“Os super-ricos estão incendiando o planeta”

CBMMS divulgação

É necessário tomar o poder do mercado para barrar o ciclo de destruição e catástrofes climáticas 

O ano de 2023 foi o ano mais quente já registrado e 2024 pode ser ainda pior, alertam os cientistas. No Brasil vivemos na pele os eventos climáticos extremos que se tornam mais frequentes por causa do aquecimento global. Enquanto o Rio Grande do Sul ainda sofre os efeitos das enchentes históricas dos últimos meses, a seca e incêndios no Pantanal chegaram mais cedo e podem superar o ano catastrófico de 2020, quando um terço do bioma foi perdido para os incêndios florestais.

“Os super-ricos estão incendiando o planeta”, alerta a Oxfam em seu último relatório sobre o clima, “Igualdade climática: um planeta para os 99%”. É mais urgente do que nunca construir uma alternativa socialista para reverter a destruição desenfreada imposta pelo sistema capitalista, que coloca o lucro acima da vida e da natureza.

Um mundo em chamas

Os 13 meses até junho foram os mais quentes já registrados, segundo Copernicus, o programa da União Europeia que acompanha as mudanças climáticas. A média de julho 2023-junho 2024 estava 1,64°C acima da média pré-industrial. A temperatura do mar teve uma sequência de 15 meses de temperatura recorde até maio.

Esse aumento da temperatura aumenta os eventos extremos, já que o ar mais quente consegue carregar mais umidade. Isso significa chuvas mais intensas, mas também secas mais severas.

O furacão Beryl, que matou 11 pessoas na última semana, foi o primeiro a atingir a categoria 4 já no mês de junho, bem antes do pico da temporada de furacões no Atlântico Norte, que é de agosto a outubro.

Os oceanos passam também pela quarta onda global de branqueamento dos corais, a segunda da última década, com a possibilidade de ser o pior evento até agora. Isso tem grandes consequências para a vida marinha, já que as barreiras de corais são berçários de muitas espécies de peixes e outras vidas marinhas.

Morreram 1301 pessoas entre 14 e 19 de junho de calor na Arábia Saudita durante o hajj, a peregrinação anual de fiéis mulçumanos à Meca, com as temperaturas superando 50 graus na sombra. A Índia também sofre com calor extremo que vem chegando mais cedo no ano. Pelo menos 121 pessoas morreram num pisoteio durante um evento religioso no estado de Uttar Pradesh no dia 2 de julho. O local estava superlotado, com as pessoas desesperadas em busca de sombra no calor intenso. Ao final do evento se instalou um pânico com as pessoas tentando sair em busca de alívio e água. Um estudo na Índia mostra que uma diferença média de temperatura de 7,6°C entre quem mora em moradias informais e quem mora em moradias formais, uma diferença que pode significar vida ou morte. Isso por causa do material usado para a construção de barracos, como telhados de metal, falta de ventilação, além de ar condicionado e falta de vegetação que ajudam a resfriar o meio ambiente.

Mais cedo esse ano, vimos também a morte de 741 pessoas no Afeganistão e no Paquistão por causa de enchentes. Enquanto isso, a seca na região central do Chile dura mais de 13 anos, sendo a mais longa em mil anos, levando a uma grave crise hídrica.

Estudos mostram que nos anos entre 2010 e 2020, a mortalidade devido a enchentes, secas e tempestades nos países da África, sul da Ásia, América Latina e pequenos países insulares como no Caribe e no Pacífico, são 15 vezes maiores que em países ricos. 

Efeitos no Brasil

Os eventos extremos no Brasil, seja ondas de calor, seca ou chuvas extremas, se tornaram mais frequentes como parte desse contexto de mudanças climáticas.

As enchentes no Rio Grande do Sul foram a maior catástrofe climática da história do estado, com registro de 173 mortes, 442 mil que tiveram que sair de suas casas e no total 2,3 milhões de pessoas foram afetadas. Atingiu 478 dos 497 municípios gaúchos com inundações, quedas de barreiras e deslizamentos de terra.

