Preparar a luta – derrubar Bolsonaro e derrotar a direita neoliberal
Por uma alternativa dos trabalhadores e do povo pobre para salvar vidas, sair da crise e reconstruir o país sobre novas bases
A balbúrdia no andar de cima não consegue desviar completamente nossa atenção. No andar de baixo, o Brasil caminha para uma catástrofe de proporções históricas. A crise política funciona ao mesmo tempo como um dinamizador e um reflexo do caos social, econômico e de saúde pública em que nos afundamos.
O Brasil deve se tornar um dos epicentros da pandemia global do coronavírus. Projeções sérias apontam que devemos dobrar o número de mortos registrados em sete dias, isso significa mais cinco mil mortos só na próxima semana.
A evolução dos casos de Covid-19 no Brasil já se expressa em um cenário dramático que combina Milão, Nova Iorque e Guayaquil.
Em muitas regiões do país o que temos já é “o horror, o horror”. O número de sepultamentos diários em várias capitais e grandes cidades se multiplica sem que essas mortes sejam contabilizadas nas estatísticas oficiais da pandemia.
A superlotação nas UTIs e o caos no serviço hospitalar já são uma realidade. Todos os dias são centenas de mortes acontecendo em casa sem atendimento médico. Há insuficiência também no sistema funerário. Há casos de corpos deixados por dias sem remoção.
Valas comuns estão em uso em muitos cemitérios e mesmo assim não se consegue dar conta de todos os mortos. Em Manaus houve situações em que os próprios familiares tiveram que enterrar com as próprias mãos seus entes queridos devido à falta de funcionários.
Na base da pirâmide social, o vírus é um poderoso aliado da estrutura social desigual para a promoção de um verdadeiro genocídio. De uma forma geral, nessa pandemia são os pobres, negros e negras, periféricos e favelados que mais sofrerão e morrerão.
A mortandade e o sofrimento indizível que vemos hoje não são fruto do acaso ou de um mal inesperado que assumiu a forma de um vírus. São resultado direto de muitos anos de políticas neoliberais, precarização do trabalho, cortes nos gastos públicos, sucateamento da saúde, déficit habitacional, falta de investimento em saneamento etc.
Não é coincidência que Manaus, por exemplo, seja um dos cenários mais críticos da crise sanitária. No ano passado, 500 médicos deixaram a cidade em consequência de atrasos nos salários e péssimas condições de trabalho resultante das políticas de cortes e sucateamento dos serviços públicos.
A crise sanitária e a crise econômica e social se retroalimentam. Mesmo sem ter se recuperado plenamente da recessão e estagnação dos últimos anos, estamos afundando novamente no pântano de uma recessão ainda mais grave que a anterior.
A crise internacional do capitalismo, em conjunto com os fatores locais, nos levará a um retrocesso histórico do ponto de vista econômico e social. O resultado será desemprego e perda massiva de renda para milhões de trabalhadores. Multidões serão jogadas em uma situação de pobreza ou extrema-pobreza.
Existem culpados por essa barbárie e, sim, esta é hora de denunciar os responsáveis. Só assim se poderá transformar radicalmente a situação e salvar vidas.
Bolsonaro deliberadamente promove o caos e a barbárie e tenta tirar proveito disso para implementar seu projeto autoritário. Mas, ele não é o único responsável. Também são culpados todos aqueles que durante anos promoveram as políticas de aumento da desigualdade social e lucraram com isso.
São os mesmos banqueiros e empresários que hoje tentam se passar por filantropos e solidários no Jornal Nacional da Rede Globo. São também os governadores e parlamentares da direita tradicional que promoveram junto com Bolsonaro as políticas de cortes nas verbas do SUS e o conjunto das políticas neoliberais. Também a justiça burguesa, que foi conivente com o golpe de 2016 e legitimou os ataques aos trabalhadores.
Nas vésperas do 1º de maio é fundamental que gritemos bem alto: em defesa de nossas vidas, a tarefa central da esquerda socialista, do movimento dos trabalhadores e de todos os oprimidos é derrubar esse governo assassino já! Junto com ele deve cair toda sua base de sustentação e suas políticas, o vice Mourão e todos os militares e políticos que nos afundaram nessa situação de calamidade.
Crise política e divisões interburguesas
A tempestade perfeita das crises combinadas que assolam o país abre fendas e chacoalham os pilares da antiga situação. Todos sabem, as elites em particular, que não existe cenário de estabilidade possível no próximo período. Todos tentam se preparar para os sismos que virão.
A crise abriu uma nova configuração política no país. As classes dominantes e a direita (nova e velha), que vinham em franca ofensiva na defesa de seus privilégios e poder, tentam se readequar à nova situação. Mas, cada um à sua maneira e, com isso, as divisões entre eles crescem.
