África do Sul: massacre de mineiros desmascara o regime do CNA

O massacre dos mineiros de Marikana no dia 16 de agosto, quando a polícia sul-africana assassinou 34 grevistas, marca um ponto de inflexão na história do país. Foi o pior massacre desde o fim do “apartheid” em 1994, a política de segregação racial que garantia a dominação de uma pequena elite branca e rica no país.

Depois de 18 anos desde as primeiras eleições onde a maioria negra pela primeira vez pudesse votar, está ficando claro que para além de uma pequena elite negra, que hoje divide o poder econômico e político no país, para a grande maioria da população trabalhadora, pouco mudou no seu dia a dia.

Desde o fim do apartheid, o antigo movimento de libertação nacional, o Congresso Nacional Africano, tem dominado totalmente o cenário político, garantindo mais de 60 % dos votos, em uma aliança tripartite com o partido comunista (SACP) e a central sindical Cosatu.

O CNA adotou 1955 a “carta de liberdade”, que refletia a vontade dos trabalhadores de ver uma verdadeira mudança revolucionária no país. A carta colocava: “A riqueza nacional do nosso país, herança de todos sul-africanos, deve ser devolvido ao povo, a riqueza mineral debaixo da terra, os bancos e os monopólios industriais serão transferidos para a posse do povo como um todo”.

O sindicato dos mineiros, NUM, fundado em 1982, foi uma das principais forças por trás da construção da central sindical Cosatu, que coordenou a luta contra o apartheid, com várias greves gerais nos anos 80. A Cosatu foi fundada em 1985 e em 1987 adotou a carta sob a bandeira “socialismo significa liberdade”.

Fim do apartheid – mas não da exploração

Mas essas organizações passaram por uma transformação total, com a sua direção traindo toda a luta. A elite branca entendia que seria impossível manter o apartheid, já que a população negra crescia mais rapidamente e a luta dos trabalhadores colocava o sistema capitalista em risco. Com a queda do stalinismo, que resultou num giro a direita dos antigos líderes (com um papel destacado para o partido “comunista”), o governo da elite branca viu a chance de fazer uma transição negociada que não colocaria o sistema econômico em risco.

Aceitariam perder o controle direto do sistema político, o preço para manter suas riquezas. Ao mesmo tempo foi implementada uma política de incentivo à criação de uma elite capitalista negra, que usufruiu da política de privatizações e de novas concessões para explorar minérios, que seriam reservadas para empresas “negras”.

Antigos líderes sindicais se tornaram capitalistas. O primeiro líder do NUM, Cyril Ramaphosa, que também era um dos principais líderes do CNA, se tornou um grande capitalista e o segundo negro mais rico do país. O negro mais rico (e o quarto mais rico no país), o bilionário Patrice Motsepe, também tem relações próximas com a Cosatu. Ele é o maior patrocinador da Cosatu.

O NUM se tornou cada vez mais agentes dos interesses dos patrões das minas e o sindicato, apesar de ainda ser forte, vem perdendo força.

CNA implementando a cartilha neoliberal

O governo do CNA adotou totalmente a cartilha neoliberal, privatizando serviços de água e eletricidade. Isso levou no ano de 2000 a maior epidemia de cólera na história do país, quando as pessoas não tinham como pagar pela água e começaram a usar água dos rios e açudes.

Uma grande greve do setor público em 2007 preparou o caminho para a queda do então presidente do CNA e do país, Thabo Mbeki, que foi sucedido por Jacob Zuma. Isso levou a uma ruptura à direita do CNA. Uma nova greve do setor público de 2010 mostrou o caráter anti-trabalhador do governo Zuma. Os grevistas foram denunciados como bandidos e até assassinos e o governo ameaçou de banir greves em grande parte do setor público.

Pressionado pela base, a Cosatu convocou uma greve geral no dia 7 de março desse ano, a primeira geral em mais de uma década. Apesar de uma mobilização fraca, 200 mil pessoas participaram em atos pelo país.

As principais reivindicações eram contra as terceirizações e contra a privatização de rodovias e pedágios. Cerca de 30% dos trabalhadores no país são terceirizados ou com contratos precários, normalmente recebendo somente um terço dos trabalhadores com emprego fixo. O desemprego oficial está em 25%, mas o número real é muito maior.

Há uma ira generalizada contra os ataques aos padrões de vida dos trabalhadores e a corrupção. África do Sul costuma se qualificar como o país mais desigual do planeta. A metade mais pobre fica com somente 8% da renda nacional.

Quando em julho desse ano um acordo salarial de três anos no setor público foi assinado, o governo achava que tinha conseguido obter calma no front sindical – um engano.

Os mineiros sul-africanos, como a maioria dos trabalhadores, vivem em condições extremamente precárias. Trabalham 8 horas por dia no subsolo sem ver a luz do dia, morando em favelas sem eletricidade, água ou luz.

África do Sul é rica em minérios e as minas garantem a metade da renda das exportações no país. A economia sul-africana foi duramente afetada com a queda dos preços de minérios causada pela crise internacional. A crise no setor automobilístico atingiu as minas de platina, um minério usado nos catalizadores dos carros. 80% das reservas de platina do mundo estão na África do Sul.

A greve e o massacre

No dia 10 de agosto os mineiros da Lonmin, a terceira maior produtora de platina do mundo, entraram em greve, contra a vontade do NUM, exigindo um aumento de salário para todos, dos miseráveis 4 mil rands (950 reais), para 12,5 mil rands.