Os incêndios no Pantanal começaram mais cedo, registrando o pior primeiro semestre dos últimos 26 anos, quando começaram as medições. Os números ultrapassaram o mesmo período do ano de 2020, que levou às piores queimadas da série histórica e destruíram um terço do bioma.

Marina Silva, ministra do meio ambiente, declarou que 85% dos incêndios que afetam o Pantanal estão acontecendo em terras privadas, indicando que são incêndios provocados intencionalmente.

O Pantanal é a maior área úmida continental do mundo, mas vem secando. A superfície úmida ficou 61% abaixo da média em 2023 e a situação piorou em 2024. O principal rio da região, o rio Paraguai, está 68% abaixo do esperado para a época.

O Cerrado, que é o segundo maior bioma do país, tem sofrido muito com o desmatamento, sendo a principal fronteira de expansão do agronegócio. O Cerrado passa agora pela pior seca em 700 anos, segundo estudo da USP, aumentando o risco de desertificação.

As autoridades alertam também para uma nova seca severa na Amazônia. No ano passado os rios tiveram seus níveis mais baixos desde o início das medições em 1902, quando 500 mil pessoas foram afetadas. Os níveis não se recuperaram desde então e a chuva tem sido abaixo do esperado. Isso pode afetar o abastecimento de comunidades isoladas, onde os rios são os únicos meios de transporte. Segundo um estudo da World Weather Attribution (WWA), a probabilidade de ocorrência de seca meteorológica na Amazônia aumentou em dez vezes, enquanto a de seca agrícola aumentou em 30 vezes. 

Segundo um estudo publicado na revista científica Nature, 10% a 47% da floresta amazônica, onde se encontra 10% da biodiversidade do planeta, corre o risco de se transformar em uma savana até 2050.

Mudanças climáticas agravam a crise dos preços de alimentos

As mudanças climáticas têm efeitos graves sobre a produção de alimentos, o que gera aumento dos preços. Na Argentina, a safra de soja e de trigo do ano passado caiu pela metade por causa da seca e esse ano ainda não deve se recuperar plenamente. A produção de azeite de oliva na Espanha, o maior produtor no mundo, caiu pela metade no ano passado, o que levou a mais do que o dobro dos preços.

Na África, a produtividade agrícola diminuiu 34% desde o início dos anos 1960, em grande parte devido a mudanças climáticas. O lago Chade, um dos maiores da África, tem perdido 90% de sua superfície desde os anos 1960, devido às mudanças climáticas, desvio de água para irrigação e a pressão populacional, afetando os 30 milhões que vivem na região.

Enquanto 783 milhões de pessoas passam fome no mundo, os bilionários do setor de alimentos do mundo aumentaram suas riquezas em 45% entre 2020 e 2021. A gigante Cargill teve um crescimento no lucro de 63%, lucrando quase US$5 bilhões, o maior lucro dos 158 anos da empresa.

Quem são os culpados

As mudanças climáticas estão ficando cada vez mais evidentes e difíceis de negar. Uma pesquisa do Datafolha divulgada no dia 2 de julho mostrou que 97% da população dizem perceber os efeitos das mudanças climáticas.

Por isso, a principal narrativa das grandes empresas, repetida constantemente na grande mídia, não é a de negar o problema (como muitos da extrema-direita fazem), mas de dizer que somos todos culpados, e que cada um tem que fazer a sua parte. Se todo mundo reciclar, tomar banhos mais curtos e pensar como reduzir sua pegada de carbono, podemos salvar o planeta. Embora essas medidas sejam importantes, elas terão um efeito marginal, já que o grande problema vem da produção das grandes empresas, da extração predatória das riquezas naturais, e do consumo gigante dos super-ricos.

