Escola de verão do CIT: o papel da classe trabalhadora na revolução do mundo neocolonial
Revoluções árabes, Sri Lanka, Argélia, Brasil… lições da história e das lutas de hoje
Na semana passada, cerca de 400 pessoas compareceram à Escola de Verão anual do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT) na Bélgica, de toda a Europa, incluindo a Rússia. Havia visitantes do Cazaquistão, Brasil, EUA, Canadá, Quebec, Austrália, Sri Lanka, Nigéria, Líbano, Malásia etc.
O papel da classe trabalhadora na revolução do mundo neocolonial foi o tópico do encontro da penúltima noite da Escola de Verão do CIT. Junto com Peter Taaffe, do Secretariado Internacional do CIT, os camaradas ouviram oradores do Sri Lanka, Brasil e Tunísia falaram sobre as principais lições da luta contra o capitalismo e o imperialismo no mundo neocolonial. A classe trabalhadora tem um papel dirigente a jogar nesta luta, aliando-se e liderando os outros setores oprimidos na luta por uma sociedade verdadeiramente democrática e socialista.
Um curta-metragem abriu o encontro e Clare Doyle do Secretariado Internacional introduziu os oradores. O camarada Gaz do CIT da Tunísia foi o primeiro. Ele falou sobre a natureza e o desenvolvimento da revolução na Tunísia. Como muitos países neocoloniais, o capitalismo foi imposto de cima por meio de uma colaboração do imperialismo com a monarquia, ilustrando a fraqueza do capitalismo tunisiano. Contudo, apesar do colonialismo, houve industrialização e foi “o bloco operário progressista” que jogou o papel principal na luta contra o imperialismo francês.
A Tunísia foi o primeiro país no mundo muçulmano e árabe a ter um m0vimento sindical. Embora o movimento anticolonial tunisiano tenha jogado o papel central na luta contra o imperialismo, ele se recusou a tomar o lado dos nazistas durante a 2ª Guerra Mundial, diferente de alguns outros movimentos nacionalistas do mundo árabe. Foi a classe trabalhadora, através de suas organizações sindicais, que iria também jogar o papel principal na defesa dos direitos das mulheres. Por exemplo, as mulheres receberiam o direito de votar em 1943, por causa das lutas do movimento dos trabalhadores organizado. Apesar da tentativa da classe dirigente tunisiana de passar uma outra ideia, todos os ganhos das mulheres na Tunísia foram conquistados pela classe trabalhadora, a arquiteta do movimento sindical e feminino na Tunísia.
Nos anos 1980, o movimento dos trabalhadores agiu como um muro de resistência contra as políticas neoliberais do Fundo Monetário Internacional. É por isso que o imperialismo apoiou a ditadura de Ben Ali. A classe trabalhadora se vingou com a derrubada do regime em janeiro de 2011. Hoje, a classe trabalhadora está se organizando. Uma camada mais militante de ativistas está alcançando a direção dos sindicatos. Eles também estão começando a resistir à falta de verdadeira democracia na Tunísia. Os prefeitos locais estão sendo impostos pelo governo, ao invés de serem eleitos.
Se ocorresse uma greve geral, isso teria um enorme significado em um país como a Tunísia, pelo modo como as greves gerais foram reprimidas brutalmente no passado. Uma greve geral teria que estar ligada à criação de comitês de defesa do movimento dos trabalhadores. Infelizmente, a maioria da esquerda está orientada para as instituições burguesas. Os comitês de defesa seriam a principal arena de trabalho para desenvolver um verdadeiro debate entre a classe trabalhadora.
Gaz pontuou que havia um elo orgânico entre esses comitês e o objetivo de criar um governo dos trabalhadores na Tunísia. Ele terminou saudando o papel jogado pela classe trabalhadora tunisiana em sua corajosa luta contra o imperialismo e o capitalismo na região.
A camarada Isabel abriu sua contribuição pontuando os verdadeiros ganhos dos trabalhadores no Brasil durante o recente boom econômico. Pela primeira vez, o setor mais pobre do Brasil pôde comprar computadores e as pessoas em geral viram um aumento real em seus padrões de vida. Diferente da Grécia e Espanha, os trabalhadores não podem dizer que estão piores que seus pais. Mas esse ainda é apenas um lado da história do “milagre econômico” do Brasil.
Isabel explicou como esse boom surgiu. Houve um enorme boom de exportações de mercadorias para a China e de crédito barato, que ajudou a abastecer uma economia de crescimento do consumo. Contudo, essas políticas provaram ser insustentáveis. Nestes anos, houve um solapamento fundamental da base industrial do Brasil por causa das importações baratas da China. O boom de commodities, na verdade, reforçou o tradicional status neocolonial. Muitas famílias contraíram enormes dívidas por causa do crédito barato.