Uma ala da burguesia brasileira e de sua representação política através da direita tradicional, governadores e parlamentares, aposta em tentar evitar uma catástrofe maior. Tomam medidas no sentido do distanciamento e isolamento social e apelam para uma política de união nacional em meio à pandemia. Mas, sempre, é lógico, visando garantir seus interesse e privilégios.
De outro lado, o governo Bolsonaro e o bolsonarismo como movimento de extrema-direita assumem sua face mais nefasta. Isolados e em crise, só podem apostar no caos e na comoção social capaz de criar um ambiente que justifique a mão de ferro da repressão e do autoritarismo.
Sua retórica beligerante e irracional encontra eco em uma base social minoritária, mas que é tão aguerrida quanto reacionária. Uma base que poderia ter impacto sobre camadas mais amplas em um contexto de maior comoção, crise e caos. Isso, claro, se não houver uma alternativa de esquerda capaz de mostrar uma saída efetiva do ponto de vista das maiorias, dos trabalhadores e dos oprimidos.
PSDB, DEM e a direita tradicional tentam aproveitar-se da crise do governo Bolsonaro e de suas apostas políticas temerárias e arriscadas para recuperar a base de apoio que perderam em 2018 diante da novidade bolsonarista.
Para isso, se colocam como guardiões da “democracia” e do sistema político. Mas, são os mesmos que promoveram o golpe institucional de 2016 e vem sistematicamente minando conquistas democráticas obtidas pelos trabalhadores desde o fim da ditadura civil-militar. Tudo em nome do aprofundamento das políticas neoliberais em um contexto de crise capitalista internacional.
Não bastasse tais ataques, são os mesmos que também promovem uma criminalização da pobreza e foram eleitos com discursos do tipo “quem vai para cemitério é bandido” e promessa de que “a polícia vai mirar na cabecinha e… fogo”.
A unidade de ferro em torno das contrarreformas começou a ser minada pela gravidade da crise política. As divisões interburguesas levaram à queda no Senado da Medida Provisória que instituía a carteira de trabalho verde-amarela.
A gravidade da crise obriga o governo a adotar medidas que implicam em mais gastos públicos, numa direção oposta às políticas ultra neoliberais de Paulo Guedes. As medidas de compensação social, como a renda básica emergencial, representam uma conquista, embora ainda sejam insuficientes e inacessíveis para muita gente necessitada. Ao mesmo tempo o governo gasta dinheiro na ajuda a grandes empresas e bancos.
O movimento dos trabalhadores deve aproveitar essa situação e partir para uma ofensiva em defesa dos direitos sociais ameaçados ou perdidos no último período. Em benefício da vasta maioria do povo brasileiro, a emergência sanitária e social deveria implicar no cancelamento das contrarreformas adotadas no passado, como a da previdência, trabalhista, o teto de gastos etc.
Sem a presença e o protagonismo do movimento dos trabalhadores e de uma esquerda socialista ativa e com um programa claro, o desfecho dessa situação de crise pode ser um grande retrocesso.
Recomposição burguesa e escalada autoritária
Os cenários possíveis para o futuro podem avançar na direção de uma recomposição burguesa pelas cúpulas e mais ou menos dentro da ordem atual ou por uma linha de ruptura mais explícita da ordem através de uma escalada autoritária do bolsonarismo.
No primeiro caso isso poderia se dar através da velha direita tradicional recauchutada, com Doria, Maia e similares, ou com figuras da nova direita que se cindiu do bolsonarismo, como no caso do próprio Sergio Moro.
Preferencialmente apostam no enfraquecimento e isolamento de Bolsonaro, no protagonismo do Congresso Nacional, governos estaduais e STF e na criação de um cenário favorável a eles nas eleições de 2022. Mas, a depender da reação de Bolsonaro e da gravidade da crise, não se pode descartar a opção pela queda do presidente e uma recomposição articulada com setores militares em torno do vice Hamilton Mourão.
Bolsonaro simplesmente não pode aceitar esse cenário e por isso passou de mala e cuia para o caminho de uma escalada autoritária. Ele sabe que não existe relação de forças hoje para um golpe. Ao mesmo tempo trabalha conscientemente para acumular forças para um contexto de maior crise, caos e polarização no futuro breve.
Um elemento importante para ambos os desfechos é o papel da cúpula das Forças Armadas. Os militares assumiram uma posição muito mais forte dentro do governo, principalmente através do ministro chefe da casa civil, general Braga Netto, e são um fiel da balança do ponto de vista dos setores burgueses.
Seu papel hoje é o da mediação entre forças em conflito dentro do governo e na relação do governo com as demais instituições do regime. Tentam controlar Bolsonaro e ao mesmo tempo mantê-lo no poder, como forma de manter seu próprio poder.
