Corrupção em Goiás e no Brasil: entre cachoeiros e mensaleiros
No final de 2010, a direita tradicional conformada pelo PSDB e o DEM parecia ter consolidado sua hegemonia em Goiás. Nas eleições presidenciais, a candidatura de Serra tinha derrotado a de Dilma. Nas eleições estaduais Marconi Perillo (PSDB) venceu o candidato da aliança PMDB/PT e conquistou a maioria da assembleia legislativa. Enquanto isso, o DEM parecia ter encontrado uma sobrevida com a vitória de Demóstenes Torres, que planejava ser o próximo candidato a presidente da oposição conservadora ao governo Dilma.
Porta voz de uma política de segurança conservadora que criminaliza a pobreza e figura pública da direita tradicional, Demóstenes Torres, após a divulgação da operação Monte Carlo da Polícia Federal, não passa, agora, de um cadáver político rejeitado até mesmo pelo partido que antes via na sua imagem a salvação.
O esquema de corrupção de Carlos Cachoeira influenciou as mais diversas instâncias públicas e privadas no Brasil: desde o semanário mais importante da burguesia – a revista Veja – até a empresa que mais recebia verbas do PAC – a empresa Delta – passando ainda por policiais, deputados e governadores dos mais diversos partidos. Esta influência é ainda mais intensa no estado de origem de Cachoeira. Em Goiás, a presença do bicheiro se faz presente na prefeitura e no governo estadual, no Ministério Público e na Polícia Militar. Velhos (PSDB e DEM) e novos (PT) agentes da burguesia deixaram claro que Marx e Engels estavam corretos quando afirmaram que o Estado “não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa”.
O bicheiro, o paladino da ética e o governador
Demóstenes parecia ser o grande nome da ética na política. A revista Veja publicava matérias que eram criadas e plantadas por Cachoeira; no senado, Demóstenes era porta-voz das denúncias da revista e esta, por sua vez, apresentava o senador como uma figura expressiva da luta contra a corrupção. Enquanto isso, Cachoeira eliminava rivais econômicos e podia aumentar seus lucros. Com as investigações da Operação Monte Carlo, ficou claro que Demóstenes, longe de ser um paladino da ética, era, na verdade, o representante público de uma quadrilha altamente organizada que ocupa os mais diversos escalões do estado burguês.
No estado goiano, Marconi Perillo assumiu o governo de Goiás se apresentando como um tecnocrata que resolveria todos os problemas administrativos e financeiros do estado. Na realidade, sua retórica era apenas uma justificativa para aplicar o tradicional programa tucano: atacar os trabalhadores, retirar direitos de servidores públicos e aplicar a clássica “privataria tucana”. Hoje, está claro que além de privatizador, Marconi tem possíveis relações com Don Cachoeira. A colaboração de Marconi com Cachoeira não é nova. O atual governador é o responsável por sancionar uma lei de 2000 que não só permitia a exploração de jogos de azar em Goiás, mas também possibilitava o governo contratar empresas para explorar jogos de azar. Uma das empresas favorecidas pela lei foi a Gerplan – empresa usada por Cachoeira em suas atividades ilegais. A bondade de Marconi foi recompensada por Cachoeira que, em 2010, doou, por meio de empresas de fachada, mais de R$400.000 para a campanha eleitoral de Marconi. Um sócio de Cachoeira, o empresário Rossine Aires Guimarães, também realizou a generosa doação de R$800 mil feita para o PSDB em 2010.
O grau de envolvimento do governo do PSDB com os negócios de Cachoeira é tão grande que, além de membros do alto comando da polícia da capital, três de seus auxiliares diretos foram afastados: sua Chefe de Gabinete, o Presidente do DETRAN e o Procurador Geral de Goiás. A ex-chefe de gabinete, Eliane Gonçalves (que pediu exoneração após a publicação das denúncias), foi interceptada em escutas telefônicas da Polícia Federal repassando informações das operações de combate ao jogo com a finalidade de proteger os negócios de Cachoeira. Da mesma forma, a Polícia Federal provou que mais de 30 coronéis foram promovidos após pagarem propinas de até R$100 mil reais. Enquanto tudo isso vem a tona, o pobre governador diz não saber de nada.
