A China, o imperialismo e a esquerda

Nesse segundo artigo, Per-Åke Westerlund analisa o imperialismo chinês a partir da questão nacional, incluindo a repressão dos uigures, a relação com Taiwan e o movimento em Hong Kong.

À medida que o conflito imperialista entre os EUA e a China se agudizou nos últimos anos, algumas camadas da esquerda internacional adotaram uma atitude cada vez mais acrítica em relação ao regime do PCC (chamado comunista), negando a sua repressão em nível interno e a sua exploração no estrangeiro, por exemplo nos países da Iniciativa de Cinturão e Rota (BRI).

A maioria dos fatos econômicos no artigo anterior não seriam questionados pelos apoiadores “de esquerda” do regime chinês. Eles defendem as ações imperialistas de fato do regime chinês como sendo impostas a ele, ou alegam que estas ações beneficiam os cidadãos comuns dos países envolvidos. Estes comentaristas, geralmente de origem política stalinista ou maoísta, são também conhecidos como “tankies”, tendo apoiado os tanques enviados contra os trabalhadores na Hungria em 1956, Pequim em 1989 e mais. Apesar da restauração capitalista tanto na Rússia como na China, os “tankies” acreditam que existe hoje algo de “progressista” nestes regimes.

Os apologistas do PCC tiveram dificuldades quando os líderes chineses pareciam entender-se muito bem com os presidentes dos EUA e as multinacionais estrangeiras. Xi Jinping foi aplaudido de pé quando discursou no parlamento australiano em 2014. Um ano mais tarde, o então primeiro-ministro britânico David Cameron falou sobre a “era dourada” das relações Reino Unido-China. Em 2015, Xi Jinping andou com a rainha Elizabeth numa carruagem puxada por cavalos e descreveu a Grã-Bretanha dos tories como o “melhor amigo da China no Ocidente”, enquanto George Osborne, o ministro das finanças britânico, liderou uma delegação comercial a Xinjiang e ganhou elogios dos meios de comunicação social controlados pelo Estado chinês por falar apenas de oportunidades de negócios e não dizer nada sobre maus tratos infligidos aos uigures ou outras minorias. E tão tarde como no início de 2020, Donald Trump elogiou Xi como um amigo íntimo. Nada disto pode ser explicado pelos “tankies”, que agora afirmam que Pequim está na linha da frente da luta contra o imperialismo estadunidense.

Enquanto políticos e economistas capitalistas têm sido acolhidos na China, os socialistas e qualquer pessoa que tente criar vínculos com trabalhadores e jovens em luta têm sido preso ou deportado. Isto porque os verdadeiros socialistas e marxistas, da mesma tradição de Marx, Luxemburgo e Lenin, estão contra todos os governos capitalistas e potências imperialistas. No seu livro Imperialismo, Lenin fez questão de sublinhar que mesmo a Rússia czarista era uma potência imperialista em desenvolvimento, embora a Grã-Bretanha, França, EUA e Alemanha estivessem mais avançados. No seu prefácio de 1920, Lenin enfatiza a opressão russa na “Finlândia, Polônia, Curlândia, Ucrânia, Khiva, Bokhara, Estônia ou outras regiões povoadas por não-grão-russos”, assim como explica que, ao escrever o livro em 1916, tinha usado o exemplo do imperialismo japonês em vez da Rússia para evitar a censura czarista.

Hoje em dia, os “tankies” e apologistas do PCC afirmam que os deportados ou presos, e aqueles que os apoiam, não podem realmente conhecer os fatos. Isso, por si só, é uma admissão do papel da ditadura e dos seus métodos para reprimir a verdade. Afirmam também que os socialistas não podem utilizar como fontes as mídias liberais, burguesas ou públicas. De fato, o argumento de que todos os relatos nos principais meios de comunicação capitalistas são propaganda da CIA é frequentemente o único argumento dos apoiadores do PCC. Então, qual é a tradição marxista? Karl Marx nunca hesitou em citar jornais burgueses, por exemplo, as reportagens da imprensa conservadora britânica sobre a repressão da contrarrevolução após a derrota da Comuna de Paris. O próprio Marx foi, durante dez anos, correspondente do maior jornal de Nova Iorque, o Tribune, que estava ligado ao Partido Republicano. Os marxistas não têm ilusões quanto à imparcialidade dos meios de comunicação capitalistas e da mesma forma os meios de comunicação social controlados pelo regime chinês – é uma questão de estudar criticamente os fatos e as fontes.

