Portugal: Unir e ampliar as lutas contra a crise do custo de vida rumo a uma greve geral

Como esperado, após as eleições de Janeiro de 2022, na qual o Partido Socialista (PS) solidificou o seu domínio sobre o cenário político e passou a governar com uma maioria parlamentar (https://internationalsocialist.net/en/2022/02/portugal-election), o governo não só prosseguiu as políticas pró-capitalistas dos últimos anos, como provou ser um parceiro mais estável para capitalistas portugueses e europeus neste período de profunda crise capitalista internacional e inflação. A cólera face à queda das condições de vida está a desenvolver-se, assim como as lutas dos trabalhadores, mas está a faltar ação coordenada para unir a classe trabalhadora numa luta de massas.

Crise social

Durante a maior parte de 2022, o governo PS e o seu líder Costa recusaram actualizar salários para permitir aos trabalhadores fazer face à inflação. Em resultado disso, no final do terceiro trimestre de 2022, a inflação geral era de 9.5% e a diminuição média do salário real era oficialmente 4.7%. Na verdade, o sector com a maior queda média de salário real foi a administração pública, o que faz do governo PS o campeão da corrida pelos baixos salários.

Ainda por cima, os maiores aumentos de preços incidiram sobre bens essenciais: 27.6% sobre bens energéticos e 18.9% sobre a comida. Isto acontece num país onde, já no final de 2020, 19.8% da população estava oficialmente “sob risco de pobreza ou exclusão social” e onde os preços da habitação têm estado constantemente a aumentar: entre 2015 e 2021, aumentaram 4 vezes mais que os salários. Só na região metropolitana de Lisboa, 130 mil pessoas vivem em casas consideradas “indignas”. Um dos sinais da miséria crescente é o rápido aumento dos roubos de bens essenciais nos supermercados. Os serviços públicos sofrem de desinvestimento crónico, sendo particularmente notável a degradação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a sua falta de trabalhadores. Muitos serviços de urgência têm fechado devido à incapacidade do SNS de contratar e manter trabalhadores com condições e salários decentes. Entretanto, os lucros do sector privado de saúde continuam a aumentar, apesar deste ser financeiramente inacessível a cerca de 60% da população.

As taxas de lucro estão melhor que nunca para os capitalistas. A Galp (empresa portuguesa de combustíveis) aumentou os seus lucros em 86% para 608 M€ entre Janeiro e Setembro, em parte devido à diminuição de impostos sobre combustíveis do governo! As grandes empresas da distribuição, energia e banca também vêem os seus lucros aumentar significativamente, por vezes duplicando relativamente ao ano passado. Só o sector bancário teve 1.9 mil M€ de lucros no primeiro semestre de 2022, em parte devido aos despedimentos e encerramento de agências nos últimos anos e aos fortes aumentos de preços da habitação e das taxas sobre o crédito à habitação.

Apesar de Costa e o PS servirem claramente os interesses da classe dominante, foram capazes nalguma medida de mitigar a crise da energia para as famílias portuguesas, através do “mecanismo ibérico” e o “mercado regulado”. O “mecanismo ibérico” consiste no estabelecimento desde Junho de 2022 de preços máximos em Portugal e no Estado Espanhol (mercado eléctrico ibérico MIBEL) para a electricidade gerada a partir do gás, um mecanismo que a maioria dos governos europeus se tem recusado a implementar. No entanto, a diferença de preços é compensada aos produtores de electricidade através de um subsídio, garantindo assim os seus lucros com o dinheiro público. O “mercado regulado” consiste na possibilidade de clientes de energia comprarem-na diretamente à empresa distribuidora (normalmente um monopólio privado com algumas ações pertencentes ao estado) a preços regulados que variam lentamente, em vez de a empresas comercializadoras a preços variáveis no mercado livre. Assim sendo, algumas empresas de energia ainda não aumentaram significativamente os preços e muitas pessoas em Portugal ainda não sentiram os maiores aumentos possíveis de preços de energia. No entanto, estes mecanismos não cobrem os aumentos na totalidade e possivelmente apenas os adiarão. De facto, clientes de algumas empresas já estão a receber contas de energia ao dobro do preço, e muitos mais esperam ter o mesmo destino a partir de Janeiro de 2023. A variação média de preços de energia só entre Setembro e Outubro foi de 6.7%.

