Guerra contra quem?
O Rio de Janeiro mais uma vez foi capa de jornais em todo o mundo e não se trata de grandes eventos esportivos. O último período foi marcado por desastres naturais (provocados pelo descaso dos governantes com os pobres), desabrigados, milhares de soterrados, queda de helicóptero, a população humilhada em suas próprias casa e mortes, mortes….
Os últimos dias do mês de novembro no RJ foram de pânico e terror para o conjunto da população. Com a queima de dezenas de carros e ônibus, o pânico causado foi tão grande que as ruas da cidade ficaram quase que desertas depois das 5 da tarde. Às 15 horas as pessoas já estavam lotando os trens e ônibus, para voltar pra casa, todos estavam em estado de alarme e tensão, o que gerou brigas fúteis nas ruas e no trânsito, foi instalado o caos. As empresas de ônibus recolheram seus carros e deixaram a população sem transporte à noite.
Após a onda de arrastão os incêndios em carros na zona sul e norte do Rio de Janeiro, a secretaria de segurança publica lançou operações em diversas comunidades da cidade e parte da baixada Fluminense com o “objetivo” de reprimir as ações criminosas e disputar força no braço. Nestas áreas, historicamente, o Estado só se faz presente para reprimir e por décadas abandonou a população mais empobrecida ao deus-dará sem políticas de assistência às demandas sociais.
A crítica, correta, da maioria das pessoas contra os traficantes, não pode ignorar o fato do alto grau de envolvimento que a própria polícia e o Estado tem com o tráfico. A visão de bem contra o mal neste caso é uma grande ilusão. A polícia, hoje comemorada por seu “heroísmo” é a mesma que abusa cotidianamente de sua autoridade contra os pobres. O Governo de Sergio Cabral, com apoio entusiasmado da grande mídia, cria e se alimenta desta ilusão maniqueísta. É o próprio Estado, na figura da polícia, que facilita a entrada de armas e recolhe pedágios do tráfico sobre as drogas.
O que a política da repressão ao tráfico fez até agora foi enfrentar o varejo do tráfico, como afirma o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL). Os que realmente lucram com esse tráfico não moram nas “mansões” do Complexo do Alemão. Os chefões de fato preferem habitar os bairros finos da Zona Sul ou os da Europa e EUA.
Isso não aparece na TV. Fica distante a compreensão de que este sistema é muito mais organizado do que se parece, e que não é paralelo ao Estado, mas parte dele. Essa guerra hoje não é uma guerra de dois lados, de dois projetos, mas um conflito gerado por controle político do espaço, deste espaço lucrativo que brinca com a vida de jovens, homens e mulheres trabalhadores criminalizados por viverem sob as condições criadas e alimentados pelos donos do poder.
A operação policial ocorrida no Rio de Janeiro teve a participação das três esferas policiais: Polícia Federal, Civil e Militar, com destaque ao Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE). A grande novidade do contra ataque policial foi à solicitação feita por parte do governador Sérgio Cabral de auxílio aos fuzileiros navais, com seus tanques de guerra da Marinha, apelidado como “caveirinha” – o mesmo modelo usado na guerra do Iraque. Boa parte dos militares presentes na ação já estiveram no Haiti. O comandante do Exército Brasileiro, general Enzo Peri, afirmou que a ocupação do Alemão será nos moldes da missão brasileira no Haiti.
Profissionais da saúde do Hospital Getúlio Vargas denunciaram a entrada de 15 inocentes, a população é intimidada e esculachada, jovens trabalhadores inocentes são mortos e identificados como traficantes pela polícia, qual o destaque que isso tem no jornal?
Quando a violência explode no asfalto quem sofre são os trabalhadores dos bairros pobres e favelas. A repressão policial, representada pelo Estado, ocorre de forma indiscriminada nesses lugares. Policiais arrombam as portas e vasculham as casas, tratando os moradores como “supostos bandidos”, violando os direitos dos trabalhadores. Vale lembrar que também é perigoso esconder-se dentro das próprias casas porque os tiros de fuzis atravessam a parede com facilidade. Tornando-se refém no seu próprio lar.
