Quênia: onda de protestos derrotam a lei tributária

Uma resposta às políticas capitalistas neoliberais e ao aumento do custo de vida

Os recentes protestos de massas do povo queniano conseguiram derrotar o “Projeto de Lei de Finanças”, que estava destinado a piorar as condições econômicas já difíceis do país e a desencadear mais dificuldades para as massas trabalhadoras. O presidente Ruto, no cargo há pouco mais de um ano, lidera um regime de completa submissão às políticas capitalistas neoliberais do FMI/Banco Mundial de cortes sociais e ataques às condições de vida. O custo de vida do cidadão comum disparou, com as massas trabalhadoras quenianas já lutando contra a alta inflação, o desemprego e o aumento do custo das necessidades básicas. Eles não tiveram outra opção a não ser sair às ruas em grande número para expressar sua insatisfação e exigir mudanças. Os protestos contra os impostos abalaram as principais cidades do país, como Nairóbi, Kisumu, Migori, Kissi e muitas outras. Um protesto de 7 dias foi declarado pela “Geração Z”, rejeitando o projeto de lei.

Trabalhadores de todo o mundo assistiram, inspirados, às imagens de milhares de pessoas invadindo prédios do governo espalhadas pelas mídias sociais. Menos de 48 horas depois, Ruto foi forçado a retirar o projeto de lei em questão. Os protestos destacaram a crescente frustração entre os quenianos, que sentem que as políticas econômicas do governo favorecem a elite rica e negligenciam as necessidades da classe trabalhadora e dos pobres.

O sucesso desses protestos serve como um poderoso lembrete do potencial da ação coletiva para influenciar as políticas governamentais e defender os direitos das massas trabalhadoras. Mas, o que é mais importante, mostra que somente a força organizada das massas trabalhadoras pode realmente desafiar as políticas capitalistas neoliberais do presidente William Ruto e também tem o potencial de acabar com o domínio do capital privado, tanto estrangeiro quanto local, sobre a riqueza e os recursos do país, liberando-os para serem usados para atender às necessidades e aspirações do povo. Entretanto, para que isso aconteça, o programa de uma Alternativa Socialista em oposição ao capitalismo deve, necessariamente, ser a base da governança.

Projeto de Lei de Finanças 2024: Um fardo para as massas trabalhadoras

O Projeito de Lei de Finanças de 2024 é um programa de aumento de impostos e ataque às massas trabalhadoras ditado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial. As elites governantes mergulharam o país em uma montanha de dívidas de US$ 80 bilhões, que agora representam 68% do seu PIB, juntamente com altas taxas de desemprego.

De acordo com o projeto de lei, o governo queniano pretendia arrecadar US$ 2,7 bilhões em impostos adicionais para reduzir o que ele chama de “déficit orçamentário e endividamento”. Essa carga tributária deverá ser colocada diretamente sobre os ombros das massas trabalhadoras, que já estão lutando para sobreviver. Enquanto isso, os detentores de cargos políticos continuam a viver com esplendor, desfrutando de aumentos salariais e outros privilégios que contrastam fortemente com as realidades econômicas enfrentadas pelos quenianos comuns.

Ao impor impostos mais altos, o governo procura resolver seus problemas financeiros às custas daqueles que menos podem pagar por isso. Foi isso que provocou indignação e resistência generalizadas, conforme evidenciado pelos protestos de massas.

Um estudo detalhado da Lei de Finanças, que provocou protestos que resultaram na morte trágica de 23 pessoas, revela uma série de propostas tributárias regressivas. Elas incluem um IVA de 16% sobre o pão, um imposto anual de 2,5% sobre veículos automotores e impostos adicionais sobre produtos básicos, como açúcar e óleo vegetal. Além disso, foram propostos aumentos nos impostos existentes para transações financeiras e até mesmo impostos sobre absorventes higiênicos e fraldas, embora alguns deles tenham sido posteriormente excluídos devido ao clamor público. O governo Ruto defendeu essas medidas fiscais, alegando que são necessárias para reduzir a dívida pública.