Mas, o cenário é extremamente volátil e a cúpula das Forças Armadas também tem sofrido desgastes, derrotas e pressões de sua própria base. Não estão fechados diante de uma saída de cunho mais autoritário e nem mesmo a um rearranjo com forças da direita tradicional.
De qualquer forma, definitivamente, eles têm lado e não é o nosso. Não são um fator confiável contra uma saída autoritária, pelo contrário. Hamilton Mourão não é, como chegou a declarar o governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), uma saída democrática para a crise. Qualquer ilusão nisso do ponto de vista da esquerda e do movimento dos trabalhadores pode ser fatal.
O papel da esquerda e do movimento dos trabalhadores
As divisões nas cúpulas, na burguesia, direita e extrema-direita, refletem de forma direita ou indireta turbulências na base. O papel da esquerda e do movimento dos trabalhadores nesse momento é criar condições para que essa turbulência pela base se expresse de forma organizada e coerente no próximo período.
A quarentena e isolamento social dificultam muito a tarefa de mobilização e luta dos trabalhadores. Ainda assim, existem várias categorias e setores que se mantém trabalhando e enfrentando condições precárias e de alto risco. Esses setores precisam de apoio e solidariedade para que possam lutar de forma organizada. Isso vale para os trabalhadores da saúde, transporte, comércio, entregadores de aplicativos, teleatendimento etc.
Além disso, nas comunidades pobres, periferias, morros e favelas, a tarefa de auto-organização é uma questão de vida ou morte nesse momento. O movimento de mulheres e LGBT também devem jogar um papel central na luta contra o aumento da violência doméstica e outros efeitos da quarentena e do agravamento da crise.
Investir nessas lutas é acumular força para uma saída organizada, radical e transformadora com a classe trabalhadora como protagonista.
Mas, é necessário que exista uma referência política geral para essas lutas, um horizonte claro a se alcançar. Esse norte político passa em primeiro lugar pela necessidade de derrubar Bolsonaro e suas políticas.
Não se conquistará isso passando a mão na cabeça de Rodrigo Maia, David Alcolumbre ou no STF. Iludem-se aqueles que acham que a velha direita neoliberal tradicional terá coragem, força ou disposição política de ir até as últimas consequências no enfrentamento a Bolsonaro.
Estamos a favor de toda e qualquer inciativa que vise à derrubada do governo, inclusive as iniciativas institucionais como o impeachment, apresentação de queixa-crime, denúncia de crime eleitoral da chapa etc. Mas, a única possibilidade que de fato leve à queda desse governo é se houver uma pressão forte e independente dos trabalhadores sobre todos os setores de dentro e fora do sistema político.
O movimento independente dos trabalhadores deve lutar pelo protagonismo na luta para derrubar Bolsonaro e, junto com isso, derrotar as alternativas burguesas e suas políticas neoliberais.
É para construir isso que devemos trabalhar. Por isso, a proposta de um ato de 1º de Maio, dia internacional de luta dos trabalhadores, com a presença de Rodrigo Maia, Toffoli e João Doria, representa um tiro no pé.
O 1º de Maio seria uma oportunidade para as organizações da classe trabalhadora colocarem sua marca na situação, rejeitarem Bolsonaro junto com sua política neoliberal, apontarem uma saída classista para a crise e pressionarem as instituições acumulando forças para a luta direta e de massas no futuro.
É preciso trabalhar para que a perplexidade, o sofrimento e o desespero dos de baixo aos poucos se transforme em rebeldia. Ela pode se dar inicialmente passiva ou contida, mas tem um potencial para explodir de forma aberta, radical e desafiadora.
Conseguir isso é possível, mas vai exigir uma postura firme e clara da esquerda e do movimento dos trabalhadores. Nesse processo é fundamental que se forje a quente uma alternativa dos trabalhadores e do povo pobre para salvar vidas, sair da crise e reconstruir o país sobre novas bases.
Assim, o Brasil pode deixar de reproduzir o cenário desesperador que combina a Lombardia, Nova Iorque ou Guayaquil de hoje e espelhar-se na força demonstrada pelos levantes populares do final do ano passado no próprio Equador, no Chile, na Colômbia e na resistência popular ao golpe na Bolívia.
Construir essa saída radical, de luta, de massas, democrática, anticapitalista e socialista é nossa tarefa.
- Fora Bolsonaro, Mourão e a agenda neoliberal!
- Em defesa da saúde, emprego, salário, renda e direitos democráticos!
- Por uma alternativa dos trabalhadores e do povo pobre para salvar vidas, sair da crise e reconstruir o país sobre bases anticapitalistas e socialistas!