Mobilização na USP: uma luta de todos pela democracia na universidade
No dia 2 de novembro, toda a sociedade foi abalada pela notícia da ocupação da reitoria da USP por um grupo de estudantes. Após a reintegração de posse violenta realizada pela polícia, os estudantes entraram em greve. Todo esse movimento foi tratado pela grande mídia como uma ação de baderneiros e drogados que queriam apenas “fumar maconha”. Além de mentirosas, essas afirmações escondem todo um processo que aconteceu na USP durante os últimos anos.
Um episódio que deflagrou muito a falta de democracia na USP foi a última escolha de Reitor. Em 2009, uma parcela já muito restrita dos professores fez uma votação, constituindo uma lista com três nomes de candidatos a Reitor. O então governador do Estado, José Serra (PSDB), usou seu poder para indicar o segundo colocado para o cargo.
O indicado foi o professor e ex-diretor da Faculdade de Direito da USP João Grandino Rodas. Uma escolha do Governador contrária à decisão dos órgãos internos da Universidade não acontecia desde 1969, durante a Ditadura Militar. A escolha de Rodas remete também diretamente aos tempos ditatoriais do Brasil.
Ele foi, por exemplo, membro de comissões que inocentaram torturadores e assassinos que participaram do Regime Militar. Foi também, mais recentemente, o primeiro diretor de uma faculdade da USP a chamar a polícia para reprimir manifestações políticas, em 2007.
Projeto tucano para a USP
Rodas era realmente a melhor pessoa para implantar o projeto do PSDB na Universidade:
• Criação de cursos pagos na USP, onde recursos públicos são utilizados para benefícios privados.
• Demissão sumária de funcionários sem sequer base legal para isso.
• Uma política de controle de entrada e circulação na USP cada vez mais rígida, o que impede a utilização da Universidade pela comunidade externa e cria um grave problema de segurança pela falta de circulação de pessoas.
• Tentativa de fechar cursos que têm importante função social, mas que não têm interesse do mercado. Essa tentativa foi barrada por uma importante mobilização dos estudantes.
• Indicação de cargos sem concurso público, explicitando uma concepção de gestão oligárquica, controlada pelo seu grupo político.
• Assinatura de um convênio com a Polícia Militar que, com a desculpa de combater a criminalidade no campus, vem praticando grande violência contra os estudantes, principalmente contra aqueles que se colocam politicamente contra o Reitor.
Os conflitos atuais
O estopim do conflito atual foi a tentativa de prisão de três estudantes que usavam drogas dentro do campus, no dia 27 de outubro. Apesar de muitos estudantes e professores defenderem uma mudança na política atual em relação às drogas, essa não foi a questão central da mobilização. Durante várias semanas desde a assinatura do convênio entre a Reitoria de Rodas e a Polícia Militar, muitos estudantes estavam sendo vítimas de violência e abusos nas mais diversas situações. Não foram poucos os relatos de pessoas que faziam suas atividades normais, como estudar nas praças e conversar em uma roda de amigos, e que foram surpreendidas por revistas constrangedoras, que incluíam ameaças e em alguns casos duravam até 40 minutos.
Esses casos não foram isolados e sim uma postura da corporação que, juntamente com a Reitoria, tinha interesse em mostrar seu poder e, assim, intimidar antecipadamente qualquer oposição a suas políticas. Mas o efeito sobre os estudantes foi o inverso. Muitos se revoltaram de forma muito justa com a presença da PM, inclusive alguns daqueles que antes defendiam a assinatura do convênio.
A revolta culminou em uma manifestação espontânea contra a Polícia na ocasião da tentativa de prisão dos três jovens e, logo em seguida, como forma de manifestação, na ocupação da diretoria da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, junto a vários debates e manifestações. A ocupação durou até dia 2 de novembro, por decisão dos estudantes de saírem do prédio.
Ainda sem nenhuma concessão do Reitor, um grupo de estudantes decidiu ocupar o prédio da Reitoria como uma forma maior de pressão. O movimento dos estudantes, então, apesar do apoio do SINTUSP (Sindicato dos Trabalhadores da USP) e de muitos dos professores, sofreu um desgaste durante algum tempo.
