Bolivia na encruzilhada – Avançar ao socialismo ou a luta boliviana irá fracassar

Nas eleições de dezembro de 2009 e abril de 2010, mais uma vez as massas bolivianas oprimidas mostraram seu desejo de uma mudança fundamental para erradicar os profundos problemas que continuam a assolar esse país.  

O povo deu uma enorme vitória a Evo Morales, que ganhou a presidência com 64% dos votos e o Movimento Ao Socialismo (MAS) ganhou o controle absoluto do Senado e da Câmara dos Deputados, enquanto elegia governadores em 6 dos 9 departamentos e prefeitos em 196 dos 337 municípios. 

Em parte, isso foi uma demonstração de aprovação das mudanças dos anos recentes: as nacionalizações parciais das indústrias do gás, telecomunicações e eletricidade, que aumentaram enormemente as rendas do Estado e tornaram possíveis toda uma série de programas sociais pró-pobres. Esses programas incluem um aumento substancial do seguro social e aposentadorias, subsídios para crianças na escola e mulheres grávidas, e um programa de alfabetização, que, segundo a ONU, erradicou o analfabetismo na Bolívia. 

Não obstante, apesar destas reformas, a taxa de pobreza entre as massas continua a mesma, com mais de 60% da população vivendo com $2 ou menos por dia, e as corporações multinacionais, a elite empresarial e grandes latifundiários continuam a pegar a parte do leão das imensas riquezas naturais da Bolívia. 

Acima de tudo, a vitória eleitoral do MAS foi um voto a favor de um futuro melhor baseado em mudanças fundamentais.

Contudo, na essência, o governo do MAS está buscando o caminho de um partido tradicional, buscando consolidar seu poder através de pactos com a oposição de direita, uma mistura de reformas populistas com políticas neoliberais, e o fortalecimento da burocracia do Estado. 

Após numerosos sucessos eleitorais e vitoriosos movimentos de massa, a luta boliviana se encontra numa encruzilhada: ou mobilizamos as massas para avançar ao socialismo ou a tendência à burocratização e à direita irá se aprofundar, causando a derrota da luta boliviana.

Pactos com a direita e a burocratização do governo e sindicatos levarão à derrota da luta boliviana

Recentemente, o MAS continuou com os pactos com a direita, iguais aos que vimos em dezembro, com as alianças com setores empresariais e antigos líderes da Juventude de Santa Cruz (um “grupo de choque” ultra-direitista, semifascista) e em abril, com os candidatos de direita como Robert Fernandez, um direitista multimilionário que foi candidato a prefeito do MAS em Santa Cruz. Agora, há mais pactos, já que os partidos políticos lutam pelo controle das câmaras municipais. 

No processo, o governo do MAS se tornou cada vez mais burocratizado, formando esses pactos e também nomeando numerosos candidatos sem qualquer participação da base do partido. 

Os líderes sindicais e camponeses que agora se encontram dentro do governo também jogam um papel conservador. A direção nacional da Central Operária Boliviana (COB) demonstrou isso durante uma luta recente de trabalhadores por um aumento salarial decente. 

Originalmente, a proposta do governo do MAS incluía não apenas um magro aumento salarial de 5%, mas também incluía reformas na lei trabalhista que eliminavam o direito dos trabalhadores do setor público de entrarem em greve. Incrivelmente, a direção nacional da COB originalmente estava preparada para aceitar essa proposta até que os sindicatos mais independentes e radicais de operários de fábrica, professores e da saúde resistiram, forçando os líderes nacionais a apresentar alguma luta, chamando uma greve geral indefinida mas depois não fazendo nada para garantir seu sucesso. 

Eles não mobilizaram sua base, não produziram e distribuíram materiais explicando as demandas dos trabalhadores para ganhar o apoio da população geral, nem tentaram ligar a luta dos trabalhadores com outros setores indígenas camponeses atualmente em luta. Não organizaram piquetes, bloqueios, nada. Eles apenas chamaram uma greve geral e esperaram por seu inevitável fracasso para justificar um acordo revisado com o MAS.

