A questão da mulher – o proibido
O aborto, ou melhor, a liberalização do aborto, é um direito que deve ser defendido por todos os grupos que lutam por uma revolução estrutural, pela transformação radical da sociedade ou mesmo pela ampliação dos direitos humanos.
Questões como estas aparecem cotidianamente nas nossas vidas, contudo, mal conseguimos discuti-las sem esbarrar na moral e nos bons costumes da sociedade burguesa. No Brasil a cada 100 mil operações realizadas em clínicas clandestinas 100 mulheres morrem, isso sem contar com aquelas que fazem o aborto em casa, com remédios, agulha de crochê, dentre outras coisas que não entram nas estatísticas nacionais. Em um dossiê do Instituto Alan Guttmacher para avaliar o número de abortos clandestinos em 2000, aparece como sendo 700 mil a 1,4 milhões de abortos clandestinos realizados, considerando apenas os dados de internação no SUS. Isso é absurdo para não dizer monstruoso.
Vivemos em um país onde o aborto é visto como crime, previsto em lei sujeito a detenção ou reclusão. Só é permitido realizar o aborto em casos de estupro (* desde que a mulher consiga comprovar ) ou quando a mãe corre risco de vida. Isso mostra o quanto os valores e a hipocrisia cristã contaminam a nossa sociedade. Em hipótese alguma é garantido à mulher o direito de escolher sobre o que vai fazer com o seu corpo, pois este é visto como sendo um aparelho reprodutivo ou como objeto de consumo da mídia e da sociedade machista em que vivemos. Logo, a gravidez, mesmo que não desejada pela mãe deve ser levada até o final, pois dessa forma ela estará cumprindo o papel social reservado a ela pelo mito da maternidade, ou seja, de garantir a reprodução da espécie.
Mais de um milhão de mulheres devem estar morrendo por ano por realizar abortos clandestinos e nada é feito pela saúde pública, e pior, nada é questionado pela opinião pública. O mais grave, ao meu ver, é que estes números foram registrados pelo SUS, logo, podemos perceber que a maioria das mulheres que estão morrendo são mulheres da classe trabalhadora, que não conseguem dinheiro para fazer o aborto em clínicas particulares. Isso só evidencia que a questão da mulher não pode ser discutida separadamente da questão de classe. A opressão contra a mulher perpassa todas as classes sociais, mas as mulheres trabalhadoras ainda recebem o ônus de serem largadas ao descaso da saúde pública devido à falta de recursos.
Como se não bastasse a dificuldade de travar esta discussão dentro das instituições burguesa, presenciamos o constrangimento e as dificuldades em colocar temas como este dentro das organizações de esquerda, mesmo as revolucionárias. As companheiras, geralmente minoria, não conseguem travar uma discussão franca e aberta, já que sempre apresentam outras questões como centrais e mais importantes, deixando de lado e secundarizando problemas relacionados à questão da mulher.
Isso me leva a crer que algumas questões são proibidas de serem mencionadas. Os problemas referentes à mulher apresentam-se como sendo algo da esfera profano, do proibido, que desaglutina a família, os indivíduos, e que divide a nação, a classe trabalhadora. Contudo, companheiras, o que temos é uma grande batalha pela frente, travar a discussão, colocar o debate na ordem do dia e enfrentar o ônus de carregar nos nossos corpos o profano e o proibido.
* Para registrar queixas em casos de estupro, a mulher deve se submeter a um exame de corpo de delito logo em seguida ao ato do crime, pois é só mediante a comprovação de sinais que identifiquem a agressão e da coletagem de esperma no corpo da mulher, que é provada a violência. Quantas são as mulheres que depois de tamanha violência conseguem se dirigir seguidamente a uma delegacia e se sujeitar a todos estes exames?