Capitalismo significa cada vez mais desigualdade e concentração de riqueza e poder!

Daniel Oberhaus, 2019

“Desde 2020, os cinco homens mais ricos do mundo duplicaram suas fortunas. No mesmo período, quase cinco bilhões de pessoas em todo o planeta ficaram mais pobres… No ritmo atual, serão necessários 230 anos para acabar com a pobreza, mas poderemos ter o nosso primeiro trilionário em 10 anos.”

Assim começa o mais recente relatório da Oxfam, uma rede de ONGs que trabalha contra a pobreza, fome e desigualdade no mudo. O relatório, sob o título “Desigualdade S.A.” traz um retrato preciso do mundo capitalista de hoje, mostrando como “uma imensa concentração do poder das grandes empresas e monopólios em nível global está exacerbando a desigualdade em toda a economia”.

O relatório é uma ótima leitura para entender os mecanismos onde a política neoliberal tem aumentado a concentração da riqueza e dos monopólios, que usam seu poder para aprofundar as políticas que os favorecem.

Crescimento da desigualdade

O 1% mais rico do mundo tem 43% de todos os ativos financeiros globais. O aumento da concentração da riqueza está ligado desde os anos 1980 à política  de reduzir os impostos para os mais ricos e as empresas. Os impostos sobre empresas nos países que compõem a OCDE caíram de 48% em 1980 para 23,1% em 2022, uma redução pela metade.

Ao mesmo tempo vimos um aumento da exploração do trabalho no mundo, um forte crescimento dos lucros e uma economia dominada cada vez mais por um punhado de empresas gigantes. 

As maiores empresas tiveram um salto de 89% nos seus lucros em 2021 e 2022 e a expectativa é que 2023 deve bater todos os recordes. Diferentemente da propaganda oficial, de que os lucros são bons para todos permitindo investimentos e geração de empregos, o relatório mostra que 82% dos lucros vão diretamente para os bolsos dos acionistas, em grande maioria já ricos. Esses dividendos são taxados bem menos que o salário dos trabalhadores. No caso do Brasil, o imposto sobre dividendos é zero. Segundo estimativas, 1 trilhão de dólares foram transferidos para paraísos fiscais somente em 2022.

Isso vem junto com o crescimento global de monopólios em praticamente todos os setores. No setor farmacêutico, em duas décadas, 60 empresas se fundiram em apenas dez gigantescas companhias globais. Do mesmo modo, somente duas empresas detêm hoje mais de 40% do mercado de sementes no mundo, comparado com 10 há 25 anos.

A Apple e Microsoft têm um valor superior ao PIB da França, a sétima economia do mundo. As cinco maiores empresas do mundo têm um valor conjunto maior que o PIB combinado de todos os países da África, da América Latina e do Caribe!

Isso leva a um enorme poder não só nas mãos de poucas empresas. Essas são controladas por um punhado de indivíduos. Sete das dez maiores empresas cotadas nas bolsas de valores no mundo têm um bilionário como CEO ou acionista principal . Junto com isso vem o crescimento de gigantes fundos de investimentos, onde as três maiores gestoras controlam 20 trilhões de dólares em ativos, equivalente ao PIB da China! O relatório cita pesquisas da universidade de Harvard que sustentam que o poder desses fundos é tão concentrado que “em um futuro próximo, cerca de 12 indivíduos terão poder, na prática, sobre a maioria das empresas de capital aberto dos EUA”.

O relatório cita o bilionário Mark Zuckerberg dizendo que “em muitos aspectos, o Facebook parece mais um governo do que uma empresa tradicional”. 

O relatório mostra como essa desigualdade é baseada numa exploração de classe combinada com a opressão de mulheres, pessoas negras, etc., junto com a exploração neocolonial de países pobres. Alguns exemplos do relatório:

  • Em termos globais, os homens possuem 105 trilhões de dólares em patrimônio a mais do que as mulheres – a diferença é equivalente a mais de quatro vezes a economia dos Estados Unidos.
  • Nos Estados Unidos, o patrimônio de uma família negra comum equivale a apenas 15,8% ao de uma família branca comum. No Brasil, em média, o rendimento dos brancos é mais de 70% superior à renda de pessoas negras. 
  • Levaria 1.200 anos para uma trabalhadora dos setores de saúde (na média global) ganhar o que um CEO de uma das 100 maiores empresas da lista da Fortune ganha em média por ano.