Segundo o relatório da Oxfam, em 2019, os 1% mais ricos eram responsáveis pelo mesmo grau de emissões de poluentes que 66% da população mundial, ou 5 bilhões de pessoas. “As pessoas, empresas e países com maior riqueza estão destruindo o mundo com suas enormes emissões de carbono. Ao mesmo tempo, as pessoas que vivem na pobreza, que sofrem marginalização e os países do Sul Global são os mais afetados”, diz o relatório.

Uma análise de 125 bilionários da Oxfam de 2022 chegou à conclusão que cada um deles, em grande parte por causa de seus investimentos, eram em média responsáveis por um milhão de vezes mais emissões de poluentes que a média de alguém que se encontra nos 90% mais pobres da humanidade.

Um outro estudo mostra que somente 100 empresas do setor fóssil (petróleo, carvão e gás) foram responsáveis por 71% das emissões de carvão na atmosfera desde 1998. São empresas altamente lucrativas com enorme poder político.

As 700 maiores empresas do mundo fizeram um lucro anual de mais de 1 trilhão de dólares em 2020 e 2021, lucrando com aumento de preços e juros. Desses, 45 empresas (6% das empresas) do setor de energia lucraram 237 bilhões de dólares (24% do total) em média a cada um desses anos.

Falsa transição e maquiagem verde

Apesar de falar muito de “transição verde” em eventos como as COPs, os investimentos em combustíveis fósseis continuam a pleno vapor.

Segundo o relatório “Banking on climate chaos” (“Bancando o caos climático”), os 60 maiores bancos privados do mundo financiaram a extração de combustíveis fósseis com US$6,9 trilhões nos oito anos após a assinatura do Acordo de Paris em 2015.

A luta contra a exploração de novas fontes de petróleo, que além de aumentar a emissão de gases estufa ameaça o meio ambiente, continua sendo central. 

No Equador, 59% dos eleitores aprovaram em um referendo em agosto de 2023 uma proposta de interromper a extração de petróleo no Parque Nacional Yasuní, uma área protegida da Amazônia, após uma longa luta dos povos originários. Foi dado um ano para desmontar as instalações, mas o presidente bilionário Daniel Noboa não parece interessado em cumprir o prazo.

No Brasil, Lula voltou a defender a exploração de petróleo na região da foz do rio Amazonas, que foi barrada até agora pelo Ibama. “Mas nós não vamos jogar fora nenhuma oportunidade de fazer esse país crescer”, disse ele em um evento com empresários árabes em junho. O Brasil é hoje o oitavo no mundo na produção de petróleo. Em março de 2023, Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, anunciou planos para escalar a produção nacional e tornar o Brasil o quarto maior produtor global.

É falso colocar essa contradição entre a preservação do meio ambiente e avanço social. Quando o pré-sal foi descoberto, ele foi lançado como a solução para investimentos sociais, como educação e saúde, mas que não se realizaram. Agora se diz necessário explorar o “novo pré-sal”. O que vimos foram enormes quantias sendo pagas a acionistas em forma de dividendos, enquanto o Brasil continua sendo um país com baixo nível de investimentos e a desindustrialização continua. O país se mantém preso na lógica neocolonial de fornecimento de matérias primas para os países ricos. Para romper essa lógica, seria necessário enfrentar o grande capital nacional e internacional, algo que Lula não está disposto a fazer. Ao contrário, ele tenta chegar a algum acordo e conciliar com o crescente apetite e poder econômico desses setores, como a poderosa bancada ruralista, que recebeu o maior plano safra da história, em detrimento da saúde, educação ou aumento salarial de servidores mal-pagos. 

A lógica do mercado, onde o lucro é o motor, é que se não há lucro a buscar, não há investimento. Se há lucro, o investimento é caótico, sem planejamento, e quem sofre novamente são trabalhadores, pobres e o meio ambiente, mesmo em nome de salvar a natureza.

Veja agora a corrida para expandir a produção de energia renovável. Em um evento na Arábia Saudita em novembro de 2023, Lula disse: “Daqui a dez anos o mundo vai dizer que, se a Arábia Saudita é o país mais importante na produção de petróleo e gás, o Brasil será chamado de a Arábia Saudita da energia verde, renovável.”

