemos:
• Transporte de qualidade para toda a população!
• Tarifa zero nos transportes públicos!
• Estatização dos transportes, sob controle democrático dos trabalhadores e usuários!
• Um encontro nacional dos movimentos de junho, ainda no primeiro semestre!

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