Entretanto, durante sua campanha para a presidência, a retórica de Ruto foi uma mistura de propaganda neoliberal com o objetivo de garantir os votos de quase metade da população do Quênia (23,4 milhões de pessoas) que vive em extrema pobreza. Ele fez campanha com uma plataforma de empoderamento dos “vigaristas”, um termo que usou para descrever indivíduos de base, e prometeu programas de alívio econômico voltados para as classes mais baixas. Apesar de reconhecer a dívida significativa contraída pelo governo anterior, a campanha de Ruto não se desviou da agenda capitalista de seu antecessor. Ele prometeu reduzir os empréstimos, mas não apresentou um plano concreto para gerar os recursos necessários para o desenvolvimento. Em vez disso, ele se tornou um “coletor de impostos”, extraindo recursos das próprias pessoas que ele prometeu tirar da pobreza.

Nos quase dois anos de administração de Ruto, houve desperdício e extravagância governamentais desenfreados, enquanto as massas continuam a enfrentar um custo de vida altíssimo. O protesto contra os novos impostos e os excessos do governo não é apenas legítimo, mas também um direito fundamental do povo queniano de se reunir pacificamente e expressar seu descontentamento em relação às políticas que ameaçam seu futuro. A caracterização de Ruto dos protestos como “traidores” é uma clara tentativa de suprimir a dissidência e deve ser inequivocamente condenada.

O corajoso protesto de massas reflete a determinação de que as vozes do povo devem ser ouvidas e suas demandas por um sistema econômico mais justo e equitativo devem ser atendidas. Somente assim o Quênia poderá avançar em direção a um futuro mais sustentável e inclusivo, livre dos grilhões da austeridade neoliberal.

A viagem extravagante de Ruto aos EUA: Uma demonstração de excesso burguês

A recente viagem de Ruto aos Estados Unidos gerou grande controvérsia e descontentamento entre a população queniana. De acordo com um meio de comunicação queniano, o presidente, acompanhado por 30 pessoas, supostamente alugou um jato particular a um custo exorbitante de US$ 1,5 milhão, financiado pelo dinheiro dos contribuintes. Embora o Presidente Ruto tenha negado essas informações, alegando que amigos forneceram um jato mais barato, a um custo de apenas US$ 78 mil, o incidente agravou a frustração do público. A mídia queniana rotulou Ruto como o “presidente voador”, destacando sua propensão a viagens aéreas frequentes.

O orçamento anterior proposto pelo governo de Ruto alocou 2 bilhões de shillings para facilitar suas viagens ao exterior durante o ano. Em janeiro de 2024, a BBC informou que Ruto havia feito aproximadamente 50 viagens ao exterior desde que assumiu o cargo em 2022, com uma média de mais de três viagens por mês. Esse gasto maciço em viagens internacionais contrasta fortemente com as medidas de austeridade e as dificuldades econômicas impostas às massas trabalhadoras do Quênia.

Aumento interminável de impostos sob as políticas capitalistas neoliberais

As políticas capitalistas neoliberais do governo Ruto continuam a impor severas dificuldades às massas trabalhadoras. A Lei de Finanças de 2023, sancionada pelo Presidente Ruto, aumentou os impostos sobre os produtos derivados do petróleo, levando a um aumento no custo do transporte e dos produtos básicos. Essa tributação regressiva afeta desproporcionalmente as massas trabalhadoras, aprofundando suas dificuldades econômicas enquanto as elites no poder desfrutam de privilégios e luxos sem restrições.

Em resposta a essas políticas opressivas, a oposição convocou três dias de protestos em todo o país com o objetivo de obrigar o presidente a revogar a impopular lei de finanças. As massas trabalhadoras, movidas pela consciência de classe, se mobilizaram para resistir à exploração do governo e exigir o uso criterioso de seus recursos.

A necessidade de uma alternativa política para a classe trabalhadora

A exploração econômica contínua sob o governo de Ruto ressalta a necessidade urgente de a classe trabalhadora construir uma alternativa política com base nos princípios socialistas. Somente por meio de uma economia planejada, em que as grandes empresas que contralam a economia sejam nacionalizadas e colocadas sob a gestão e o controle democráticos da classe trabalhadora, o ciclo de exploração neoliberal poderá ser interrompido.