As críticas dos “tankies” hoje em dia não são nada em comparação com as campanhas dos partidos comunistas liderados pelos stalinistas contra Leon Trotsky na década de 1930. A sua crítica científica à ditadura de Stalin foi equiparada à dos de direita e até mesmo dos nazistas. Mantiveram-se totalmente em silêncio sobre a diferença de classe – os críticos burgueses queriam uma contrarrevolução capitalista enquanto que o programa de Trotsky era por uma nova revolução de trabalhadores que estabelecesse um Estado socialista democrático de trabalhadores. Esta divisão fundamental de classe, contudo, não significava que os de direita tivessem apenas imaginado a existência dos campos de trabalho forçado dos Gulags. Os “tankies” criticam de onde vêm as citações, enquanto a verdadeira discussão é sobre o seu apoio aos regimes stalinistas, maoistas e hoje do capitalismo de Estado.

O apartheid da China em Xinjiang

A enorme rede de campos de concentração, desaparecimentos, tortura, violação e muito mais em Xinjiang, dirigida contra a população uigur e principalmente muçulmana, não são inventados, mas são a dura realidade. A crescente opressão dos uigures desdobrou-se paralelamente à restauração capitalista da China e ao imperialismo chinês. Os recursos naturais e a localização estratégica de Xinjiang, componentes chave no BRI de Xi Jinping, combinados com o medo da oposição da população não-han [han é a etnia majoritária na China], deram origem a um novo nível de repressão de Pequim contra Xinjiang/Turquestão Oriental.

Até os anos 50, a população han em Xinjiang era inferior a cinco por cento. Isto mudou com a restauração e exploração capitalista nos anos 90, quando milhões de migrantes han chegaram. Atualmente, os uigures, aproximadamente 12 milhões de pessoas, são menos de metade da população de Xinjiang, enquanto que os han são mais de 40%.

O domínio do PCC em Xinjiang significa “a implementação de um sistema de passaporte, a construção de campos de internamento, a infraestrutura de um sistema de controle policial, [que] espelha tentativas no apartheid da África do Sul e Israel de controlar sistematicamente minorias indesejáveis”, escreve o acadêmico Darren Byler, que viveu durante dois anos em Ürümqi e continuou a estudar Xinjiang. Outro ponto de inflexão foi a “Guerra contra o Terror” declarada por George W. Bush após o 11 de Setembro. O PCC rapidamente adotou a retórica do Ocidente e classificou os uigures coletivamente como suspeitos de terrorismo.

Um artigo na revista estadunidense de esquerda Monthly Review, que afirmava que aqueles que reportavam sobre campos e repressão em Xinjiang estavam apoiando o imperialismo estadunidense, obteve uma forte resposta de Byler e 35 outros acadêmicos em  nível internacional. A resposta dizia que as políticas da China eram “uma apropriação deliberada das práticas ocidentais de contraterror”, e que ambas deveriam ser condenadas, bem como a islamofobia, tanto nos EUA como na China.

Esta resposta também apontava claramente para as raízes capitalistas das políticas de Pequim: “A ligação aqui entre a expansão capitalista e a opressão das comunidades indígenas é uma das que a esquerda há muito conhece. Não reconhecer e criticar estas dinâmicas, neste caso, é uma forma de cegueira intencional”. O próprio Byler declarou numa entrevista que é “profundamente crítico do militarismo estadunidense”. Ele descreve a China como capitalismo de estado e o sistema em Xinjiang como “capitalismo do terror”. O governo de Xinjiang acusou Byler de ser um “agente da CIA”. Esta é uma acusação frequentemente lançada por nacionalistas chineses e por vezes pelos seus apoiadores estrangeiros contra qualquer pessoa que critique o regime de Xi, incluindo feministas e ativistas trabalhistas chineses.

Um ponto de inflexão importante na história moderna de Xinjiang foram os tumultos de julho de 2009. Estes foram desencadeados pelos assassinatos racistas de dois trabalhadores migrantes uigures numa fábrica na província de Guangdong. Dias depois, uma manifestação inicialmente pacífica de jovens uigures de Ürümqi, marchando atrás da bandeira chinesa e apelando por uma investigação dos assassinos de Guangdong, foi dispersada a tiros pela polícia armada. As raízes dos tumultos foram o aumento da repressão e discriminação, tais como a substituição do uigur pelo chinês para se tornar a única língua nas escolas, a apropriação das terras de uigures, e as regras sobre a prática religiosa e o código de vestuário.