De fato, o Brasil tem grande potencial e é agora o quarto maior produtor de energia eólica, depois da China, EUA e Alemanha. Mas a forma como está sendo feita essa rápida expansão está tendo grandes efeitos, especialmente no Nordeste. Muitas vezes os parques eólicos são instalados perto da casa das pessoas, que são afetadas pelo ruído constante, e comprometendo sua saúde. Segundo o MapBiomas, também está sendo desmatamento no cerrado e na caatinga para a construção dos parques eólicos.

Segundo a Aneel, só no Rio Grande do Norte são previstos 488 parques eólicos com 4830 torres e a instalação de 531 parques solares. Somente os parques eólicos construídos até agosto de 2023 já detém 262 mil hectares, equivalente a 5% do território potiguar.

Foi fundado um movimento, Movimento dos Atingidos por Renováveis, para travar a luta para a implementação de parques que não prejudicam a população e o meio ambiente, uma iniciativa importante.

COPs – circo itinerante de maquiagem verde

As COPs, as cúpulas do clima da ONU, têm se mostrado totalmente incapazes de realizar qualquer mudança substancial. Se os governos já não representam o bastante o interesse de grandes empresas, elas participam diretamente como patrocinadoras ou mesmo como delegadas, para frear qualquer compromisso que ameace seus lucros. A COP24 na Polônia em 2018 teve como principal patrocinadora a indústria do carvão. Na COP26 na Escócia em 2021, a indústria dos combustíveis fósseis teve 500 delegados. Após os grandes protestos desta COP, onde a ASI teve uma presença importante, as seguintes COPs foram realizadas em países onde protestos são proibidos. A COP27 foi no Egito e a COP28 foi em Dubai, um grande produtor de petróleo! A COP29 deste ano, será em Azerbaijão, também um país com um regime autoritário e um dos berços da indústria do petróleo. A produção de gás e petróleo é responsável por metade do PIB e mais de 90% das exportações do país. A região de Baku, capital do país onde será a COP, é “a área ecologicamente mais devastada do mundo”, segundo cientistas locais. 

No ano que vem a COP30 será em Belém do Pará. Nem se o atual prefeito do PSOL, Edmilson Rodrigues ganhar a reeleição, o que parece improvável, isso irá mudar o caráter do evento de ser um festival caro e que não levará a mudanças reais. A esperança está nos protestos e no encontro dos movimentos, que precisa fortalecer a unidade da luta dos povos originários, movimentos sociais, sindicatos e partidos de esquerda em uma luta que enfrenta de cara os interesses das grandes empresas e o sistema capitalista, e em defesa de uma alternativa socialista.

Quem banca a transição

Parte do Acordo de Paris foi a promessa de um fundo para ajudar os países pobres com a transição energética e para lidar com os efeitos das mudanças climáticas. Porém muito pouco tem sido entregue de fato, especialmente se comparamos com os trilhões transferidos para empresas que extraem combustíveis fósseis, para salvar bancos e grandes empresas nas crises, os lucros dessas mesmas empresas, ou com o aumento nos gastos militares e guerras no mundo.

Enquanto isso, a exploração dos países pobres continua a ser muito maior do que qualquer ajuda. Em 2021, os países africanos gastaram 236 vezes mais com serviço das dívidas externas (juros e amortizações) do que com adaptação climática.

Qualquer justiça climática só será possível com o cancelamento das dívidas externas dos países pobres e reversão da lógica neocolonial e imperialista. Para isso é necessário a construção de uma luta internacional coordenada, envolvendo trabalhadores do mundo inteiro.

Aprofundamento da disputa interimperialista e do neocolonialismo

Há aqueles que esperavam que os investimentos da transição verde abrissem um novo caminho para o crescimento econômico, uma nova era dourada. O que vemos na verdade é como a “transição verde” se tornou mais um elemento para aprofundar o conflito e o protecionismo entre os dois blocos imperialistas liderados pelos EUA e China. Esse conflito inclui a corrida para assegurar reservas de minérios importantes para as novas tecnologias, agravando a exploração de países pobres. 

