O Muro
O “apartheid” social e racial no Rio de Janeiro sempre existiu, principalmente através da ação do poder público com a polícia, que percebe o favelizado como inimigo, incivilizado, não cidadão, por tanto, não merecedor de direitos, pois ocupa um local na cidade de forma “irregular”, e vem, em sua maioria, de outras regiões mais pobres do país, ou são “descendentes de escravos”.
A partir desse ponto de vista, as estruturas e bens públicos, ou não são oferecidos a essas pessoas, ou lhes são oferecidos de forma precária, enquanto a política de segurança pública estabelece limites ao seu direito de ir e vir controlando as entradas e saídas das favelas, (em alguns momentos as forças armadas federais também fizeram esse papel). Na Maré isso tudo sempre ficou claro, já que a favela dá acesso as principais vias de entrada na cidade, Linhas Amarela e Vermelha e Av. Brasil além de ser passagem para quem vem ou vai para o Aeroporto Internacional Tom Jobim.
A idéia de isolar as favelas e retirar os pobres do Rio de Janeiro do campo de visão dos ricos e dos turistas que visitam a “cidade Maravilhosa”, sempre existiu, e recuperou sua força no primeiro mandato de César Maia (PMDB) de 1993-1997, passando em seguida por seu pupilo Luiz Paulo Conde (DEM), que era uma espécie de Dilma do César, supostamente responsável por suas principais obras, voltando a ser o César (PTB e depois DEM) de 2001-2009.
O muro aparece como alternativa à remoção, dificultada pela resistência dos moradores que se organizaram para permanecerem próximos ao trabalho e estudo. Nesse sentido, surgem projetos como o “Favela Bairro”, que transformou, por decreto-lei, algumas favelas em bairro, sem, no entanto, na maioria dos casos, lhes garantir estruturas mínimas de um bairro. A idéia de um muro de isolamento estava presente nesse projeto, com o suposto objetivo de conter o crescimento das favelas sobre áreas ambientais, enquanto por outro lado, condomínios de luxo avançavam sobre o que sobrou de mata atlântica em várias áreas do Rio, inclusive próximas a essas favelas.
O atual prefeito Eduardo Paes (PMDB) deu um novo contexto ao isolamento das favelas ao afirmar que o muro que vai cerca-las e esconde-las dos turistas, trata-se de uma “barreira acústica” ao redor daquelas que ficam próximas as principais vias do Rio, como no caso da Maré. O objetivo, segundo ele, é isolar os ruídos produzidos pelas vias e proteger os favelizados do barulho das mesmas, sem, no entanto, consultar os moradores dessas favelas a respeito da iniciativa que os coloca atrás de muros.
O que fica claro é a tentativa de transmitir uma sensação de segurança para os motoristas que trafegam nestas vias, já que “os inimigos, incivilizados e não cidadãos estarão cercados, separados dos cidadãos de verdade”. Nessa mesma toada, o do governador do Estado Sérgio Cabral Filho, (cujo pai sempre soube “partilhar” da cultura da favela se envolvendo no mundo do samba enquanto jornalista e escritor), hoje 06/04/2010 bateu um recorde em matéria de justificativas absurdas para a construção do muro.
Cabral teve a cara-de-pau de afirmar para a imprensa que os problemas causados pela péssima administração pública da dupla do PMDB Cabral e Paes, evidenciados após o temporal que caiu sobre o Rio, são insignificantes diante da morte de pessoas, chamadas pelo governador de irresponsáveis, que segundo ele, “optaram” por morar em favelas e encostas de morros, por isso, a construção de muros que contenham o crescimento das favelas seria imprescindível.
Cabral só “esqueceu” de dizer que as pessoas não moram naquelas condições por opção, e que muitas pessoas morreram nas ruas alagadas ao caírem em bueiros abertos por causa do péssimo sistema de escoamento, outras em função de acidentes de carro por motivo das ruas esburacadas e alagadas, algumas se afogaram nas corredeiras em que se tornaram as ruas do Rio. O que Sérgio fez foi tentar adotar a tática do prefeito, e fingir que o muro é para o nosso próprio bem, como se fossemos crianças levadas que temos que ficar no cercadinho pra não nos machucarmos.