Uma campanha de esquerda e combativa para derrotar a direita em São Paulo

A possível eleição de Boulos para a prefeitura da maior cidade da América Latina tem tudo para ser um momento realmente histórico. Mas para isso acontecer, a campanha do Boulos não pode repetir os erros do passado. 

A campanha de 2020 levou Boulos e o PSOL para um novo nível quando, contrariamente às expectativas iniciais, ele chegou ao segundo turno. Naquele momento, Bruno Covas do PSDB usou a máquina pública e seu sobrenome para se manter na Prefeitura. Mesmo assim, aumentaram as expectativas ao redor do nome do Boulos e o PSOL foi visto como um partido com mais capacidade e projeção nacional. No mesmo ano o partido ganhou a prefeitura de Belém com Edmilson Rodrigues. 

O que foi que fez aquela campanha diferente? Existiram uma série de fatores que ajudaram naquela época. O candidato do PT, Jilmar Tatto, era pouco conhecido, sem expressão e quem conhecia não era fã dele. Isso abriu espaço no eleitorado de esquerda, que Boulos preencheu. Mas só isso não seria suficiente para levá-lo ao segundo turno. 

O que mobilizou tanta gente naquela época, principalmente a juventude, foi o perfil de um candidato novo, diferente e que não era visto como parte do sistema. Boulos não era visto como mais do mesmo, ou só uma opção menos pior. Havia a esperança de que seria um candidato que iria fazer as coisas de uma forma diferente. 

A razão disso é a própria trajetória de Boulos. O que se conhecia dele era que ele era líder de movimento social, que estava à frente das lutas contra o golpe de 2016 e depois contra o governo ilegítimo de Temer. Foi visto também como quem mais enfrentou Bolsonaro diretamente durante a campanha presidencial de 2018, inclusive com um programa mais à esquerda. 

Perfil de luta

Esse perfil mais radical empolgou trabalhadores e jovens que procuravam algo diferente. Sim, também houve uma boa campanha de marketing digital que ampliou mais seu perfil e também a necessidade de combater fake news e as distorções da grande mídia que queria pintar Boulos como um invasor de prédios. Mas foi justamente o seu perfil de quem luta, enfrenta a extrema direita nas ruas e que é mais radical mesmo que ganhou uma camada importante para sua campanha. 

Desde então o que aconteceu tem sido um afastamento cada vez maior desse perfil. No segundo turno da campanha de 2020 já houve acenos preocupantes para tentar parecer mais palatável a setores mais conservadores, incluindo aproximações com algumas figuras empresariais e um rebaixamento do programa. Esse processo se acelerou e se aprofundou com a aproximação com Lula.

Hoje Boulos é a maior expressão da profunda mudança que ocorreu no PSOL nos últimos anos. Em seus últimos congressos, o PSOL tem se alinhado mais com o PT, chegando a abrir mão de candidaturas próprias para presidente, governadores e até senadores em 2022 em nome de uma frente amplíssima. 

Já escrevemos em outros artigos como essa trajetória do PSOL tem levado o partido cada vez mais longe do seu sentido original, de ser uma alternativa de esquerda consequente à hegemonia do PT. Cada vez mais o PSOL se diferencia menos do PT e se aproxima da lógica da conciliação de classes desse partido. 

Nas últimas eleições foi feito o acordo em SP para que Boulos retirasse sua candidatura a governador e apoiasse Haddad (que perdeu para o bolsonarista Tarcísio de Freitas) e em troca o PT abriria mão de lançar uma candidatura à prefeitura. Isso de fato aconteceu, mas de que forma está sendo construída essa campanha? 

“O candidato pode ser de vocês mas a campanha é nossa” 

Uma variação dessa frase já foi ouvida mais de uma vez nos bastidores de eventos da campanha do Boulos. O PT não é um partido que gosta de ameaças à sua hegemonia e o que é claro é que eles nunca iriam realmente abrir mão totalmente da maior prefeitura da América Latina. A coordenação da campanha tem metade dos seus integrantes do PT e agora foram eles (na verdade, Lula) que escolheram Marta Suplicy como candidata a vice, trazendo-a de volta para o PT. 

Boulos, por sua vez, tem tentado cultivar um perfil cada vez mais ao “centro”. A aceitação da Marta como vice é a mais alta expressão disso e aponta para um caminho extremamente problemático. Mas já havia outras indicações, como a contratação do marqueteiro Lula Guimarães, que já trabalhou nas campanhas de João Doria (2016) e Geraldo Alckmin (2018) e que é sócio da Benjamin Comunicação, agência contratada pelo iFood para atuar contra a mobilização de entregadores em 2020. 