A corrupção também está presente no PT
As denúncias envolvendo o governador Marconi Perillo e o senador Demóstenes Torres atualmente estão sendo usadas para encobrir os diversos esquemas de corrupção presentes na prefeitura de Goiânia, dirigida por Paulo Garcia do PT. Desde 2010, o PSOL de Goiânia vem denunciando os mais diversos esquemas de corrupção: desde a venda de terrenos públicos, a preço de banana, para empresas privadas até o caso do Parque Mutirama. Denúncias realizadas pelo vereador Elias Vaz, do PSOL, resultaram na investigação do MPF sobre a obra e apuraram o desvio de mais de R$ 2 milhões envolvendo membros da Agência Municipal de Obras e a empresa Warre Engenharia. Diante de uma crise inaugurada pelas denúncias, o chefe de gabinete da prefeitura, organizou uma reunião com vereadores da oposição para negociar uma saída pra a crise. “Curiosamente”, o chefe de gabinete da prefeitura do PT levou para a reunião o bicheiro Carlos Cachoeira. Após o PSOL ter veiculado essa denúncia, o chefe de gabinete foi exonerado e o prefeito, tal como fez Marconi, afirma que jamais teve conhecimento das ações de seu chefe de gabinete.
Além desses casos, está claro que o PT tem íntimas relações com os negócios de Carlos Cachoeira. Se está provado que Demóstenes atuava no senado para favorecer negócios de Cachoeira, o fato é que uma das empresas que funcionava como parte dos negócios do bicheiro é a empresa que mais recebeu verbas do principal programa de governo do PT: o PAC. A Delta Construções recebeu mais de R$850 milhões do governo e hoje é investigada por contribuir na lavagem de dinheiro de Cachoeira e por pagar propinas para políticos para favorecer suas obras. Além de Goiás, governadores de Tocantins, Distrito Federal e Rio de Janeiro são suspeitos por envolvimento com os negócios da Delta Construções e de Cachoeira..
Os acertos e os erros do PSOL
O PSOL foi e vem sendo um veículo importante da luta contra a corrupção. Desde a criação do partido, as suas principais figuras públicas estão envolvidas em ações de investigação e denúncia da corrupção. Assim, o partido foi o primeiro a protocolar o pedido de investigação das ações criminosas de Demóstenes Torres e no DF vem sendo um sujeito ativo na defesa de abertura das investigações sobre as ações do governo de Agnelo Queiroz.
No entanto, pensar a luta contra a corrupção de forma isolada pode levar a erros. Inicialmente, quando as primeiras denúncias contra Demóstenes Torres surgiram, o senador do PSOL, Randolfe Rodrigues, demorou para se posicionar claramente diante da necessidade de se investigar e caçar o mandato de Demóstenes. Infelizmente, o senador do PSOL, ainda insiste em fazer declarações apontando para o papel “admirável” (SIC) de Demóstenes na luta contra a corrupção. É preciso lembrar que além de corrupto, Demóstenes é representante do que há de pior na direita brasileira: o ex-PFL, herdeiro direto da ditadura militar e partido que jamais vacilou em defender políticas neoliberais e os interesses do latifúndio.
Da mesma forma, em Goiânia, o PSOL foi um instrumento fundamental na luta contra a corrupção. As denúncias de Elias Vaz, vereador do PSOL em Goiânia, serviram para mostrar como a prefeitura do PT usa o dinheiro dos trabalhadores para enriquecer empresários privados. Com a crise inaugurada pelas denúncias de Elias Vaz, o PT articulou uma reunião com setores da oposição – vereadores do PSDB e o PSOL – para buscar uma saída negociada para crise. Nesta reunião, o PT levou o bicheiro para dar a sua contribuição. Apesar desta reunião mostrar, claramente, o grau de envolvimento do PT com o bicheiro Carlos Cachoeira é preciso perguntar: Que razão o PSOL teria para participar de uma reunião organizada pelo PT em conjunto com vereadores do PSDB?
