Quando o fundamentalismo religioso é só uma pequena parte do problema

Nada é impossível de mudar
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.
Bertold Brecht

O fim da ditadura civil-militar, em 1985, representou um ganho histórico para os trabalhadores, afinal, foi uma conquista escrita a sangue dos que resistiram e lutaram por liberdade. No entanto, apesar desta vitória parcial é importante atentarmos aos limites desta mesma democracia. O fenômeno Marco Feliciano ao ascender ao posto de Presidente da Comissão de Direitos Humanos expressa o quanto nossa sociedade ainda se mantém acorrentada ao conservadorismo, ainda que sob as regras do regime eleitoral presidencialista.

Os limites da democracia eram bem nítidos desde a Proclamação da República, em 1889, ou seja, trabalhadores, mulheres e a população negra eram tidos como um estrato social a ser controlado, punido e vigiado. De lá pra cá muitos foram os avanços na área de direitos civis tais como o direito de voto feminino e a criminalização do racismo. Mas é importante que se perceba que a marca da intolerância aos direitos humanos ainda não foi superada. Ainda carregamos o peso do colonialismo e escravidão em nossos ombros. Marco Feliciano, portanto, é só um eloquente lembrete histórico de nosso atraso.

Quando negros eram criminalizados por exercerem sua cultura em rodas de samba ou capoeira, no exercício de suas religiões de matriz africana, no início do século XX, esta intolerância se ancorava no pensamento conservador. Hoje, quando nos deparamos com as atrocidades ditas por Marco Feliciano, temos que ter em mente o quanto há uma continuidade histórica entre o que ele diz atualmente e este legado de opressão no Brasil.

É importante lembrar que não podemos generalizar. Ser evangélico ou católico não é sinônimo de ser intolerante. Temos vários casos históricos de pessoas que foram fundamentais para a luta por direitos civis que professavam a fé cristã como Martin Luther King e Frei Tito. Mesmo numa conjuntura, em que a bancada evangélica é orientada pelo profundo conservadorismo e tem os holofotes da grande mídia, temos saudáveis iniciativas de igrejas evangélicas, como as que se organizam no movimento Rede Fale, que se opõem a indicação de Marco Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos. Infelizmente ainda é muito pouco. É assustador o quanto alguns pastores possuem poder para assumir a dianteira na organização de ações políticas que fortalecem o fundamentalismo religioso, atacando os direitos civis conquistados e aqueles que estavam em vias de ser conquistados.

Mas o problema tem raiz mais profunda e, o que parece pontual, na verdade é a regra. Hoje temos Marco Feliciano, um homofóbico e racista na Comissão de Direitos Humanos, mas temos outros expoentes do absurdo: Blairo Maggi (PR), um latifundiário na Comissão de Meio Ambiente, que recebeu o prêmio Motosserra de Ouro por destruir o meio ambiente para construir seu império da soja e Gabriel Chalita (PMDB), suspeito de desviar verba da educação, agora presidente da Comissão de Educação.

Estes disparates revelam a agudeza do problema, que expõe as bases do projeto de poder da coalizão petista e dos seus opositores de ocasião (DEM e PSDB). Na verdade, temos uma situação que coloca os direitos sociais como algo menor, sem valor, que deve estar a serviço do fisiologismo político e dos interesses privados, do grande empresariado. O movimento LGBTT deu importante exemplo para a sociedade de que nossos direitos só podem ser de fato conquistados quando vamos para a rua. É importante que nos mobilizemos contra todos os absurdos revelados em todas estas comissões.

Querem caçar o direito dos seres humanos amar livremente, querem mercantilizar a terra e a educação para a alegria dos empresários. Nosso mandato se alinha à luta dos movimentos sociais que não se calam perante o pragmatismo político e o ataque aos direitos humanos. Nossa presidência na Comissão de Direitos Humanos na Câmara de Vereadores de Niterói é pautada pela defesa intransigente dos direitos dos trabalhadores, mulheres, negros LGBTTs e todos aqueles que são oprimidos. Por isso: fora Marco Feliciano, fora Blairo Maggi, fora Gabriel Chalita e fora todos aqueles que não representam a luta do povo oprimido.