O Brasil é a sexta economia mundial, mas a 12ª mais desigual. É um país onde o moderno e o atrasado estão presentes no processo de acumulação capitalista e é a classe trabalhadora que paga o preço disso. O boom irá realçar essa contradição.
Isso foi mostrado pelo recente desenvolvimento de projetos de infraestrutura, onde se tem um processo de “chinezação” no que concerne aos direitos e condições dos trabalhadores. Com os grandes projetos de construção executados em preparação para as Olimpíadas e a Copa Mundial, famílias inteiras estão enfrentando remoções forçadas. Essas condições resultaram em toda uma série de lutas eclodindo por todo o país.
Os trabalhadores do setor público entraram em greve. Atualmente, 95% das universidades federais estão em greve, refletindo a precária situação de trabalhadores e estudantes. Isabel relatou como, por exemplo, estudantes eram obrigados a ter suas aulas em igrejas. Em um campus, o teto de um prédio caiu. Por todo o Brasil houve manifestações e ocupações por parte dos trabalhadores dos transportes públicos, construção e administrativos.
Há agora um verdadeiro desafio para superar a fragmentação dessas lutas. É por isso que o CIT está participando da CSP-Conlutas, a central sindical radical, e do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade). Este é um partido de esquerda ampla, no qual estão organizadas diversas tendências. Como muitas novas formações de esquerda, seu futuro está muito incerto. Algumas das tendências estão girando para a direita, enquanto outras estão girando para a esquerda.
O CIT continuou coerente na sua defesa do programa socialista da fundação do PSOL. Nas próximas eleições os camaradas do CIT concorrerão a prefeito em uma cidade, além de candidaturas a vereador.
Sri Lanka
O camarada Waruna, do Partido Socialista Linha de Frente (FSP) falou sobre a luta contra o capitalismo atrasado e apodrecido que existe no Sri Lanka. O FSP surgiu como uma ruptura do JVP.
Waruna explicou como o Sri Lanka é governado pelo regime corrupto e ditatorial de Rajapakse. Ele disse que escutou os camaradas do CIT na escola, nos últimos dias, falando sobre a implementação da austeridade em seus respectivos países. Mas, nos últimos 50 anos, o Sri Lanka tem sofrido de uma permanente austeridade por causa da dominação imperialista do país.
A atitude da classe capitalista a nível internacional a essa crise pode ser resumido, disse Waruna, nas palavras do presidente Mao: “Tudo sob o céu desabou, mas foi um belo dia!” Eles na verdade estão ignorando a gravidade da crise do seu sistema. Hoje, o capitalismo está em crise, do Sri Lanka à Europa.
Ele explicou que o Sri Lanka tem uma tradição de resistência. Havia um partido trotskista de massas no país, mas infelizmente ele se tornou uma organização reformista. O JVP surgiu em parte como um resultado disso. Hoje, uma nova geração está começando a lutar contra o capitalismo no norte e no sul do Sri Lanka. Nas próximas duas décadas haverá uma revolução.
Um mundo em crise
Peter Taaffe, Secretário do Partido Socialista (Inglaterra e Gales) e membro do Secretariado Internacional do CIT, abriu sua contribuição dizendo que um dos principais temas da Escola foi o de que estamos vivendo a pior crise econômica desde os anos 1930. Recentemente, o presidente do Banco da Inglaterra, Mervyn King, declarou que essa é a pior crise de todas e que nós só passamos por metade dela.
Outro tema principal foi o movimento sem paralelo da classe trabalhadora no Norte da África e no mundo árabe e em outros países, como a Grécia. O poder potencial que a classe trabalhadora possui nem sempre tem sido reconhecida mesmo por outras forças trotskistas e marxistas fora do CIT. Esse tem sido especialmente o caso no período posterior à II Guerra Mundial, quando houve um período de crescimento sem precedentes e a revolta dos “escravos coloniais” da África, Ásia e América Latina.
Muitos desses movimentos, como os da Argélia, China, Cuba e Vietnã, não foram movimentos clássicos da classe trabalhadora, como a que ocorreu na Revolução Russa. Ao contrário, foram baseados nos métodos da guerra de guerrilhas e no campesinato rural. A exceção foi o Sri Lanka, onde o Lanka Sama Samaja Party (LSSP) jogou um papel central na luta contra o imperialismo e foi um partido trotskista de massas. Peter contou que nos anos 1970 era comum ver 10 mil trabalhadores em camisas vermelhas marchando atrás da bandeira do LSSP. Infelizmente, naquela etapa, ele já estava comprometido com o “coalizicionismo”, o que, por sua vez, permitiu que o JVP surgisse como um partido da revolta rural.