A direção do NUM achava a reinvindicação não era “razoável”, ao mesmo tempo que o secretário geral do sindicato, Frans Baleni, tem um salário mensal de 105 mil rands (25 mil reais)!

Os líderes do NUM tentaram por um fim à greve. Quando os trabalhadores mandaram no dia seguinte uma delegação para a sede local do sindicato, que fica ao lado da delegacia policial, eles foram recebidos a bala e dois trabalhadores morreram. Nos conflitos seguintes morreram mais quatro trabalhadores, dois seguranças da empresa e dois policiais.

Não se sentindo seguros na mina os trabalhadores então buscaram refúgio no morro de Wonderkop, perto do local. Foi lá que ocorreu o massacre no dia 16 de agosto. Todas as evidências apontam que o massacre foi premeditado, e só poderia ter sido realizado com o aval do governo. O que estava em jogo era o fato que os trabalhadores estavam desafiando toda a estrutura de divisão de poder montada após o desmantelamento do apartheid, que garantia o sistema capitalista. Não é a toa que a mídia saiu em defesa do NUM após o massacre, denunciando os grevistas.

Cerca de 3 mil policiais da tropa de elite sul-africana, com helicópteros e carros blindados (os caveirões utilizados pelo BOPE no Rio são de origem sul-africana), cercaram os trabalhadores com arame farpado. Deixaram somente uma pequena brecha, atirando do lado de trás forçando os trabalhadores a tentarem fugir pela brecha, onde foram fuzilados. A versão policial foi que foram “atacados”, mas foi provado que a maioria levou tiros nas costas. Até mesmo o inquérito oficial mostra que a polícia plantou armas entres os mortos.

O massacre gerou uma onda de choque pelo país. 34 morreram, 78 foram hospitalizados e 270 presos. Para agravar a situação, a promotoria nacional abriu um processo contra os mineiros presos, os acusando de assassinato, se utilizando da mesma lei que se usava para criminalizar os protestos, a lei “responsabilidade coletiva”. Os mineiros, por participarem no protesto, seriam culpados coletivamente de assassinar seus colegas! O governo teve que intervir contra esse absurdo, que ameaçava levar a uma explosão social.

DSM contribuindo para a luta

Apesar do massacre, os trabalhadores continuaram sua greve. O Movimento Socialista Democrático (DSM, a seção do CIT na África do Sul), que já tinha um grupo organizado na região, estava presente na greve, prestando apoio. Os grevistas nos convidaram para ajudar a construir o comitê de greve. O DSM colocou a necessidade de construir apoio na comunidade, levantar a necessidade de um comitê de greve da região para unir os trabalhadores independentemente dos sindicatos que pertenciam, numa estrutura democrática para controlar a greve, rumo de um comitê nacional, já que mineiros em outras minas também começaram a entrar em greve.

O DSM também levantava a necessidade de organizar uma greve geral local, unindo os trabalhadores das minas, defendendo o salário de 12,5 mil rands para todos os mineiros, junto com a comunidade, exigindo melhores condições de vida e justiça para os trabalhadores assassinados, rumo a uma greve geral nacional.

A greve do Lonmin acabou após 6 semanas. No dia 18 de setembro os trabalhadores votaram para aceitar o aumento de 22% e 2 mil rands em compensações dos dias parados. Apesar de ser longe do que exigiam, o aumento foi visto como uma vitória, e inspirou outros a lutarem. Cerca de 100 mil mineiros em diferentes regiões saíram em greve. Trabalhadores de várias minas entraram em contato com o Comitê de greve de Rustenburg, onde fica a mina de Marikana, para formar um comitê nacional de greve.

No dia 13 de outubro, 120 mineiros representando comitês de greve de diferentes minas formaram o Comitê de Coordenação Nacional de Greve. A reunião foi presidida pelo Mametlwe Sebei do DSM. Alec Thraves trouxe uma saudação do Partido Socialista e do CIT. O CIT, presente em 45 países, lançou uma campanha internacional em apoio à luta dos mineiros.

Por uma alternativa política ao movimento

A luta dos mineiros continuam, e também a repressão. Há um acordo no Comitê da necessidade de continuar lutando mesmo quando a greve acabar para reconstruir um movimento sindical democrático e combativo.

O descontentamento com o presidente Zuma está crescendo. O fato dele estar usando dinheiro público para uma reforma de luxo uma de suas quatro residências está tendo grande repercussão. A residência está sendo equipada com heliporto, bunkers subterrâneos, móveis de luxo e duas quadras de futebol para os seguranças – ao custo de 48 milhões de reais!

O congresso do CNA vai ocorrer em dezembro e Zuma pode ser desafiado por seu vice, Kgalema Motlanthe, numa disputa puramente pelo poder e pela fortuna que ele trás.

Mas o mais importante será a movimentação na base dos trabalhadores. O DSM levanta a necessidade de construir uma ferramenta política dos trabalhadores, dado a bancarrota do CNA. A proposta tem respaldo entre os mineiros em greve, que reconhecem que o governo do CNA defende os interesses dos patrões, mas também em várias outras categorias e sindicatos.

Apoie a luta dos mineiros!

O Comitê de greve dos mineiros faz um apelo aos sindicalistas no mundo inteiro por apoio financeiro. Leve esse apelo ao seu sindicato. Doação, de qualquer valor, podem ser depositadas nessa conta:

 

Bank (banco): Standard Bank, South Africa

Account Name (nome da conta): Workers Defence Fund

Account Number (número da conta): 300495986

Branch (agência): East Gate

Branch Code (número da agência): 018 505

Swift Code (cógido swift): SBZAZAJJ

 

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