Junto com isso, ele tem tentado se afastar da imagem de “radical” falando mais sobre ser uma pessoa do diálogo, que tem boas relações com figuras como o Datena ou até João Dória e falando que não é contra as parcerias público-privadas “que sejam boas para a cidade e para os cidadãos”. Tudo isso é colocado como tática para poder garantir uma vitória seguindo a ideia de que a “esquerda não tem voto suficiente”. Mas na prática é a lógica do marketing, que só afasta mais Boulos das lutas e começa a entrar no jogo do sistema. 

Já estamos vendo isso acontecer de certo modo. Boulos, corretamente, enfatiza ser contra a privatização da Sabesp e também do serviço funerário de São Paulo. Mas é difícil achar menções nas suas redes sociais sobre as históricas greves unificadas dos trabalhadores do saneamento junto com metroviários e trabalhadores da CPTM que ocorreram no ano passado. Também não menciona o plebiscito popular organizado por sindicatos e movimentos sociais contra as privatizações.

Evitando temas polêmicos

Essa preocupação em não entrar em temas demasiado polêmicos para um potencial eleitorado ficou evidente em seu silêncio e vacilações diante dos ataques da mídia e da direita à fala de Lula sobre o genocídio em Gaza e sua comparação desse massacre com aquel promovido or Hitler contra o povo judeu. 

Todos que acompanham Boulos na sua trajetória sabem que ele sempre defendeu a causa Palestina e já visitou Gaza e a Cisjordânia. Mas isso mostra o perigo da lógica “pragmática” e puramente eleitoral. O medo de parecer radical demais começa a levar a uma adaptação ao sistema e a abrir mão daquilo que mais fez renascer esperanças de um amplo setor. É um perigo antigo que já vimos se repetir ao longo da história e que mais recentemente levou às atuais crises de governos mais progressistas da América Latina, como o de Boric no Chile. 

Porém o alerta mais gritante vem do próprio PSOL e da prefeitura de Belém, onde Edmilson é o prefeito  com a pior avaliação entre todas as capitais do país. Inúmeros problemas, entre eles a crise da falta de recolhimento do lixo, a falta de pagamentos de servidores públicos, incluindo da saúde e da educação, levando a greve e manifestações, vem do fato que a gestão de Edmilson não enfrentou o sistema na cidade, mas buscou adaptar-se a ele. Não tocou, por exemplo, nas parcerias públicas e privadas (PPPs) e organizações sociais (OSs) que colocam a privatização dentro do setor público de uma forma indireta mas também desastrosa. 

Resgatar a origem radical

Por enquanto, ainda há tempo. É necessário tirar lições das experiências históricas da frente ampla e desse tipo de adaptação. Boulos ainda é reconhecido como quem luta contra a desigualdade, ainda tem atuação nas periferias e em outras ocasiões ainda fala sobre a importância da disputa nas ruas contra a extrema direita. Muitos ainda lembram da imagem de alguém que luta e isso precisa ser mais destacado, não menos. 

Há lutas importantes acontecendo em São Paulo, no país e no mundo e elas precisam ser apoiadas com destaque para mostrar que essa campanha também está a serviço das lutas e não o contrário. Mas para fazer isso, o PSOL e Boulos tem que voltar às suas origens radicais. 

Para realmente derrotar a extrema direita é necessário construir uma luta mais ampla nas ruas e apresentar uma verdadeira alternativa armada com um programa socialista. 

É necessário um programa de luta e ruptura

Um programa que inclui barrar e revogar todas as privatizações para que tenhamos equipamentos 100% públicos mas também controlado pelos trabalhadores e usuários, incluindo o transporte público moderno e com tarifa zero. Acabar com os projetos de PPPs e OSs, garantindo os empregos dos trabalhadores terceirizados mas com todos os direitos e estabilidade de concursados. Um programa de construção de moradia popular pública incluindo a expropriação e reforma de imóveis vazios. Mais investimento na educação e saúde públicas para melhorar as condições para servidores públicos, alunos e usuários. E a taxação de grandes fortunas para financiar esses programas e outros. 

Assim podemos começar a enfrentar esse sistema e construir uma alternativa socialista que pode mudar a vida das pessoas e começar a enfrentar esse sistema podre que nos explora e oprime. 

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