“Guerra popular ao terror”

Em resposta a alguns ataques terroristas desesperados, o Estado chinês declarou, em maio de 2014, a “Guerra popular ao terror”, dirigida aos uigures como grupo. Os socialistas sempre se opuseram ao terrorismo individual como um método falido que invariavelmente conduz a ainda mais repressão e não faz avançar a luta contra a opressão, como este exemplo demonstrou. Um sistema de passaporte interno obrigou 300 mil uigures a abandonar Ürümqi e restringiu as viagens com postos de controle. O sistema de campos foi introduzido. Em 2017, Xinjiang tinha-se tornado um estado policial completo.

“No início de 2017, o Estado tinha recrutado “quase 90 mil novos agentes policiais” e aumentado o orçamento de segurança pública de Xinjiang em mais de 356%, para aproximadamente 9,2 bilhões de dólares”, relata Byler. “Devido ao subemprego generalizado, funcionários uigures foram atraídos para a força em grande número”.

Foi implementado um sistema de verificação dos telefones e computadores de cada uigur, juntamente com uma vigilância avançada. “Só duas empresas tecnológicas sediadas em Hangzhou, Dahua e Hikvision, receberam mais de 1,2 bilhões de dólares em contratos para construir a infraestrutura de segurança em toda a terra natal dos uigures”. Estas técnicas de segurança tornaram-se produtos de exportação chineses para regimes autoritários.

No mesmo período, o petróleo e o gás natural tornaram-se mais de metade do PIB de Xinjiang. A agricultura industrial em grande escala, principalmente o algodão e o tomate, foi também desenvolvida. Isto não é um “conflito étnico”, mas um ataque unilateral do Estado. Desta forma, Xinjiang é marcado tanto por um sistema racista de apartheid contra os uigures como pela exploração econômica colonial. Os uigures são discriminados em relação aos colonos han em matéria de habitação, emprego e salários. Vastos projetos de infraestrutura são construídos para assegurar lucros futuros e reforçar o controle de Pequim.

Há inúmeras testemunhas oculares de violação e tortura, bem como de crianças que são retiradas das suas famílias. Com cerca de um milhão de uigures enviados para campos, todos conhecem alguém que tenha sido detido. O objetivo tem sido quebrar mentalmente os uigures, impondo procedimentos extremamente humilhantes para provar lealdade ao PCC e ao líder supremo Xi Jinping. Pequim também escolhe “líderes” uigures para representar o regime de Xinjiang.

O caráter racista e antiuigur das políticas do PCC é mais claramente demonstrado nos seus programas de contracepção, incluindo a coerção – envolvendo a perda de direitos econômicos e legais, e pior – das mulheres uigur a aceitarem a implantação de DIU (dispositivo intrauterino). Apesar da negação de tais ações, mesmo o Anuário Estatístico Oficial da China e o Anuário Estatístico de Xinjiang mostram como a taxa de natalidade em Xinjiang diminuiu pela metade em dois anos. Isto inclui a população han. Nas duas maiores regiões de uigures, a taxa de natalidade caiu 84% entre 2015 e 2018.

Em nível internacional, estes fatos foram publicados pela primeira vez pelo investigador Adrian Zenz, um fundamentalista cristão de direita. Mas aqueles, incluindo os meios de comunicação chineses controlados pelo Estado, que utilizam a política de Zenz para desacreditar suas reportagens, ignoram o fato de que suas fontes são as estatísticas oficiais chinesas. Ele é alguém em quem a propaganda pró-PCC quer focar, mas os fatos são também apoiados por histórias de mulheres que estiveram nos campos.

O sistema dos campos está estruturado em diferentes níveis de padrões prisionais, desde a “educação” propagandística contra a língua e cultura uigures, trabalho forçado nas fábricas, até aos dispositivos contraceptivos forçados, esterilização das mulheres e tortura.

O Estado do PCC já não nega a existência dos campos, mas afirma que são para “reeducação”, “formação profissional” e para promover a “saúde reprodutiva” das mulheres. Retratam todas as críticas aos campos como uma campanha do imperialismo estadunidense, mas nunca oferecem a nenhum jornalista com credibilidade o acesso aos campos. O fato que o imperialismo estadunidense critica agora o tratamento dos uigures é pura política de poder e hipocrisia. O tratamento aos uigures está longe de ser novo. Em 2002, os EUA, em cooperação com a China, capturaram 22 homens uigures no Afeganistão e Paquistão, trazendo-os para o famoso campo de tortura dos EUA na Baía de Guantánamo. Nenhum deles foi identificado como jihadista ou ligado a Al-Qaeda, mas os últimos três só foram libertados em 2013. A proibição de viagem de Trump en 2017 contra os muçulmanos foi também muito apreciada pelos líderes do PCC.

