Tomar as ruas contra o novo teto de gastos e ataques aos povos indígenas e meio ambiente
Para derrotar a direita é necessário resgatar o caminho das lutas, da independência de classe e defesa de um programa socialista!
O novo teto de gastos que impõe limites para os gastos sociais, os ataques aos povos indígenas com a ameaça de que o marco temporal seja votado pelo Congresso, o esvaziamento dos ministérios do meio ambiente e dos povos indígenas, a CPI do MST que tenta criminalizar os movimentos sociais, todos são ataques que precisam ser respondidos à altura urgentemente.
O alívio sentido pela derrota de Bolsonaro nas eleições teve um fôlego curto. Isso mostra que o problema que enfrentamos não se limita à ameaça da extrema-direita, de fato extremamente perigosa, mas que, no fundo, é de todo um sistema em crise que parte para o ataque contra nossos direitos, vidas e meio ambiente.
Os poucos avanços concretos do governo Lula esbarram nos limites desse sistema e ameaçam retroceder. Vimos isso na onda de ataques nas últimas semanas, vindos tanto da extrema direita como também daquela direita que o governo tenta cultivar para supostamente garantir sua “governabilidade”.
Para enfrentar esses ataques, é necessário retomar as lutas e ir além das amarras do sistema político, econômico e jurídico. Os acordos para apaziguar a direita em nome da “governabilidade” só abrem caminho para novas derrotas.
Em país após país da América Latina vemos o fracasso das tentativas de governos de “esquerda” ou “progressistas” tentando administrar a crise e os limites do sistema dos ricos, levando a derrotas para os pobres e a classe trabalhadora, como o fracasso da constituinte no Chile, o golpe no Peru ou a crise econômica e social profunda na Argentina.
Isso ficou muito evidente também no Brasil essa semana, quando a votação do arcabouço fiscal na Câmara foi seguida pelas votações que ameaçam o meio ambiente e povos indígenas.
O arcabouço fiscal proposto inicialmente por Haddad, e bem recebido pelo mercado financeiro, já era muito ruim. Era na verdade um teto de gastos um pouco mais flexível, mantendo a lógica neoliberal de priorizar o pagamento da dívida pública. São muitos os dados mostrando o efeito avassalador que essas regras teriam. Como colocou o economista da bancada do PSOL David Deccache, “se as regras propostas no Novo Arcabouço Fiscal estivessem em vigor desde 2003, teríamos cerca de R$ 8,8 tri a menos em serviços públicos oferecidos à população no período”.
O teto de gastos de Temer, usado para cortar gastos em saúde e educação, era totalmente inviável e deveria ter sido abolido, ponto final. Nem mesmo o governo Bolsonaro, com o Paulo Guedes como ministro da Fazenda, respeitou o teto. No primeiro ano desse governo, 2019, antes da pandemia, o governo Bolsonaro ampliou os gastos em 2,7% acima da inflação, acima do teto do novo arcabouço fiscal!
Se a proposta original já era muito ruim, passando pelo relator Claudio Cajado (PP-BA), o arcabouço fiscal ficou ainda pior. Impõe, por exemplo, o congelamento de salários do funcionalismo e proibição de concursos caso a meta mínima de superávit não seja alcançada. Mas, em acordo com o governo Lula, a proposta foi votada na terça-feira (23/05), com apoio de grande parte da direita, com o PSOL sendo a única bancada completa a votar totalmente contra.
Na quarta-feira houve então vários novos ataques. Foi votada a urgência do Marco Temporal, o PL 490, que limita a demarcação de terras indígenas a terras ocupadas por indígenas até a promulgação da Constituição de 1988. O governo Lula liberou a base de apoio do governo na votação, ou seja, não se colocou diretamente contra. A proposta pode ir para votação já na semana que vem.