Esse sistema deve priorizar as necessidades de muitos em detrimento dos interesses de poucos, garantindo que os recursos sejam alocados para melhorar os padrões de vida do povo em vez de financiar os estilos de vida opulentos das elites dominantes. A mobilização de massas contra a lei financeira é uma prova do poder da classe trabalhadora quando unida na luta contra a opressão capitalista.

Ao forjar um movimento político forte e unificado, as massas trabalhadoras do Quênia podem desafiar a hegemonia da burguesia, reivindicar seus direitos e estabelecer uma sociedade baseada na igualdade, na justiça e na prosperidade coletiva. A luta contra as políticas neoliberais do governo Ruto não é apenas uma luta contra injustiças individuais, mas uma luta mais ampla pela mudança sistêmica e pela libertação da classe trabalhadora da exploração capitalista.

Programa de privatização do governo: Um ataque capitalista ao patrimônio público

A investida privatista do presidente William Ruto marca uma escalada significativa no ataque neoliberal à economia do Quênia. O governo de Ruto anunciou a venda de 35 empresas estatais, uma medida que ameaça desmantelar setores públicos essenciais e agravar o desemprego em todo o país. Em vez de investir recursos nacionais para desenvolver a economia do Quênia e melhorar os padrões de vida da classe trabalhadora, o governo busca leiloar bens públicos, provavelmente para financiar seu estilo de vida opulento.

A última privatização no Quênia ocorreu durante o governo do presidente Mwai Kibaki, que supervisionou a venda de ações de várias empresas controladas pelo Estado, incluindo a Mumias Sugar. Outrora a maior usina de açúcar da África Oriental e Central, a Mumias Sugar está moribunda após a privatização, vítima da miopia e da especulação inerentes às políticas capitalistas. O atual governo agravou ainda mais esse problema ao abrir as fronteiras do Quênia para as importações de açúcar, prejudicando a produção e os empregos locais.

Nesse momento crítico, é imperativo que os sindicatos de trabalhadores exijam a gestão e o controle democráticos dos trabalhadores sobre indústrias estatais. Essa medida seria uma proteção contra a extravagância e garantiria que os recursos públicos fossem utilizados para o benefício da maioria, e não de uma pequena elite.

Os trabalhadores devem assumir o comando: Construindo uma alternativa socialista

A Associação Médica do Quênia (KMA) adotou uma postura louvável ao condenar a brutalidade policial e a força excessiva usada contra manifestantes e profissionais de saúde que prestavam serviços médicos de emergência. Entretanto, a resposta de outros sindicatos à impopular Lei de Finanças foi relativamente tímida. Embora as ações da KMA sejam louváveis, elas devem ir além da condenação e desafiar ativamente as políticas antipopulares do governo Ruto que perpetuam a pobreza e a desigualdade.

A Organização Central de Sindicatos (COTU) do Quênia, com seus mais de 2 milhões de membros, deve estar à altura da ocasião e se opor aos ataques neoliberais ao bem-estar dos trabalhadores. A COTU deve liderar a formação de um Partido dos Trabalhadores com base em princípios socialistas, defendendo políticas que priorizem as necessidades das massas trabalhadoras em detrimento dos lucros capitalistas.

África: Um continente em luta

Os desafios enfrentados pelas massas trabalhadoras no Quênia se refletem em todo o continente africano. Na Nigéria, observamos um cenário similar. Tanto o poder executivo quanto o legislativo recebem salários e subsídios exorbitantes, enquanto os trabalhadores vivem em extrema pobreza. O presidente Bola Tinubu, sob o pretexto de atrair investimentos estrangeiros, passou cerca de 71 dias no exterior em seus primeiros nove meses no cargo, com uma média de quase duas viagens por mês. Seu governo continua a implementar políticas neoliberais que exacerbam o sofrimento das massas trabalhadoras, incluindo aumentos nos preços da gasolina, tarifas de eletricidade e tentativas implementação de taxas de transação. Essas medidas levaram a uma disparada no custo de vida, com a inflação na casa dos 40%. Além disso, a polícia é usada com frequência para reprimir protestos pacíficos contra essas políticas. Apesar de os salários do governo terem sido aumentados em 114% em 2023, os trabalhadores nigerianos ainda estão esperando por um novo salário mínimo mais de três meses após o vencimento do antigo.