Em primeiro lugar, a ameaça de violência policial estava colocada muito fortemente, e a grande mídia procurava todas as formas de atacar o movimento, usando desde distorções das bandeiras do movimento até calúnias sem nenhum fundamento. Grande parte da opinião pública, sem contato com o outro lado dos fatos, se voltou contra o movimento. Além disso, houve uma onda de acusações públicas entre dois setores do movimento, com aqueles que não participavam da ocupação colocando que os outros haviam sido autoritários e inconsequentes em sua ação. Mas a divisão, em vez de mostrar qual era o melhor método para conseguir as reivindicações, apenas enfraqueceu ambos os lados, e propiciou uma situação que a Reitoria esperava.
A operação policial
Com o movimento dos estudantes dividido, o uso desmedido da violência policial era muito mais fácil. No dia 8 de novembro, no fim da madrugada, 400 policiais dos diversos grupos de repressão (como a Tropa de Choque, Cavalaria e GOE), mais dois helicópteros da polícia chegaram para a desocupação do prédio. Não economizaram violência, começando a operação jogando bombas no térreo do CRUSP (moradia para estudantes de baixa renda, próximo à Reitoria) e impedindo os estudantes de saírem de suas casas. Logo em seguida entraram no prédio ocupado e renderam 72 estudantes.
Esses estudantes viveram algumas horas de terror antes de serem levados presos por um ônibus da PM: presenciaram cenas de tortura e viram os policiais desordenando as salas e quebrando objetos, antes de autorizarem a entrada da mídia. Os 72 foram enquadrados nos crimes de dano ao patrimônio público, desobediência civil e crime ambiental.
Após a desocupação, o movimento dos estudantes cresceu significativamente. A assembleia realizada no próprio dia 8 contou com a presença de cerca de três mil pessoas. A revolta era tão grande que deixaram de lado as questões que os dividiam e conseguiram se fortalecer contra a política da Reitoria. Nessa assembleia não havia nenhuma posição contrária à greve dos estudantes, somente um debate sobre a data de início. A greve então foi deflagrada.
A partir de então, em muitos cursos onde não estava se discutindo sobre a polícia e sobre as reivindicações do movimento, começou um debate de incorporação às mobilizações. Até os cursos que não aderiram à greve fizeram assembleias e reuniões e declararam apoio a algumas das bandeiras do movimento.
Duas manifestações fora da USP aconteceram, e cada uma delas contou com cerca de três mil pessoas. Uma delas, ocorrida no dia 10/11, contou com o apoio de várias entidades nacionais e internacionais, como o Sindicato dos Trabalhadores Municipais da Suécia, representado por Bilbo Göransson, membro do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores. A manifestação também deu apoio ao movimento por moradia que acontecia no centro de São Paulo, que passava pelo mesmo processo de repressão policial. A outra manifestação aconteceu no dia 17 de novembro, na Avenida Paulista, e se esforçou para explicar à população que, em vez de defender “privilégios”, os estudantes da USP mobilizados estavam defendendo a abertura da Universidade à comunidade e por uma política de segurança baseada nisso e não na exclusão e repressão.
As bandeiras do movimento:
- Fora Rodas! Por uma Estatuinte soberana para a USP
- Fora PM
- Criação de um plano de segurança alternativo
- Não punição administrativa ou criminal aos 73 presos na reintegração de posse da reitoria
- Retirada de todos os processos administrativos contra estudantes e funcionários perseguidos politicamente
O futuro do movimento
O movimento dos estudantes esse ano se mostrou forte, mesmo quando comparado com outros períodos de grande luta, como em 2007. Experiências anteriores mostram ser muito difícil sustentar uma mobilização em um período de provas e entrega de trabalhos, como está acontecendo agora. Mas para o sucesso do movimento não basta que os estudantes façam a luta. Professores e funcionários da USP têm os mesmos motivos para aderir à mobilização.
A comunidade externa à Universidade também sofre tanto com a falta de acesso à Educação Superior, quanto com a violência policial cotidiana contra os movimentos sociais e a população pobre. Algumas ações políticas já foram feitas em conjunto entre estudantes e a São Remo, comunidade próxima à USP, como o grafite no muro que divide o campus do restante da cidade. Mais ações desse tipo fortaleceriam as bandeiras e mostrariam cada vez mais à população que a luta na Universidade não é uma luta apenas pelos interesses de sua comunidade interna, mas de toda a sociedade.
Além da intensificação do movimento pela base nos cursos da USP e a unidade com professores e funcionários, o avanço da luta na USP dependa da ampliação do movimento para fora da universidade em torno das bandeiras em defesa da universidade pública, democrática e para todos e a não criminalização dos movimentos sociais.