A desigualdade global entre o Norte e o Sul do planeta cresceu pela primeira vez em 25 anos. Os países mais pobres continuam sendo forçados a implementar cortes em saúde, educação e outros serviços públicos para garantir o pagamento de suas dívidas externas. “As economias de todo o Sul Global estão presas à exportação de produtos primários, do cobre ao café, para uso pelas indústrias monopolistas do Norte Global, perpetuando um modelo ‘extrativista’ de estilo colonial”, constata o relatório.

Privatizações

O relatório também mostra como as privatizações têm sido um mecanismo imposto para abrir um mercado lucrativo e redistribuir renda para os mais ricos. Para compensar a perda de receita com a diminuição de impostos pago pelos ricos e empresas, os governos aumentam os impostos sobre consumo, que pesa mais para os mais pobres, e cortam nos gastos com serviços públicos que ajudariam a reduzir a desigualdade. Tudo isso serve como argumento para privatizar. Mas como diz o relatório: 

“Apesar da promoção da privatização como medida de redução de custos, muitos sistemas contemporâneos, como as PPP e a terceirização, podem ser altamente dispendiosos para o Estado e exigir que os contribuintes garantam os lucros do setor privado.

Uma análise recente de 51 empresas que receberam contratos públicos nos Estados Unidos concluiu que elas gastaram quase 160 bilhões de dólares em recompras de ações entre 2020 e 2023, o que significa que o dinheiro dos contribuintes estava, na verdade, enchendo os bolsos dos acionistas ricos.”

Crise climática

“A busca das empresas por lucros de curto prazo levou o mundo à beira do colapso climático, à medida que os combustíveis fósseis continuam construindo fortunas para muitos dos super-ricos”, constata o relatório.

Apesar de promessas de “transição verde”, os investimentos em atividades de baixo carbono representam menos de 1% das despesas das empresas de petróleo e gás. A Petrobras fez um lucro recorde de 30,3 bilhões de dólares entre julho de 2022 e junho de 2023, mas distribuiu mais do que isso aos acionistas!

Segundo uma análise da Oxfam de 2022, os 125 bilionários mais ricos do mundo emitem em média, através dos seus investimentos, mais de um milhão de vezes mais CO2 do que  as emissões médias de alguém entre os 90% mais pobres da humanidade.

Qual é a saída?

O relatório cita uma série de medidas para lidar com essa situação: aumentar o poder do Estado e de políticas públicas, aumentar a taxação dos ricos e empresas e romper os monopólios, como já foi feito no século passado. Todas essas medidas são positivas, mas é necessário ir além e enfrentar as estruturas do sistema que é baseado na propriedade privada da economia.

O relatório diz que “A extrema desigualdade de poder gerada pelos monopólios privados é uma forma de corrupção que impulsiona a desigualdade econômica”. Mas na verdade esse processo é parte do sistema. Marx mostrou na sua análise do capitalismo como o livre mercado e concorrência tem como consequência o surgimento de monopólios, do mesmo modo que a concentração de riqueza em um polo surge junto com o crescimento da pobreza no outro. Não há capitalismo sem desigualdade, exploração, opressão e injustiças. A disputa por controle de recursos naturais, mercados e poder econômico, num mercado mundial limitado, leva a um acirramento de conflitos e, em última instância, a guerras, com a nova guerra fria entre EUA e China sendo a marca do período em que vivemos. 

Não basta sonhar em voltar a um período onde existia, em alguns países, um estado de bem estar social com menos desigualdades. Essas reformas foram resultado de crises profundas junto com lutas históricas, revoluções, onde a classe dominante cedeu alguns anéis para não perder os dedos. Mas não impediu que novos monopólios e desigualdade ressurgissem no período neoliberal, atingindo novos níveis históricos.

O relatório menciona o ressurgimento de manifestações e greves de trabalhadores como um fator positivo, e defende um combate às políticas antissindicais. Isso é muito importante, já que é a luta da classe trabalhadora multigênero e multiétnica que, em toda sua diversidade, tem o potencial de unir as lutas contra a exploração e contras as opressões em uma luta que possa desafiar o próprio sistema. Mas para isso é necessário também uma alternativa política, armada com um programa socialista, para pôr um fim a esse sistema baseado na propriedade e no lucro de uma pequena elite, às custas da maioria da população e das condições de vida no planeta.