Quando foi solicitado às 48 maiores empresas estadunidenses na China um comentário sobre as políticas contra os uigures, apenas seis responderam e apenas uma delas expressou críticas limitadas. É evidente que o imperialismo americano quer utilizar os campos e o tratamento dos uigures na sua luta na Guerra Fria contra a China, mas não é de modo algum um aliado na luta dos oprimidos.

Taiwan, China e os EUA

Taiwan é um foco de crise na Guerra Fria entre a China e o imperialismo dos EUA. É também um país de fato com mais de 23 milhões de habitantes. Quando Chiang Kai-shek e o seu Koumintang (KMT) fugiram para Formosa (Taiwan) após a vitória da Revolução Chinesa em 1949, o KMT batizou a ilha de República da China, com o objetivo de eventualmente se reunificar com a China continental. Desde então, a posição de “um país” tem sido defendida tanto pelo regime do PCC em Pequim como pelos sucessores de Chiang Kai-shek no KMT. Em Taiwan, os capitalistas e o KMT subordinaram-se durante décadas ao regime do PCC no continente devido à forte atração da economia da China. Mesmo os políticos nacionalistas taiwaneses do Partido Democrático Progressista (DPP), agora no governo, têm-se abstido de desafiar Pequim em demasia.

Esta tem sido também a posição dos governos dos EUA desde os anos 1970, quando Nixon e os presidentes subsequentes reconheceram formalmente a “República Popular” em vez da “República”. Foi dada prioridade aos lucros e ao comércio. Militarmente, contudo, o imperialismo dos EUA manteve uma aliança estreita com Taiwan devido à sua localização estratégica e como ponto de pressão sobre o regime de Pequim.

Na realidade, Taiwan evoluiu para um Estado e um país separados. A velha ideia da “reunificação” perdeu a maioria dos seus partidários na ilha. Esta é uma razão para a implosão eleitoral do KMT que é agora forçado a distanciar-se do seu anterior compromisso íntimo com o PCC. A introdução da lei de segurança nacional em Hong Kong, abolindo os direitos democráticos, apagou finalmente quaisquer ilusões num acordo tipo “um país, dois sistemas” para a “reunificação” de Taiwan. Atualmente, apenas 12,5% em Taiwan apoiam a unificação, enquanto 54% apoiam a independência formal e 23,4% apoiam o status quo, ou seja, a independência de fato.

Devido às suas políticas repressivas linha dura, especialmente em Hong Kong, a única forma agora aberta para a ditadura do PCC prosseguir a sua posição de que Taiwan faz parte da China é através da ação militar ou da ameaça de ação militar. Durante o último ano, as forças aéreas e marítimas chinesas realizaram um número crescente de exercícios em torno de Taiwan, combinados com declarações de política militarista. Isto tem sido, em parte, uma tentativa de Xi Jinping de mostrar força e, em parte, uma resposta a um perfil mais acentuado do imperialismo dos EUA na Ásia Oriental, que começou sob Obama e depois se intensificou sob Trump. Isto incluiu novos acordos de exportação de armas, uma presença militar mais frequente e, no ano passado, a publicação do pacto de defesa anteriormente secreto entre os EUA e Taiwan. A tentativa do PCC de assustar os taiwaneses no sentido de apoiar a unificação está condenada ao fracasso. O único resultado será um maior apoio à independência.

Os marxistas defendem a unidade da classe trabalhadora e das massas oprimidas. Esta unidade só pode ser alcançada com uma posição correta sobre a questão nacional. Isto significa compreender o estado de ânimo e a consciência dos trabalhadores. Mais uma vez, Lenin e os bolcheviques mostraram o caminho, declarando que a oposição ao “direito à autodeterminação ou à secessão significa inevitavelmente, na prática, o apoio aos privilégios da nação dominante”. Ser visto como partidário de um Estado opressor irá bloquear quaisquer tentativas de construir a unidade da classe trabalhadora.

A Revolução Russa de 1917 libertou nações oprimidas, mas de forma alguma apoiou o imperialismo estrangeiro. Pelo contrário, as potências imperialistas intervieram na Rússia contra a revolução, incluindo a sua libertação da Finlândia, Ucrânia e outras nações.