Foi votada também a proposta de MP 1150/22 de Bolsonaro que facilita o desmatamento da Mata Atlântica. Além disso, foi votada na comissão mista a proposta do relator à MP 1154/23, essa de Lula, que regulamenta os novos ministérios, esvaziando os poderes dos ministérios do meio ambiente e dos povos indígenas. Se votada no plenário da Câmara e Senado, na semana que vem, o novo ministério dos povos indígenas de Sônia Guajajara perde o poder de demarcação das terras indígenas e o controle da FUNAI. Essa proposta passou por 15 a 3 na comissão, e foi comemorada como uma vitória pelo governo.
O governo de fato não tem maioria no Congresso, que é dominado pela direita. A questão é qual caminho seguir nessa situação. Lula constrói a sua “governabilidade” com base na mesma receita que já deu errado antes, da conciliação de classes, acordos sobre cargos e liberação de verbas para emendas. Isso acaba dando um grande poder de chantagem ao ‘Centrão’, que sabe jogar bem esse jogo.
Além disso, o contexto não é aquele do ‘boom das commodities’ de 2003 a 2008 e lembra mais o desastroso segundo mandato de Dilma, com nova crise econômica a caminho. A prioridade de Lula é tentar se concentrar em criar espaço para a estratégia central de retomada de investimentos e crescimento, sacrificando o que não é visto como “central”. Porém, além do erro de ver a questão indígena ou do meio ambiente como descartável, como também foi a questão do aborto durante a campanha eleitoral, essa postura também não servirá para garantir a política de investimentos e crescimento econômico.
O único caminho é a retomada das lutas e da mobilização popular e dos trabalhadores. Há várias lutas em andamento, como greves da educação em vários estados, a luta contra o desastroso Novo Ensino Médio, lutas contra privatizações e várias campanhas salariais. Essas lutas ainda estão isoladas e fragmentadas. Com certeza veremos uma retomada da luta dos povos indígenas nos próximos dias, que merece todo o apoio. Não vivemos um retrocesso na consciência. A maioria que derrotou Bolsonaro ainda está presente, mesmo que nesse momento esteja mais no aguardo, vendo para onde as coisas vão, na esperança que o governo dê certo e as coisas melhorem. Mas não podemos esperar demais. Se deixarmos passar a boiada, novas derrotas podem criar um elemento de desânimo.
Por isso é necessário defender todas as pautas levantadas pelas diversas mobilizações e unificar as lutas, combatendo a visão promovida por governistas de que uma luta que aconteça de forma independente dos governos só fortalece a direita. É a falta de luta que abre espaço para a direita ir para a ofensiva. É marcante o fato de que, em uma situação onde Bolsonaro está acuado diante das acusações judiciais, onde a extrema-direita ainda não retomou a ofensiva após o golpe fracassado de 8 de janeiro, e vemos a derrota de figuras como Deltan Dallagnol, a extrema-direita ainda consegue impor pautas, junto com seus aliados da bancada do boi, bala e bíblia.
Dentro da institucionalidade a correlação de forças parece dada. Mas na sociedade é diferente, se mobilizamos o potencial de luta da classe trabalhadora e setores oprimidos, que veem os preços subirem e as condições piorarem ao mesmo tempo em que a elite enriquece enquanto prega “responsabilidade” fiscal.
Nossa pauta tem que incluir a defesa de toda a nossa classe e setores oprimidos, ninguém é descartável. Isso é possível se rompemos as amarras desse sistema, que coloca o lucro acima da vida e da natureza, defendendo uma alternativa socialista. As riquezas que são fruto de nosso trabalho, têm que ser colocadas a serviço de toda a sociedade.
Por isso temos que reverter a política de privatizações, que ainda avança sob o governo Lula sob novas formas, reestatizar as empresas privatizadas, junto com a estatização dos bancos, sistema financeiro e gigantes da economia, sob gestão e controle dos trabalhadores e do povo, rompendo com o poder econômico da elite capitalista.
Junto com a auditoria e suspensão do pagamento da injusta dívida pública aos grandes credores e a taxação das grandes fortunas, lucros e dividendos de grandes empresas e supersalários, teríamos os recursos para investir em saúde, educação, pleno emprego com salário digno, moradia, transporte público, preservação e restauração do meio ambiente em uma sociedade justa, solidária e socialista.