Migalhas para os trabalhadores

Perante a crise económica internacional e a ameaça de uma crise social mais profunda e de uma possível revolta dos trabalhadores, o governo vira-se para a propaganda e a atribuição de migalhas para amenizar a profunda raiva social. Costa e o PS tentam culpar a guerra na Ucrânia pela inflação enquanto simultaneamente apontam para o crescimento e para a redução da dívida pública (o PIB está previsto crescer 6.5% em 2022 e 1.3% em 2023), e prometem proteção dos efeitos da crise e o reforço salarial dos trabalhadores.

Em Setembro, o governo finalmente anunciou um programa anti-inflação para assistir contra a degradação das condições de vida que tem vindo a aprofundar-se em 2022. Nenhuma das medidas consiste num efectivo controlo dos preços, um aumento real dos salários para os trabalhadores, uma resposta aos problemas reais ou em fazer os capitalistas pagar pela crise.

A cada adulto foi atribuído um subsídio único de 125€ do erário público, que corresponde a um aumento salarial abaixo dos 2% para quem recebe o salário mínimo (705€ brutos/mês ou 627€ líquidos/mês em 2022), que está longe de compensar a inflação deste ano. O IVA da eletricidade diminuiu de forma muito limitada, o que teve quase nenhum efeito nos preços mas contribuiu para os lucros das empresas do sector energético. Os aumentos de renda foram limitados a 2% através de subsídios aos senhorios pagos com o dinheiro dos contribuintes para colmatar a diferença até aos 5.43%. Igualmente, no sector dos transportes os preços foram congelados mas a diferença será compensada às empresas, em ambos os casos fazendo-nos pagar pelos seus lucros. No que toca às pensões de reforma, os únicos rendimentos que estão indexados legalmente à inflação do ano anterior, o governo do PS fez ainda pior: metade do aumento das reformas previsto para 2023 foi distribuído como uma receita-extra única em Outubro de 2022 e, portanto, apenas metade do aumento previsto será concedido em 2023, assim diminuindo a base de cálculo de indexação para os anos seguintes. Isto constitui na realidade um corte nas reformas, contrário ao princípio da lei atual de indexação.

Em Outubro, o governo do PS assinou um acordo salarial pelos próximos 4 anos com os patrões e a UGT (federação sindical conciliacionista ligada ao PS) e apresentou o orçamento para 2023, em conformidade com esse acordo. Este acordo promete aumentos salariais de 5% por ano pelos próximos 4 anos, com vista a desmotivar as lutas dos trabalhadores pelos aumentos salariais necessários. No entanto, as empresas privadas não são obrigadas a cumpri-lo e mesmo o próprio governo PS irá aumentar os salários da função pública, em média, apenas 3.6% em 2023, resultando num aumento de 52€, em média, por mês. O aumento do salário mínimo nacional em 7.8%, para 760€ brutos/mês, ou 676€ líquidos/mês, está longe de ser suficiente para melhorar as condições de vida das pessoas que o recebem e que enfrentam aumentos sucessivos de preços de alimentos, energia e renda. 

As previsões de inflação para 2023 já sobem além de 5%. Assim, o Orçamento do Estado de 2023 apresenta mais pobreza e austeridade para os trabalhadores e grande parte das camadas médias! O subfinanciamento dos serviços públicos continua e contrasta com os 8.3% de aumento no orçamento para a Defesa que fica em 2.6 M€, de acordo com a política belicista da OTAN (NATO). Isto é combinado com mais presentes para as grandes empresas: subsídios públicos para pagar as contas de energia das empresas e benefícios fiscais para os bancos!

O Orçamento do Estado de 2023 aponta a diminuição da dívida pública de 125.5% do PIB em 2021 para 115% em 2022 e 110.8% em 2023, através de uma clara transferência de recursos dos trabalhadores para o capital, mostrando a avidez em satisfazer as exigências da Comissão Europeia e do capital financeiro internacional.

Cinicamente, o governo fala agora de implementar uma taxa nos lucros “inesperados” dos sectores da energia e distribuição, mas usaria a receita em políticas assistencialistas (assistência a associações de caridade que fornecem cabazes de comida) em vez de melhorias estruturais que permitam melhorar as condições de vida.