Do mesmo modo, o apoio à independência não significa apoio ao imperialismo estadunidense, e a independência de Taiwan nunca será conquistada com a ajuda dos EUA. Na era do imperialismo, os movimentos de libertação nacional bem sucedidos nunca foram liderados por nacionalistas burgueses e, claro, muito menos pelo imperialismo. No caso de Taiwan, a independência só pode ser alcançada como uma luta de massas contra os capitalistas e partidos políticos estabelecidos – e, sobretudo, em conjunto com a luta da classe trabalhadora na China continental contra a ditadura do PCC e o capitalismo chinês. Em nenhum conflito nacional os socialistas apoiarão as classes dirigentes de qualquer lado. Em Taiwan, isto significa nenhum apoio aos EUA, China ou aos partidos políticos capitalistas taiwaneses, DPP e KMT.

Hong Kong – não foi uma revolução colorida

Papagaios da ditadura do PCC – acreditando em algumas bandeiras vermelhas e no nome “Partido Comunista” mais do que na verdadeira ditadura capitalista e imperialista brutal – rotulam os movimentos de massas em Hong Kong, particularmente em 2019, como uma revolução colorida patrocinada pelos EUA.

Os fatos mostram o contrário. Em 4 de outubro de 2019, quando o movimento de massas em Hong Kong já durava quatro meses, o The Guardian relatou:

“Os funcionários dos EUA foram proibidos de apoiar protestos pró-democracia em Hong Kong, depois de Donald Trump ter supostamente prometido que os EUA ficariam calados durante as negociações comerciais. Trump comprometeu-se ao seu homólogo chinês, Xi Jinping, numa chamada telefônica em junho, de acordo com a CNN. (…) Como resultado da ordem de mordaça, o Cônsul Geral dos EUA em Hong Kong, Kurt Tong, foi avisado para cancelar uma aparição num think-tank dos EUA e um discurso planejado sobre os protestos que abalaram o território…”.

O próprio Donald Trump deu a posição dos EUA: “Alguém disse que, a dada altura, vão querer acabar com isso. Mas isso é entre Hong Kong e isso é entre a China, porque Hong Kong é uma parte da China. Eles próprios terão de lidar com isso. Eles não precisam de conselhos”. O mesmo artigo também fez notar que Trump não queria comentar Xinjiang e o tratamento de uigures. Nas suas memórias, John Bolton, antigo conselheiro de segurança nacional de Trump, afirmou que Trump disse a Xi Jinping que os campos de prisão de Xinjiang eram “exatamente a coisa certa a fazer”.

O imperialismo estadunidense não encoraja nem apoia geralmente os movimentos de massas. Sempre que se refere a um movimento de baixo como positivo, o foco de Washington está nos possíveis líderes de confiança que pode apadrinhar e na forma de desativar os protestos.

Quando o movimento explodiu em Hong Kong em 2019, com manifestações de um e de dois milhões de participantes, expressou raiva, frustração e medo de que as promessas sobre reformas democráticas fossem substituídas por novas limitações aos direitos democráticos. Os direitos democráticos foram corretamente vistos como os meios necessários para melhorar a vida das pessoas comuns numa sociedade com extrema desigualdade e quase sem sistema de bem-estar-social. O enorme movimento foi desencadeado por uma mudança na lei impopular, mas rapidamente se tornou um apelo à demissão do governo local leal a Pequim e a eleições de uma pessoa um voto. As promessas de retirar o projeto de lei (sobre extradições) não tiveram qualquer efeito.

Foi um movimento que apanhou de surpresa todas as forças e partidos estabelecidos. Os pandemocratas, vistos pelas massas como uma liderança fracassada na luta pelos direitos democráticos, quase não desempenharam qualquer papel. A verdadeira liderança caiu sobre a juventude desorganizada.

O regime de Xi Jinping viu o movimento como uma ameaça, temendo que pudesse se espalhar para o continente. Quando o movimento de Hong Kong estava no seu auge, no entanto, Pequim absteve-se de intervir com as suas próprias forças estatais. Mas era sempre claro que, sem vitória, o PCC organizaria a vingança. Isso era também importante para Xi, para mostrar ao mundo, incluindo as frações mais conciliatórias dentro do Estado do PCC, que governa Hong Kong.

