Incertezas, luta social e esgotamento do “lulismo”!
O mês de junho marcou a explosão das contradições acumuladas em décadas de neoliberalismo no Brasil e mais especificamente do modelo “lulista” dos últimos dez anos. As bases econômicas, políticas e sociais do pacto de classes construído pelo PT nos últimos anos, para garantir os interesses do grande capital, começam a ruir a olhos vistos.
A combinação de turbulências econômicas, lutas de massas e divisões na cúpula governista podem colocar em risco a governabilidade e a reeleição de Dilma Rousseff em 2014.
Esgotamento do modelo
O fim da era de ouro das commodities, um dos pilares do modelo “lulista”, deixa a olho nu os limites da economia brasileira. A balança comercial brasileira registrou no primeiro semestre um déficit recorde, da ordem de 4,9 bilhões de dólares. A deterioração das contas externas brasileiras recoloca o país a mercê da vontade dos investidores externos.
O baixo crescimento e a redução do consumo e dos investimentos ameaçam outro pilar do “lulismo”: os baixos índices de desemprego. Se já não bastasse o fato de que os empregos gerados eram precários e de baixos salários, o que vemos hoje é uma desaceleração na criação de novos postos de trabalho e certo aumento do desemprego, incluindo demissões massivas em certos setores da economia.
A chiadeira dos ditos “mercados” com Dilma se baseia nos temores de que o governo, pressionado pelas ruas e diante das eleições de 2014, não consiga garantir um superávit primário à altura do apetite dos vampiros- credores da dívida.
Mesmo no auge das mobilizações de junho, Dilma fez questão de colocar a responsabilidade fiscal (leia-se: austeridade para garantir o pagamento da dívida aos especuladores) entre seus cinco pactos anunciados em rede nacional de TV. Além dos cortes já planejados e efetuados desde o início do ano, o governo anunciou cortes adicionais da ordem de 10 bilhões de reais. Isso totaliza cerca de 40 bilhões durante o ano.
A política de incentivos a certos setores da indústria, outra marca do “lulismo” não se mostra suficiente para reverter a crise na indústria e o baixo crescimento.
Dilma poderá terminar seu mandato como a presidenta com mais baixo crescimento das últimas duas décadas. Nesse cenário não há Copa do Mundo que possa recuperar a imagem do “Brasil grande” que Lula tanto se esforçou para inventar.
Base governista infiel
Se já não era muito leal antes, depois do “tsunami” de massas nas ruas e as más perspectivas econômicas, a base governista no Congresso transformou-se em uma geleia e custa cada vez mais caro mantê-la.
No primeiro semestre, Dilma deparou-se com a base parlamentar mais indisciplinada que um presidente já teve desde a retomada das eleições diretas para presidente em 1989 (FSP, 04/08/13). Com a pressão das ruas e o derretimento dos índices de apoio à presidenta, a situação ficou ainda mais perigosa para Dilma.
A infidelidade reflete o salve-se quem puder no Congresso nacional. Segundo a imprensa (Valor, 20/08/13), circulam no Congresso avaliações catastróficas para os atuais parlamentares. Segundo essas avaliações, o índice de renovação na Câmara dos Deputados nas eleições de 2014, por exemplo, pode chegar a superar o recorde das eleições de 1990, quando chegou a 61,82%. Isso significa que a maioria vai perder o cargo, escorraçados pela ira popular refletida nas urnas.
O repentino surto de “humildade” e a aparente conversão dos deputados e senadores à “causa das ruas”, com a aprovação de projetos supostamente alinhados com a vontade popular (passe livre para estudantes, o fim do voto secreto na cassação de mandatos, corrupção como crime hediondo, retirada da PEC 37, etc), não são definitivamente resultado da visita do Papa. Refletem a nova relação de forças sociais e políticas no país.
Reeleição ameaçada
Antes de junho, a reeleição de Dilma em 2014 estava garantida. Mesmo os problemas na economia não pareciam ameaçar uma nova vitória eleitoral. Hoje as incertezas nesse cenário são infinitamente maiores.
O governismo ainda é favorito, mas somente por causa da fragilidade dos adversários. O PSDB não tem o que oferecer às ruas e ainda carrega nas costas o mega-escândalo nas licitações do metrô de São Paulo.
Marina ameaça mais. Porém, mesmo na hipótese de que consiga legalizar seu “novo partido velho”, terá dificuldades em manter-se na ponta sem estrutura e com um discurso que cada vez mais se parece com a lengalenga tucano-petista.
Marina fica espremida entre tentar parecer algo novo e diferente e, de outro lado, buscar ganhar parcela da elite econômica e política para o seu lado. Suas declarações recentes a favor da repressão a certas manifestações de rua e em defesa da reforma neoliberal da previdência mostram sua verdadeira face.
Eduardo Campos fica na moita, mas não é carta fora do baralho. Apesar dos esforços pessoais de Lula em tentar demovê-lo, ele pode vir a ser um adversário perigoso ao projeto lulo-petista. Ainda assim, seu projeto é mais de longo prazo.
No novo cenário pós-junho, a reeleição de Dilma precisa ser desafiada por uma alternativa que se coloque claramente no campo das lutas de massas e incorpore a radicalidade e a força das mobilizações. Dessa forma, qualquer que seja o governo eleito, terá que se deparar desde o início com uma clara alternativa social e política de esquerda em processo de gestação e com grandes possibilidades de crescimento.
Se o PSOL, em seu Congresso no final do ano, conseguir assumir um perfil, um programa e uma prática coerente com a voz das ruas e garantir a construção de uma Frente de Esquerda (com PSTU, PCB e movimentos sociais combativos), poderá ser um fator relevante no cenário de 2014.
Há espaço à esquerda. O que falta é quem esteja à altura de ocupá-lo. Construir essa alternativa no novo contexto criado a partir das lutas de junho é a tarefa mais importante para os socialistas.