Carnaval e conflito agrário: o que esses diferentes temas têm em comum em 2013?
Os movimentos sociais do campo e suas federações (não em sua totalidade) que têm apoiado o governo Dilma, não podem mais esconder a ausência da reforma agrária no Brasil, nem os mais pessimistas poderiam prever esse cenário de retrocesso. Essa situação cria a possibilidade de aumento das mobilizações dos descontentes com as políticas do governo. Apesar disso, o que mais chamou a atenção de parte da mídia neste início de 2013, não foram as novas ocupações de terra, foram os assassinatos de lideranças sem terra e um debate interessante que surgiu no carnaval.
A Escola de Samba Vila Isabel, vencedora do carnaval do Rio de Janeiro de 2013, foi criticada por diversos movimentos sociais do campo membros da campanha permanente contra os agrotóxicos e pela vida, em carta à Vila Isabel, por ter recebido patrocínio da empresa transnacional BASF (fabricante de agrotóxicos e representante dos interesses do agronegócio). A BASF tem interesses opostos aos do “homem simples do campo” retratado na letra do samba-enredo “Brasil celeiro do mundo – ‘Água no feijão que chegou mais um…” elogiado pela mesma carta dos movimentos sociais.
O apoio da BASF ao enredo foi para construir uma falsa idéia de que não existe conflito de projetos no campo. Concordando com artigo de José Coutinho Júnior, publicado na Página do MST em 01/02/2013:
“(…) A contradição que se vê no desfile da Vila Isabel é a mesma que está presente no campo brasileiro: de um lado, o agronegócio, defensor da monocultura e do latifúndio com vasto uso de agrotóxicos; do outro, os movimentos sociais, os assentados, os Sem Terra, que buscam implantar a agricultura familiar com um modelo de produção mais igualitário e saudável. O Censo Agropecuário do IBGE de 2006 mostra que a agricultura familiar é responsável por 70% do alimento que chega à mesa dos brasileiros, mesmo ocupando apenas 25% das áreas agricultáveis. Apesar de receber 14% do crédito dado pelo governo à produção agrícola, a agricultura familiar emprega nove vezes mais pessoas por área e ainda é responsável por um terço das exportações agropecuárias do país. O agronegócio, que recebe os outros 86% do crédito, concentra 75% das terras, mas produz apenas 30% dos alimentos que compõem a alimentação da população, empregando somente 1,5 trabalhadores a cada 100 hectares. (…)”
O conflito de projetos no campo no Brasil é tão explícito que leva a morte dos militantes dos movimentos sociais do campo, por exemplo, em 2013 completa os oito anos da morte da irmã estadunidense Dorothy Stang, que tinha 73 anos e era reconhecida como uma defensora da reforma agrária e estimuladora da luta dos pequenos agricultores de Anapu no Pará, mas que acabou assassinada a mando de grileiros e madeireiros.
Líderes sem-terra assassinados
No dia 26 de janeiro de 2013, Cícero Guedes dos Santos, de 48 anos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) em Campos dos Goytacazes no Rio de Janeiro, foi assassinado com mais de dez tiros em uma estrada de terra na região. O funcionário público José Renato Gomes de Abreu, de 45 anos, foi preso em 1º de fevereiro, acusado pelo assassinato da liderança. A Polícia Civil nas investigações preliminares informou que ele pretendia assumir a liderança do assentamento, com apoio de traficantes que atuam nas imediações.
Onze dias após a execução de Cícero, Regina dos Santos Pinho produtora rural de 56 anos, militante do MST e da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Campos dos Goytacazes, também foi assassinada. Regina e Cícero eram muito próximos e ambos eram referências em agroecologia no assentamento Zumbi do Palmares. Regina foi encontrada em sua residência com um lenço vermelho amarrado no pescoço e seminua. As investigações preliminares da polícia apontam duas possibilidades: se tratar de crime de violência sexual ou se tratar de morte motivada por disputa pela terra.
O ano passado foi marcado por diversas ameaças que muitas vezes acabaram em morte. Jagunços do agronegócio não pouparam nenhum setor, foram assentados, pequenos agricultores, líderes de movimentos sociais, quilombolas e indígenas, mas notoriamente os guarani-kaiowá que ainda vivem situação de fragilidade mesmo após a terra ser demarcada. Os assassinatos ocorreram não só em disputas por terra, mas também em questões ambientais e conflitos pela água. Segundo balanço parcial da Comissão Pastoral da Terra, o número de assassinatos em conflitos no campo em 2012 foi de 29 pessoas em todo o Brasil.
O conflito de terras no Brasil não pode mais ser escondido, as mortes continuam acontecendo e a reforma agrária esta cada vez mais distante do governo Dilma, que tem ligações estratégicas com a burguesia do agronegócio, através da política de exportação de produtos primários (principalmente para China). A redução do crescimento econômico da China em 2012 atingiu o risório crescimento econômico do Brasil em 2012.
Por tudo isso, percebemos que o modelo prioritário de plantation para exportação (grande propriedade, monocultura e agrotóxicos poluentes), adotado por Dilma não é o melhor modelo para construir uma sociedade auto-sustentável ecologicamente e justa socialmente, pois é a produção agrária dos pequenos produtores que garante os alimentos saudáveis na mesa dos trabalhadores brasileiros.
A reforma agrária é um elemento fundamental do programa de transição no Brasil, pois será através das ocupações de terra que se dará um dos primeiros passos necessários para construirmos um processo de transformações radicais, que destrua o sistema capitalista excludente abrindo as possibilidades para uma sociedade socialista.