Infelizmente, mais grave ainda é o vazamento da ligação que Cachoeira fez à Elias Vaz para solicitar que este converse com o ex-jornalista televisivo Kajuru. Apesar de a ligação não indicar qualquer atividade ilícita por parte do vereador do PSOL, a intimidade com que este atende o telefone (chamando Cachoeira de “companheiro”) é, no mínimo, problemática. Que tipo de lutador socialista chama de companheiro um corrupto que contribui para a exploração do povo trabalhador? Isto se dá em um contexto, no qual, até o momento (25 de abril), a direção do PSOL-GO não tomou qualquer posição política contra Marconi Perillo, Demóstenes e cia. O partido não publicou nem mesmo qualquer material defendendo a instalação de uma CPI sobre as relações de Marconi com Cachoeira.
Com os fatos recentes, a militância do PSOL precisa de uma postura firme e clara da direção do partido. É preciso que a direção nacional do PSOL discuta profundamente em suas instâncias – incluindo a comissão de ética – as implicações para o partido das relações de Elias Vaz com o bicheiro Carlos Cachoeira.
A indignação da juventude e a necessidade da luta contra a corrupção ser anticapitalista
Enquanto o PSOL goiano vacila nas ações contra o governo de Marconi Perillo, a indignação contra a corrupção em Goiás se expressou em duas grandes manifestações que reuniram mais de três mil pessoas que saíram às ruas para defender “Fora Marconi”. Há um claro clima de indignação contra a corrupção que se expressou na organização espontânea das manifestações. Porém, se é possível notar a enorme indignação especialmente entre setores de juventude, é preciso canalizar esse sentimento para uma organização da luta. Enquanto a luta não for organizada, militantes do PT e do PCdoB transformarão as manifestações em espaços que servirão para esconder o envolvimento de seus partidos em diversos casos de corrupção.
Da mesma forma, é preciso abrir um debate sobre qual é a saída para a corrupção. A corrupção envolvendo PT, PSDB, DEM e diversos outros partidos mostra que o Estado é apenas uma instância privilegiada para a burguesia garantir seus lucros. O problema central não são as ações ilegais de Cachoeira ou a falta de ética de Marconi e Demóstenes, mas sim o fato de que o estado é um espaço em que quadrilhas formadas por empresários e políticos se organizam para ampliar seus lucros – retirados do sangue da classe trabalhadora.
A lógica de financiamento de campanhas políticas por empresários e grandes grupos econômicos faz com que os políticos eleitos estejam na obrigação de devolver aos seus “benfeitores” o financiamento de sua campanha. Isto se dá pelos mais diversos tipos de favores: privatizações, convênios, contratos, licitações e outras formas de parceria público-privada que nada mais são do que novas formas de se garantir lucros para as grandes empresas utilizando o dinheiro das classes exploradas. Não se trata de um problema ético, mas sim de lutas de classes. O Estado é o instrumento privilegiado para a burguesia defender seus interesses econômicos e sociais. É emblemático o fato de que uma das polícias mais violentas do país – a polícia de Goiás, responsável pela formação de esquadrões da morte e de práticas de repressão violenta às manifestações da classe trabalhadora e da juventude – tem a maior parte de seus dirigentes envolvidos nos esquemas de “Don Cachoeira”. Seja pela polícia, seja pelas políticas “públicas”, o Estado sempre estará a serviço da burguesia.
A luta contra a corrupção deve ser uma luta contra o capital
A corrupção é parte necessária desse sistema gerador de desigualdades. Por isso, as manifestações pelo “Fora Marconi” devem ser organizadas para fortalecer a construção de uma alternativa à atual democracia burguesa e ao sistema capitalista. Por isso, a LSR não defende apenas a investigação e a prisão de todos os corruptos, mas defende também a construção de uma saída anticapitalista para a corrupção. Em Goiânia, diferentemente do setor majoritário do PSOL goiano, a LSR – junto com as forças do bloco de esquerda do partido na cidade (CSOL, CST e independentes) – vem atuando ativamente das manifestações contra Marconi e defende:
- Realização de investigações sobre a corrupção por comitês formados por movimentos sociais e sindicatos;
- Prisão e confisco das fortunas de todos os corruptos! Fim dos fóruns privilegiados para os corruptos!
- Fora Demóstenes! Fora Marconi! Pela realização de novas eleições para o senado e para o governo!
- Pela quebra de sigilo de todos os sócios de Cachoeira!
- Pela criação de comitês de mobilização contra a corrupção!