Revolução Argelina
A reunião também foi uma celebração do 50º aniversário da vitória da FLN (a Frente de Libertação Nacional) na Argélia contra o imperialismo francês. Foi uma guerra que resultaria nas mortes de 1,5 milhão de civis. A luta por libertação nacional durou de 1954 a 1962 e testemunhou a vitória de 40 mil guerrilheiros contra 600 mil soldados franceses. Os argelinos que viviam na França mostrariam um enorme autossacrificio em apoio à luta de independência, já que muitos enviavam 50% da sua renda para financiar a luta de libertação nacional.
Apesar de entender que era um movimento nacionalista burguês, a FLN foi apoiada pelos antecessores do CIT, que acreditavam que uma vitória de sua luta iria enfraquecer o imperialismo francês. Esse apoio não foi apenas verbal, mas teve uma dimensão prática também. Camaradas que eram engenheiros por profissão foram para a Argélia ajudar a luta, por exemplo, cortando as cercas em torno de sua fronteira com o Marrocos.
Esse apoio contrastou com o papel dos antecessores de alguns “trotskistas” que se recusavam a apoiar a FLN, e ao invés apoiavam o Movimento Nacional Argelino (MNA), liderado por Messali Hadj. Embora este tenha jogado um papel importante no passado, naquela etapa ele havia se tornado um fantoche do imperialismo francês.
A Revolução Argelina teve um enorme efeito dentro da França, levando à revolta de oficiais dentro de Argel (capital da Argélia) em 1961. Antes disso, em 1958, de Gaulle havia chegado ao poder e criado uma forma de bonapartismo parlamentar, enquanto a direção da classe trabalhadora francesa no Partido Socialista e no Partido Comunista não fazia nada.
Depois da vitória de movimentos guerrilheiros em países como a Argélia, começou a se difundir a ideia de que o campesinato, ao invés da classe trabalhadora, é que jogaria o papel principal na revolução mundial. Esse ponto de vista foi articulado em especial pelo Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SUQI) e por seu principal teórico, o falecido Ernest Mandel.
No começo de 1968, Mandel participou de um encontro público organizado por apoiadores do SUQI em Londres. Em sua fala, Mandel disse que a classe trabalhadora na Europa não entraria na luta por pelo menos 20 anos, por causa da força do dólar e do boom econômico mundial. Essas observações foram feitas um mês antes dos eventos revolucionários de maio de 1968 explodirem na França!
Aquela foi a maior greve geral da história, envolvendo 10 milhões de trabalhadores em ocupações e na criação de comitês de luta. Existiam todas as condições para a revolução. de Gaulle estava impotente. A classe trabalhadora poderia facilmente tomar o poder se não fosse o papel podre jogado pelos líderes do Partido Comunista em desencaminhar a revolução.
Peter disse que os movimentos na França e os eventos revolucionários na Itália nos anos seguintes aconteceram quando o boom do pós-guerra não havia se esgotado. Não obstante, houve abalos – “uma revolução das crescentes expectativas”. O capitalismo está numa situação completamente diferente agora, quando as pessoas já viram uma deterioração de suas condições através das políticas neoliberais.
Foi por causa da deterioração dos padrões de vida das massas que o CIT foi capaz d prever a revolução egípcia. As revoluções árabes tiveram um enorme efeito na situação mundial, por exemplo, elas inspiraram o movimento de trabalhadores e jovens em Wisconsin. As revoluções em países como Tunísia e Egito não estão mortas, as massas estão “digerindo” as principais lições do levante revolucionário inicial.
O “golpe branco” que ocorre no Egito está testando a Irmandade Muçulmana. Agora, é necessária a construção de novas organizações da classe trabalhadora em todo o mundo árabe. No Egito, tais organizações poderiam lutar por uma assembleia constituinte revolucionária baseada nos comitês democraticamente eleitos pelas massas.
Uma das principais lições da Revolução Cubana foi a necessidade da classe trabalhadora ter o controle sobre seu próprio Estado. O burocratismo era inevitável a menos que a máquina estatal fosse controlada pela classe trabalhadora.
Peter concluiu sua fala pontuando que estamos entrando na era da revolução socialista. A vitória da classe trabalhadora em um país ressoaria por todo o planeta. O CIT precisa se preparar para isso construindo uma internacional revolucionária de massas.
O encontro terminou com todos cantando, cada um em sua língua, o hino revolucionário – a Internacional.