Uma vitória para este impressionante movimento só seria possível se se espalhasse pela China, e se a classe trabalhadora através dos movimentos de greve geral mostrasse o caminho. Caso contrário, o esgotamento e a confusão, mais tarde reforçados por restrições durante a pandemia, mais cedo ou mais tarde teriam o seu preço. Foi nestas fases tardias que as bandeiras e apelos aos EUA para que Trump interviesse começaram a aparecer mais amplamente em Hong Kong. O imperialismo estadunidense também, em conjunto com a aguçada Guerra Fria, se tornou mais crítico em relação às políticas da China em Hong Kong. Isto estava também ligado a um desejo de manter Hong Kong como o principal centro comercial e financeiro da região. Sanções simbólicas contra líderes individuais proeminentes em Hong Kong e alguns funcionários do PCC não são a mesma coisa que apoiar realmente as exigências das massas em Hong Kong.

A ditadura do PCC está agora impondo as condições do continente em Hong Kong, proibindo os direitos democráticos, reforçando a vigilância e as forças repressivas, prendendo políticos da oposição e líderes sindicais, e utilizando isto para espalhar o terror. Pequim sabe que lhe falta qualquer base social em Hong Kong. Nas eleições locais de novembro de 2019, os partidários do PCC sofreram perdas históricas. Medidas recentes, incluindo um remodelamento completo do sistema político de Hong Kong, destinam-se a evitar que algo do gênero volte a acontecer.

Não há nada de progressista ou anticapitalista nas ações do PCC em Hong Kong. Eles têm o apoio da maior parte dos magnatas bilionários do território, bem como os grandes bancos. O HSBC, formalmente o maior banco da Europa, mas agora no processo de mudança da sua sede de Londres para Hong Kong, declarou seu apoio público à lei de segurança nacional. Tal como outro banco britânico Standard Chartered: “Acreditamos que a lei de segurança nacional pode ajudar a manter a estabilidade econômica e social a longo prazo de Hong Kong”.

Combater o imperialismo e os métodos fascistas

Não só os “tankies”, mas também alguns outros da esquerda têm medo de comparações entre o imperialismo estadunidense e chinês, ou entre os métodos do PCC e as ditaduras fascistas ou militares. Não há razão para os socialistas fazer preferência entre a violência das diferentes potências imperialistas. Na Primeira Guerra Mundial, Lenin e os bolcheviques salientaram a oposição contra todas as potências imperialistas, enquanto que a maioria dos líderes dos partidos social-democratas na Europa apoiavam o seu “próprio” Estado, argumentando que era mais “democrático” ou que o outro lado era o “agressor”.

Opor-se a todo o imperialismo, porém, não significa que todos sejam iguais. Onde a luta dos trabalhadores e dos pobres conquistou reformas democráticas, a possibilidade de organizar mais lutas é obviamente muito melhor. A democracia capitalista tem limites severos, com o poder real nas mãos dos capitalistas, mas oferece a possibilidade de se organizar em sindicatos e partidos, de falar e imprimir (e publicar na Internet), de fazer greve e organizar manifestações. Estes direitos são limitados sob o capitalismo e têm de ser continuamente defendidos, contra novas tentativas do establishment de retomar vitórias anteriores, contra medidas para quebrar os sindicatos, propaganda reacionária e leis repressivas.

Na década de 1930, Leon Trotsky comparou os métodos de Stalin aos de Hitler, escrevendo que Stalin aprendeu com estes últimos. Comentando o pacto no início da Segunda Guerra Mundial, Trotsky recordou aos seus leitores que, durante um período, tinha avisado que “Stalin está à procura de um entendimento com Hitler”.

Trotsky levantou estas semelhanças apesar das diferentes características sociais, sendo a URSS um estado operário degenerado e a Alemanha uma ditadura capitalista fascista. O fascismo, claro, desenvolveu-se como um movimento de massas que foi utilizado para esmagar toda a classe trabalhadora e organizações democráticas na Itália e na Alemanha. Pouco depois de tomar o poder, o caráter de movimento de massas do fascismo foi substituído por uma violenta máquina estatal.

Ditadores militares brutais como Pinochet no Chile e Suharto na Indonésia utilizaram métodos fascistas para esmagar organizações da classe trabalhadora – partidos comunistas e socialistas, sindicatos, etc. Hoje, na China, o PCC utiliza os mesmos métodos repressivos brutais contra os trabalhadores em luta e outras expressões de oposição na China. Em Xinjiang, a campanha estatal contra os uigures combina medidas brutais para exterminar a sua cultura, língua e religião, com o colonialismo dos colonos. Este é o imperialismo de capitalismo de estado da China.

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