A China produz 60% e processa 90% dos minerais “terras raras”. Empresas chinesas também controlam 80% da produção do cobalto da República Democrática do Congo, de onde vem 74% da produção mundial. O minério é usado na produção de baterias recarregáveis. O Congo sofre por constantes conflitos armados e segundo a ONU, 40 mil crianças trabalham nas minas de cobalto só na província de Katanga, em condições perigosas.

O lítio é um elemento chave para a produção de todos os tipos de bateria e o controle das reservas é algo estratégico. Hoje, 88% da produção é concentrada na Austrália, Chile e China. Porém, a maior reserva do mundo está na Bolívia, que tem 25% das reservas conhecidas. A produção ainda é baixa no país, mas recentemente a estatal boliviana Yacimientos de Lítio Boliviano (YLB) fechou um contrato com empresas chinesas e russas para a construção de fábricas no país, que tem o potencial de tornar o país o maior produtor do mundo. Isso tem chamado a atenção dos EUA. A general Laura Richardson, chefe do Comando Sul dos Estados Unidos, alertou que a China “continua a expandir sua influência econômica, diplomática, tecnológica, informativa e militar na América Latina e no Caribe”, durante uma apresentação perante o Comitê de Serviços Armados da Câmara de Representantes em março. 

Em maio de 2020 Elon Musk, um dos mais ricos do mundo, fez uma postagem no X (ex-Twitter) dizendo “Vamos dar um golpe em quem quisermos! Lide com isso”. A ameaça foi uma resposta a uma postagem enviada ao bilionário sobre seu interesse em impedir que o ex-presidente boliviano Evo Morales continuasse no poder. Pode parecer uma bravata, mas a disputa pelos recursos são para valer, como mostram os trilhões que os EUA gastaram nas guerras no Oriente Médio pelo controle do petróleo.

As guerras e os gigantes gastos militares são a maior expressão da natureza destrutiva desse sistema. O agravamento das disputas interimperialistas tem aumentado o risco de guerras. O ano de 2023 foi o ano com mais conflitos armados no mundo desde a II Guerra Mundial. Foram 59 conflitos envolvendo 90 países, incluindo as guerras da Ucrânia e de Gaza. 

Há também uma crescente disputa pelos mercados dos produtos finais. A China produz 80% dos paineis solares, 60% dos carros elétricos e 80% das baterias desses carros. 

A resposta de Biden pelo imperialismo estadunidense foi lançar grandes pacotes de investimentos públicos, como o “Inflation Reduction Act” (Lei de Redução da Inflação) e o Chips and Science Act (Lei de Microchips e Ciência) de mais de 400 bilhões de dólares, mas também de aumentar o protecionismo. Em maio, Biden anunciou um aumento das tarifas de importação de carros elétricos da China de 25% para 100%. No dia 4 de julho a União Europeia também implementou novas tarifas sobre os carros elétricos da China, chegando a 38%.

O mercado não é solução

Todas as tentativas de resolver os problemas ambientais através do mercado só agravam o problema, já que ele por sua natureza é predatório. Por cada pacote de investimento público onde há abertura para o mercado, vemos uma aglomeração de empresas abutres.

O mercado de carbono e outros planos semelhantes não resolvem o problema. São uma maneira de permitir as grandes empresas de continuar a poluir, normalmente em cima de uma relação neocolonial e extremamente corrupta com países pobres, como quando pagam para não derrubar uma floresta, que não deveria ser feito de qualquer forma, ou para planos de reflorestamentos muitas vezes inexistentes. 

