O que é o bloco Se BeNzE qUe Dá?

O bloco Se BeNzE qUe Dá surge a partir de uma galera da Maré que já participava e articulava ações políticas, educacionais e culturais na favela, e vinha, há algum tempo, discutindo a questão da falta de circulação no bairro, formado por mais de 16 favelas e cerca de 132 mil pessoas.

Esses camaradas – apesar de circularem as favelas, trabalharem, participarem e promoverem ações que debatem a questão da união comunitária em torno da resolução dos problemas locais e da cidade – ainda procurava um instrumento de ação divertido, que agregasse pessoas na luta por uma sociedade mais justa, sem abrir mão do prazer de estar junto e compartilhar alegrias além das dificuldades.

A ideia de um bloco surgiu de forma espontânea, a partir de uma brincadeira, no entanto, a visão política a respeito do medo de circular e da criminalização da pobreza já estava presente em outras atividades dessa galera e de outras pessoas do bairro.

A Maré possui uma tradição de blocos e escolas de samba, porém, o período andava complicado: alguns blocos acabaram; outros só circulavam em espaços restritos a favela de origem; a única escola dentro do bairro passava por dificuldades de conseguir integrantes, pois as pessoas das outras favelas tinham medo de ir à quadra na comunidade vizinha.

Apesar disso, algumas áreas da cidade, principalmente Centro e Zona Sul, retomavam o carnaval de rua e os blocos de embalo, é nesse contexto, que a articulação para a formação do bloco Se Benze que Dá inicia-se em 2004, e seu primeiro desfile ocorre no carnaval 2005.

O nome do bloco surge de uma brincadeira na praia de Ipanema, após o desfile do bloco Simpatia é quase amor. Alguns moradores da Maré – que acompanhavam o circuito de blocos do Rio 2004 – após o desfile do bloco Simpatia é Quase Amor, descansavam na areia da praia e faziam os seguintes comentários: “lá na favela quase não existe mais bloco de embalo não é? Também esta muito difícil circular na comunidade hoje. Já pensou ter um bloco que iria da Vila do João a Praça do Parque União? Aí teria que se chamar Se benze que dá!”

Algum tempo depois, quando a galera reunida voltou a falar e discutir sobre o problema da circulação e sobre como passaram o carnaval, um dos sujeitos comentou sobre a brincadeira na praia e a ideia do bloco começou a amadurecer, pois o Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré – ONG onde parte da galera trabalhava – havia comprado alguns instrumentos de samba para um de seus projetos culturais, e, caso quisessem por “o bloco na rua”, bastava tentar um empréstimo.

A ideia começou a fermentar na cabeça da galera e a se espalhar pelos grupos políticos, culturais, educacionais e sociais que se reuniam no bairro.

Já próximo ao fim do ano de 2004 – quando uma boa parte da galera se reunia na casa de um amigo para a feijoada de inauguração da sua casa nova – o assunto da circulação na favela retornava a pauta, e junto a ele, a proposta de um bloco que quebraria essas barreiras. Todos concordaram então em fazer um ofício ao CEASM e pedir os instrumentos emprestados para o desfile, mas enxergavam dificuldades em realizar a proposta naquele ano, pela proximidade com o carnaval, e por um pequeno detalhe: quase ninguém sabia tocar qualquer instrumento de escola de samba.

O carnaval se aproximava e o bloco permanecia apenas no imaginário das pessoas que gostavam da ideia; atravessavam e combatiam as fronteiras invisíveis da favela; viam a possibilidade do bloco; mas também enxergavam os problemas em articulá-lo para aquele ano.

O carnaval já estava acabando oficialmente e o bloco não saia do campo imaginário, mas enquanto última atitude de inconformismo, os camaradas resolveram que deveriam sair aquele ano, ou não sairiam mais. Sobre a proximidade da data do término do carnaval, alguém disse: “vamos desfilar no sábado, a gente ensaia agora, quarta-feira de cinzas, quinta e sexta, e desfila no sábado pela manhã, a gente tenta aprender o básico, quem sabe alguma coisa ensina a quem não sabe, o Miro (músico) pode ser o mestre de bateria!”