A cólera cresce debaixo da superfície

Apesar dos esforços omnipresentes de propaganda do governo PS, as famílias trabalhadoras não podem deixar de sentir os terríveis efeitos da inflação e da queda salarial nas suas condições de vida!

Consequentemente, alguma atividade sindical importante está a desenvolver-se e muita mais é esperada. A CGTP, a mais importante federação sindical, dirigida pelo Partido Comunista Português (PCP), posicionou-se corretamente contra o acordo de conciliação entre o governo, os patrões e os sindicatos amarelos e denunciou os aumentos propostos como sendo apenas migalhas que agravam a pobreza e a desigualdade. Devemos ter em conta que, desde que o PCP e o Bloco de Esquerda (BE), antigos parceiros do governo PS (2015-2021 e 2015-2020, respectivamente), estão na oposição, mostram particular interesse em demonstrar que a maioria parlamentar do PS é pior para a classe trabalhadora que o anterior governo do PS apoiado pela esquerda. Nestas condições, e sob pressão das bases, os dirigentes do movimento dos trabalhadores têm de fazer algo ou correm o risco de se tornar irrelevantes. A CGTP anunciou vários “meses de acção e luta”: o mês de Junho, de 15 de Setembro a 15 de Outubro e de 15 de Novembro a 15 de Dezembro,

É necessário unir a coordenar as lutas

Várias greves e protestos tiveram lugar nos últimos meses, a maioria por aumentos salariais e a maior parte – mas não exclusivamente – dirigidos por sindicatos da CGTP: na administração pública; no sector social; no Metro de Lisboa; no sector farmacêutico, na empresa de correios CTT; no sector dos call-center; nas escolas, em particular por professores; na empresa de estacionamento de Lisboa EMEL; no sector da aviação, em particular na companhia aérea TAP e na empresa de aeroportos ANA; no sector da saúde; no sector das infraestruturas; na fábrica da Volkswagen Autoeuropa. Outras são esperadas para Novembro e Dezembro.

A 15 de Outubro houve importantes manifestações da CGTP em Lisboa e no Porto, juntando até 10 mil pessoas. Este número podia ter sido muito superior se as manifestações tivessem sido preparadas com campanhas de mobilização nos locais de trabalho, e com uma orientação especial ao sector privado. A convocatória da CGTP a uma greve nacional do sector público a 18 de Novembro teve elevada adesão nalguns departamentos. No entanto, a direcção da CGTP apresenta a greve como uma acção simbólica, ou como dizem, “um dia de demonstração de descontentamento”, e não como uma demonstração de poder dos trabalhadores sobre a economia ou como parte de um plano para forçar uma mudança radical dos planos do governo. Em conformidade com esta atitude, não houve grande mobilização para a greve, não foi planeada qualquer convergência entre setores público e privado e os grevistas não foram chamados a manifestar-se nesse dia. Ao invés, uma pequena manifestação foi convocada para a manhã do dia 25 de Novembro, o último dia de votação do orçamento do estado para 2023, que não foi um dia nacional de greve e portanto a manifestação foi mais como uma acção simbólica.

Nos últimos 6 anos, enquanto o PCP e o BE estavam a apoiar o governo PS no parlamento, a CGTP bloqueou por vezes as lutas dos trabalhadores e deseducou-os, tentando convencê-los que usar o parlamento para negociar com o governo, e portanto para ajudar a gerir o capitalismo, é a melhor maneira de obter concessões e defender os interesses dos trabalhadores. Agora, com a esquerda reformista na oposição e no contexto de uma crise mais profunda, a atividade sindical é reativada, mas as lideranças sindicais mantêm o seu papel sobretudo como negociadores e não tentam um maior envolvimento dos trabalhadores nas lutas. Ainda assim, as lutas dos trabalhadores vão continuar. Apesar das limitações, a adesão à greve de 18 de Novembro dos trabalhadores do sector público mostra um desejo dos trabalhadores de acção mais decisiva. O dia 9 de Dezembro foi declarado dia nacional de luta pela CGTP, iniciando uma Semana de Luta em empresas e serviços de 10 a 17 de Dezembro. 