No fim, graças às mobilizações dos trabalhadores da saúde, de fábrica e professores, o ataque ao direito de greve foi derrotado, mas o aumento salarial de 5% passou. A necessidade de uma direção sindical que queira preparar a classe trabalhadora para lutar baseando-se na democracia pela base, independência de classe e socialismo ficou clara como cristal. 

Em termos de economia, há profundas contradições entre o discurso anticapitalista de Morales e o respeito aos contratos com as corporações multinacionais, nos setores mineiro e de gás em particular. Por exemplo, apenas em 2006-2009, as corporações multinacionais mineiras tiraram estimados US$ 4,4 bilhões de lucros registrados das minas bolivianas (os lucros reais podem ser o dobro do que diz o governo boliviano), enquanto pagaram apenas US$ 250 milhões em impostos – menos de 5%. 

A busca do governo por novos contratos com companhias mineiras multinacionais, como a Jindal da Índia, enquanto ao mesmo tempo Morales faz discursos anticapitalistas e convoca conferências internacionais para lutar contra a crise ambiental, também realça a natureza contraditória do governo do MAS. 

O governo justifica suas ações como parte de uma “estratégia” para realizar uma mudança democrática e pacífica, mas na verdade está jogando um bote salva-vidas para a oposição de direita, que já foi derrotada nas Guerras do Gás em 2003 e 2005 (quando dois governos neoliberais foram derrubados pelos movimentos de massa) e em setembro de 2008 (quando um violento movimento separatista de direita foi derrotado pelas mobilizações de massa) e que ainda pode ser derrotada por movimentos de massa armadas com um programa socialista. 

De outro lado, com a atual “estratégia” do MAS, a direita sobrevive, mantendo seu poder econômico e presença política. Ao mesmo tempo, as massas estão desmobilizadas, não sentem mudanças concretas, e a frustração e divisão estão crescendo. 

Isso é especialmente perigoso porque no momento em que os movimentos sociais enfraquecerem, a resposta da oposição de direita não será nem “democrática” nem “pacífica”. Ela irá recuperar o controle e eliminará as mudanças através da repressão brutal do povo. 

Precisamos de democracia pela base e do socialismo

A luta não pode ser ganha com pactos com a direita e manobras burocráticas. Para superar essas tendências e entrar no caminho para o socialismo, precisamos de democracia pela base nos movimentos sociais. 

A base do MAS, os sindicatos, federações camponeses, as juntas vicinais e estudantes e profissionais revolucionários têm que lutar por isso. Devemos organizar assembléias populares nas principais cidades da Bolívia para estabelecer frentes para a democracia pela base dentro do MAS, sindicatos e cada um dos outros setores dos movimentos sociais. 

Uma Bolívia socialista é possível

Com seu controle sobre o aparato estatal, se o MAS se focasse na organização e mobilização dos milhões das massas oprimidas dentro de sua base, poderíamos avançar para o socialismo:

1) Podemos organizar escolas de educação socialista nas fábricas e locais de trabalho, organizações vicinais pobres, nas comunidades do interior e indígenas, e nas universidades e quartéis militares. 

2) Podemos organizá-las em comitês de luta e autodefesa para unir os setores oprimidos e garantir a democracia pela base. 

3) Podemos mobilizar os trabalhadores para nacionalizar as multinacionais e grandes negócios sob o controle democrático dos trabalhadores e do povo para orientar a produção para satisfazer nossas necessidades. 

4) Podemos mobilizar os camponeses indígenas para expropriar as terras dos grandes latifundiários sob o controle democrático dos camponeses para garantir comida para todos. 

5) Um governo socialista de trabalhadores e camponeses indígenas pode facilitar o planejamento democrático das economias boliviana, venezuelana, equatoriana e cubana e fazer um chamado a todos os outros setores oprimidos do mundo para realizarem sua própria revolução e construir um mundo justo, livre da pobreza e desigualdade. 

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