O tratamento das catástrofes climáticas também é muito revelador. Nas enchentes do Rio Grande do Sul vimos os efeitos de anos de desregulamentação das leis ambientais e corte de investimento em prevenção. As medidas imediatas para salvar pessoas, cuidar, alimentar e dar abrigo foram feitas em sua maior parte por voluntários e em parte pelo setor público. Na medida que empresas privadas tinham algo a oferecer, era lucrando em cima da grande demanda por água, alimentos e equipamentos. 

Mas pior do que isso, as catástrofes são usadas para promover os interesses das grandes empresas. O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), contratou uma consultoria dos EUA, a Alvarez & Marsal, para ajudar a planejar a reconstrução da cidade. Essa empresa foi notória pelo seu papel depois da devastação do furacão Katrina em Nova Orleans nos EUA em 2005. Ela ajudou a implementar um plano de privatização da saúde e das escolas. 7 mil professores foram demitidos e o número de escolas públicas caiu de 123 para 4. Além disso, foi implementado um plano de gentrificação que expulsou grande parte da população negra a pobre da cidade. Não devemos esperar nada melhor dessa vez.

No momento inicial de grande comoção nacional, tudo é prometido. Mas a experiência mostra que não se deve esperar que os governos irão realmente implementar as medidas necessárias, já que não estão preparados e dispostos para tirar os recursos de onde eles estão: com os ricos, grandes empresas e bancos. Além disso, a indústria de construção civil é notoriamente corrupta e ineficaz, porém lucrativa. Em 2011, chuvas torrenciais levaram a deslizamentos que deixaram mais de 900 mortos em Petrópolis (RJ). Ainda hoje há pessoas esperando por novas casas, mais de uma década depois. Dois anos após a tragédia das chuvas com 133 mortos em Pernambuco, mais de 2 mil pessoas ainda não voltaram para casa.

Por isso é importante que haja um controle social das doações e recursos para reconstrução, através de comitês de moradores, sindicatos e movimentos sociais. A reconstrução deve ser feita através de empresas públicas, expropriando as grandes empreiteiras sob controle e gestão democrática de trabalhadores.

Planejamento democrático 

Só será possível enfrentar os gigantescos desafios colocados pelas mudanças climáticas rompendo totalmente com a lógica da economia de mercado. Hoje a produção é voltada a gerar lucros para uma pequena elite. Grande parte dessa produção é feita para cumprir uma demanda fabricada, desnecessária, nociva ou rapidamente descartada, com artigos de luxo, consumismo exagerado, obsolescência programada, ou pior, os gigantes gastos com armas de destruição.

Será necessário colocar todos os recursos a serviço para adaptar a sociedade às mudanças que já aconteceram e começar a restaurar os danos. Isso é possível de fazer se os recursos da sociedade são colocados a favor do cumprimento das reais necessidades sociais e do meio ambiente.
Os recursos naturais, como minerais, água e vegetação nativa não podem estar a serviço de exploração privada por lucro e sim ser vistos como bens comuns que devem ser extraídos o mínimo possível, com o máximo de reaproveitamento. Hoje os lixões e oceanos enchem de plástico e outros resíduos, porque é mais barato fabricar novos do que reciclar.

Mas não é suficiente os recursos serem sob controle de empresas estatais que funcionam na lógica do mercado, como a Petrobras. É necessário que as empresas estatais sejam colocadas sob o controle e gestão democráticos dos trabalhadores e incorporadas em uma planificação democrática da economia. Isso vale para as grandes empresas de outros setores que controlam a economia e consomem enormes recursos, que precisam também ser parte de um plano democrático: setor do transporte, agronegócio, construção civil, os gigantes do setor de consumo, seja produtos eletrônicos, eletrodomésticos, móveis, alimentos e outros. Estatizando as grandes empresas, junto com o setor financeiro e bancos, é possível romper a lógica do mercado e o poder da pequena elite que hoje impõem seus interesses sobre o resto da população. Aí a produção poderá começar a ser voltada às necessidades da grande maioria, não do lucro de uma pequena elite, e os nossos conhecimentos, tecnologias e bens comuns podem ser usados para começar a restaurar os danos que séculos de capitalismo causou no planeta. 

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