O tráfico tem passado por uma crise, com redução do lucro. Segundo Freixo, as UPP’s confirmaram a perda do poder do tráfico. O centro do debate, no entanto, não é se o tráfico diminuirá ou aumentará, mas sim qual a política para a população pobre. Se o tráfico tem preocupado o Estado as milícias são tratadas como aliadas. Até agora, nenhuma UPP foi instalada em área dominada por milícia. Por quê?
A política de UPP’s tem o objetivo de garantir controle em áreas estratégicas para as Olimpíadas em 2016 e a Copa do Mundo em 2014. Áreas importantes para as Olimpíadas na Zona Oeste tem milícias, o Estado, no entanto, não priorizou UPP’s lá por considerá-las já pacificadas. Fica claro, portanto, que o tratamento autoritário, arbitrário, violento dado pela milícia aos moradores tem afinidade com a ideia de pacificação que o Estado tem para os pobres.
As UPP’s, não só visam os eventos esportivos, mas sim a elitização de mais áreas da cidade. O resultado imediato dessa política tem sido o fortalecimento da especulação imobiliária e do turismo. Além do mais as comunidades que não pertencem a esse eixo estratégico são esquecidas porque não são lugares atraentes para o investimento dos empresários. Essa política não resolveu o problema da violência, apenas a transferiu de espaço, garantindo o melhor funcionamento dos interesses do capital. Com a expulsão destes traficantes em pontos na zona sul e norte, o tráfico vai se concentrando no subúrbio, na zona oeste e na baixada, assim como São Gonçalo e Niterói.
Diante de tudo isso, a forma como a grande mídia tem apresentado a situação é claramente nefasta e demonstra o seu compromisso com o capital. Juntamente com o Estado, travou-se uma verdadeira guerra ideológica, juntamente com a mídia. Impôs os heróis, a polícia e o próprio governador, e os inimigos, “os bandidos”, que personificaram tudo de ruim na sociedade, em outras palavras, serviram como boi de piranha, que afastam o foco da verdadeira bandidagem e corrupção.
A TV Globo mostrou em tempo real a ação da policia no Complexo do Alemão. “Estas imagens reais, disse um jornalista, superam a ficção de tropa de elite”. De fato não é cinema, é a realidade que a mídia constrói de acordo com os interesse da burguesia.
A situação no Rio de Janeiro é de constante barbárie, até quando vamos continuar assistindo ao vivo, este Big Brother onde somos nós os participantes, consecutivamente eliminados?
- Exigimos que haja identificação de todos os mortos nas últimas semanas pela ação da polícia, assim como uma investigação sobre como se deram essas mortes. Para isso, as organizações sociais, como sindicatos, associações de bairros, grupos de mães e pais tem que participar das investigações para evitar o encobrimento das causas dos homicídios;
- A polícia deve estar submetida ao controle das comunidades onde atuam. Elas devem servir à população e não ser força disciplinadora contra os moradores;
- Mais escolas e creches públicas, postos de saúde e hospitais públicos nas favelas;
- Precisamos unificar todas as lutas no Rio de Janeiro que resistem ao projeto de cidade elitizada e autoritária, uma cidade só para o Capital. A luta contra as remoções de ocupações urbanas; contra a violência policial nas favelas e contra os pobres; contra a criminalização dos camelôs; pela liberdade dos artistas de rua, precisam se unificar para fortalecer cada luta específica e assim derrotar o projeto de cidade para o Capital.
É claro que a sociedade capitalista não oferece soluções sustentáveis para os problemas que enfrentamos hoje. Para uma política de segurança apresentar soluções que sejam realmente correspondentes às necessidades dos trabalhadores e sejam democráticas é preciso ter a participação de toda a sociedade, inclusive das comunidades que mais sofrem com a violência. E para isso é necessário fortalecer a luta e transformar a sociedade numa sociedade sem classes.