Os camaradas ensaiaram a bateria durante esses três dias, e nesse mesmo período foi composto o nosso primeiro samba de protesto, aprendemos algumas marcações, a letra do samba e fomos em frente.

No dia do desfile a bateria cresceu, com uns camaradas que pegaram instrumentos para participar na hora – uma das principais características do bloco até hoje – levamos o samba no gogó – não tínhamos grana para carro de som – e assim, em 2005, se deu o primeiro desfile do bloco Se Benze que dá.

No desfile de 2005 o bloco acabou não atingindo totalmente o seu objetivo principal, já que não percorremos as comunidades que pretendíamos, desfilamos apenas no Morro do Timbau e um pouco da Baixa do Sapateiro. Como as coisas foram feitas às pressas, e não éramos tantos como queríamos no dia do desfile, ficamos com receio de atravessar as principais fronteiras invisíveis, mas houve muita discussão antes da resolução desse primeiro trajeto.

Em 2006 o bloco lotou, e resolvemos manter como tradição sair no sábado da semana seguinte ao carnaval.

Para 2006 fizemos vários ensaios abertos com cerveja e sopa de ervilha, quem chegava pegava um instrumento e tocava, não existe bateria fechada no Se benze que dá; também fizemos mais um samba coletivo – algumas pessoas estavam começando a compor seus sambas para o bloco, e esses foram unidos em um só. Um grupo de senhoras – estilistas e costureiras de uma cooperativa – nos presentearam com um estandarte para o bloco; após alguns amigos desenhistas gráficos criarem uma logomarca para nós; também fizemos camisas para os componentes e para quem quisesse comprar para nos ajudar a alugar um carro de som.

Finalmente fizemos parte do percurso que pensamos inicialmente, saímos do Morro do Timbau, passamos pela Baixa do Sapateiro e fomos até a Praça da Nova Holanda, nesse momento uma nova tradição foi incorporada ao bloco, a confecção de cartazes de protesto: O desfile é ao mesmo tempo uma passeata.

No ano de 2007 o bloco repetiu o circuito de 2006, porém não tão cheio quanto no ano anterior, pois não conseguimos articular a presença de mais gente em virtude de problemas internos da comunidade e dos próprios camaradas que compunha o bloco.

Para 2008 mudamos algumas coisas: fizemos vários ensaios fechados, só com a bateria; mudamos de mestre, já que o anterior estava sem tempo de nos ensaiar; realizamos uma feijoada, que mobilizou muita gente, para comemorar nossa existência, apesar dos problemas; fizemos alguns ensaios abertos bem cheios; e partimos para um novo circuito na Maré.

No nosso novo circuito saímos no sábado, antes do carnaval, do morro do Timbau, no Largo do Quarto Centenário para a Baixa, depois Vila do Pinheiro e Conjunto Pinheiro, até a Vila do João próximo ao campo de futebol, no sábado após o carnaval saímos do Timbau, no Largo do 4º centenário para a Nova Holanda, passando pela Baixa.

Ao longo desses anos de existência, o bloco vem se tornando conhecido não só na Maré, como também fora do bairro como instrumento de luta política, cultura e espaço de diversão garantida.

Devido a seu caráter político de crítica à criminalização da pobreza, e de defesa do direito de ir e vir para o cidadão da favela como qualquer outro, o bloco participou e participa de atividades de protesto: desfilamos todos os anos no “Grito dos Excluídos”; no protesto, “Viva a criança viva” – após o assassinato de uma criança na Nova Holanda por policiais; na escola “Florestan Fernandes do MST”; realizamos um ensaio denominado “os abortados de Cabral” em virtude das declarações públicas de caráter fascista feitas pelo governador do Rio de Janeiro.

Nosso lema continua sendo: pelo direito de ir e vir, diversão sem alienação – Se Benze Que Dá!