É necessária a mobilização real dos trabalhadores e sindicatos nos locais de trabalho para organizar a luta pelas nossas condições de vida. Para ganhar vitórias reais sobre o governo e os patrões, esta Semana de Luta tem de ser um passo num plano de acção em escalamento que envolva ao máximo tanto os trabalhadores do sector público como privado. A quantidade de greves e de setores em luta mostra o potencial para uma luta de maior escala! Precisamos de começar a preparar uma grande greve todos juntos contra os ataques aos trabalhadores e pela melhoria das condições de vida. Para isso, a esquerda deve aproveitar todas as oportunidades para estimular discussões entre trabalhadores sobre o programa para combater a crise do custo de vida e os métodos para obter a vitória. Isso inclui organizar assembleias de trabalhadores em cada local de trabalho para discutir as nossas reivindicações e métodos de luta, e então construir comités de greve para planear a luta, unir os diferentes setores e mobilizar mais trabalhadores! O movimento de greve nas refinarias em França mostra o caminho para os trabalhadores e para todos os que lutam! (https://internationalsocialist.net/en/2022/11/workers-in-struggle-5) Durante quase 50 dias, trabalhadores de 7 refinarias dirigiram uma greve que abanou os gigantes do petróleo TotalEnergies e ExxonMobil, bem como o governo Macron, e abriram caminho para uma luta de larga escala contra todas as políticas anti-sociais de Macron.

Um programa urgente contra a crise capitalista e pela alternativa socialista

O movimento dos trabalhadores precisa de ser equipado com um programa ofensivo. A CGTP reivindica corretamente contratos coletivos, a revogação das leis laborais que induzem a precariedade, 35 horas semanais de trabalho para todos e 10% de aumentos salariais com um aumento mínimo de 100€/mês. Isto deveria levar diretamente à importante reivindicação de uma escala móvel de salários, que mostra a urgência de regularmente atualizar os salários acima da inflação. Além disso, as comissões de trabalhadores e consumidores têm de controlar os preços dos bens essenciais, e os salários e pensões mínimos deveriam ser suficientes para viver: pelo menos 1000€ líquidos/mês já!

No entanto, nós não controlamos o que não nos pertence! A nacionalização sob o controlo democrático dos trabalhadores e consumidores é necessária para os sectores da energia, transportes, distribuição e produção de alimentos, bem como o sector financeiro e os fundos imobiliários, se queremos efectivamente controlar os preços dos bens essenciais. Só então a classe trabalhadora e a sociedade como um todo poderão decidir democraticamente como tudo é produzido e distribuído. As nacionalizações são também uma condição para assegurar que a classe trabalhadora tem controlo sobre os fluxos financeiros e que os recursos disponíveis são investidos nas necessidades sociais: nos serviços públicos, na investigação científica e em energia verde e acessível.

Tal programa socialista também garante empenho total e dá resposta a outras lutas, como a luta dos jovens pelo clima. Pela expropriação dos capitalistas nos sectores de energia e transporte, os trabalhadores conseguirão não só reduzir as contas mas também construir as bases para uma rápida transição energética que o sistema capitalista motivado pelo lucro é incapaz de realizar. Esta transição incluiria maiores salários e a oportunidade de reorientar os trabalhadores para indústrias sustentáveis. Apenas a classe trabalhadora organizada pode dirigir este processo!

A crise climática, a crise energética e os custos de vida estão intimamente ligados: uma frente unida de sindicatos, partidos de esquerda e ativistas é necessária para mobilizar os trabalhadores e lutar contra o sistema capitalista, a causa comum destas crises. A juventude que luta contra as alterações climáticas tem que virar-se para a classe trabalhadora e mostrar apoio aos trabalhadores em greve, mostrando que as reivindicações ecológicas precisam de estar do lado dos trabalhadores, não contra eles. Por sua vez, o movimento laboral e os partidos de esquerda têm que se apropriar das reivindicações ecológicas, reconhecendo que não existe justiça social sem justiça climática. 

Contudo, este programa socialista por uma economia democraticamente e ecologicamente planificada que serve as necessidades dos milhões e não dos milionários implica um confronto direto com a propriedade privada, o capitalismo e o seu estado, e no fim de contas só poderá ser alcançada por uma revolução que leve a classe trabalhadora a tomar o poder económico e político das mãos da classe dominante. Para construir o programa e os métodos que conduzem os trabalhadores ao poder, é necessária uma organização revolucionária, baseada nos métodos da classe trabalhadora, com influência de massas e com o internacionalismo necessário para estender a revolução ao resto do mundo.

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