Em Gana, a situação não é diferente. O sistema capitalista corrupto está ampliando a lacuna da desigualdade. Em 19 de junho de 2024, os ganenses saíram às ruas para protestar contra a agenda de privatização planejada. Relatórios indicam que os protestos foram desencadeados pela venda de ativos do SSNIT (Fundo de Previdência e Seguridade Nacional) a associados políticos a preços altamente reduzidos. 

Enquanto isso, na África do Sul, a crise do custo de vida atingiu duramente as massas trabalhadoras. As eleições recentes mostraram um declínio significativo no apoio ao CNA, um resultado direto de suas políticas capitalistas corruptas que empurram mais pessoas para a pobreza. 

Em Níger, Mali e Burkina Faso, houve um apoio generalizado à destituição dos governos anteriores devido a seus programas antipopulares.

A crise do capitalismo neoliberal não desaparecerá enquanto as elites governantes continuarem a seguir os ditames do imperialismo. As massas trabalhadoras da África devem se organizar para derrotar o capitalismo e estabelecer o socialismo, onde os recursos do continente são usados para melhorar a vida de seu povo. Somente uma alternativa política da classe trabalhadora pan-africana, construída com base nos princípios do socialismo, pode garantir que os recursos sejam gerenciados e controlados pelos trabalhadores para o benefício de todo o povo africano, como parte valiosa e vital de um mundo socialista. Esse é o caminho para o desenvolvimento genuíno e a libertação dos grilhões da exploração capitalista.

As mobilizações de massas contra as políticas do governo Ruto enfatizam a necessidade de uma alternativa política da classe trabalhadora. A luta contra a privatização, a tributação regressiva e a extravagância governamental é fundamentalmente uma luta contra o sistema capitalista que perpetua essas injustiças. Ao se unir sob uma bandeira socialista, a classe trabalhadora do Quênia pode forjar um caminho para um futuro em que a economia seja democraticamente controlada e administrada no interesse de muitos, não de poucos.

Os trabalhadores do Quênia devem aproveitar este momento para construir um movimento poderoso e unificado capaz de desafiar a burguesia e transformar a sociedade. A criação de um partido dos trabalhadores com uma agenda socialista clara não é apenas um imperativo político, mas uma necessidade revolucionária. Somente por meio desse esforço conjunto as massas trabalhadoras poderão alcançar a verdadeira justiça econômica e a libertação da exploração capitalista. 

De fato, a Alternativa Socialista Internacional (ASI) existe com esse propósito singular, de despertar a consciência das massas trabalhadoras e da juventude da classe trabalhadora em todo o mundo, para que assumam a tarefa de fornecer a direção e o programa para derrubar o capitalismo. Com a agitação e o protesto contínuos e generalizados contra o FMI/Banco Mundial, há claramente a necessidade de unir todas essas lutas em uma base organizacional e programática. O inimigo não é diferente, são as mesmas forças do imperialismo do Ocidente (incluindo a Europa e os EUA), da China e até mesmo da Rússia, que pretendem explorar e assumir o controle dos recursos da África com o apoio total das elites dominantes africanas, em detrimento do bem-estar das massas trabalhadoras africanas. 

Essa vitória e derrota do Projeto de Lei de Finanças pela juventude da classe trabalhadora demonstra que essa mudança é possível, e é por isso que a ASI conclama os trabalhadores e a juventude da classe trabalhadora no Quênia, Gana, Senegal, Nigéria, na região do Sahel, em toda a África Subsaariana e no Magrebe a se erguerem para essa tarefa, a erguerem a bandeira do socialismo como objetivo de sua luta e a se lançarem na realização de uma revolução. Isso pode colocar em prática um sistema econômico mais justo e equitativo que fará com que a África caminhe para um futuro mais sustentável e inclusivo, livre dos grilhões das políticas capitalistas neoliberais de austeridade, cortes sociais e ataques às condições de trabalho e de vida.