Nossas vidas não podem ser negociadas

25/11: dia internacional de luta contra a violência contras as mulheres

25 de novembro é o dia internacional de luta e combate à violência contra a mulher. Seguimos por quase ininterruptos quatro anos denunciando o descaso que o governo de Bolsonaro teve com as políticas de combate a violência contra a mulher, as desigualdades de gênero e por mais direitos às mulheres. Foram afirmações públicas proferidas pela boca do chefe de Estado que nos impactaram antes e depois de eleito. Porém, o fato é que a atrocidade deste governo está para além do simbolismo, sentimos em toda sua política, nestes últimos anos, ataques aos direitos da classe trabalhadora, e sobretudo, das mulheres, negras, indígenas e lgbtqianp+.

A violência política apoiada por Bolsonaro e arraigada no bolsonarismo é uma marca do período que atravessamos. Sentimos isso mais fortemente durante a campanha eleitoral, quando o medo de nos posicionarmos politicamente e sermos agredidas foi uma dura realidade. Somado a isso, temos a violência de gênero e esse receio para nós ficou ainda maior. Desde a morte de Marielle Franco, ficou evidente o recado dos agressores de que não facilitarão para as mulheres, negras, indígenas, pobres e da esquerda estarem nos espaços de poder.

Violência política

Com relação à violência política, nos últimos dois anos foram registrados  54 assassinatos, 109 atentados, 151 ameaças, 94 agressões, 104 ofensas, seis casos de criminalização e cinco de invasão. Nas últimas eleições houve uma tentativa ou efetivação de assassinato a cada cinco dias e os partidos que mais sofreram foram PT e PSOL. 

Desde a extinção do ministério de políticas públicas para as mulheres, vimos o desmantelamento do pouco conquistado. Mesmo com o governo federal promovendo o desincentivo à informação e á pesquisa, os dados oficiais revelam um desastre. O próprio ministério agrupado e renomeado como Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos publicou que no 1º semestre deste ano houve 169.676 casos de violência doméstica contra as mulheres registrados, essa quantidade alta é subestimada por se tratarem apenas de violências denunciadas. Segundo o dossiê da violência contra a mulher, foram registrados pela segurança pública mais de 1.300 casos de feminicídio em 2021, sendo 62% destes contra mulheres negras. Temos 1 estupro a cada 10 minutos, 26 agressões físicas por hora, 1 transfeminicídio a cada 2 dias, 3 mulheres assassinadas a cada dia. 

O lar é o lugar mais perigoso

O relatório mais recente da segurança pública mostrou que 68% dos casos de feminicídio ocorreram dentro de casa. Esses dados mais uma vez contestam o falso moralismo de que somente estamos em risco nas ruas e lugares públicos. 

 O descaso vem do Estado capitalista, que permite tamanha violência quando perpetua uma sociedade desigual, com uma classe social miserável e refém da própria sorte. 

Cortes dramáticos

A chave mestra da misoginia do governo bolsonarista é a dramática redução orçamentária para políticas públicas de combate à violência contra as mulheres. Em 2020 os recursos eram de R$100,7 milhões,em 2021 foram de R$ 30,6 milhões e em 2022 sobraram R$ 9,1 milhões. Na previsão orçamentária para 2023 o valor chega a ser 94% menor do que há quatro anos. O recado é nítido, neste governo somos uma vida que não vale ser defendida.

Com o orçamento reduzido, as políticas públicas de combate à violência se desmantelaram e junto a isso o desemprego e a crise econômica pioraram  a realidade de uma mulher pobre brasileira. Somos nós mulheres, racializadas, lgbtqianp+ e pobres que lidamos com o maior fardo deste sistema injusto. Tivemos uma crise econômica e uma pandemia, demos resposta a isso, vimos eclodir das favelas e periferias a solidariedade da classe trabalhadora, sobretudo, das mulheres dessa classe, as iniciativas e gestão das entregas de alimentos, cestas básicas e kit de proteção sanitária. 

Nós vencemos Bolsonaro nas eleições, mas sabemos que ainda não vencemos as suas ideias nas ruas, lidamos com um pós eleições conturbado e a ameaça golpista está presente. Além disso, a vitória está mais baseada numa negação do bolsonarismo do que na sensação de que o campo do futuro governo Lula contempla nossas pautas. Na ideia de não posicionar-se sobre questões moralizadas pelo cristianismo conservador do país, preferiram se igualar, afirmando que Lula seria adequado, pois é muito cristão e contra o aborto, entre outro rebaixamentos. 

O erro foi não responder a milhões de brasileiros sobre a importância do respeito à diversidade religiosa. Sobretudo, num contexto onde o bolsonarismo destila preconceito racista e raivoso contra crenças, cultos e religiões de matriz africana e cosmovisões indígenas. 

Em 2021, as denúncias por intolerância religiosa cresceram 141%, das quais a maioria, de 65,19%, foram contra mulheres que são alvos da violência religiosa. Outro erro é não politizar o debate que põe milhões de mulheres sob o risco de serem presas ou mortas por um Estado que nega o direito ao aborto seguro para as mulheres pobres. No Brasil, o aborto inseguro é uma das principais causas da morte materna. Estima-se que 4,7 milhões de mulheres já realizaram aborto no Brasil, segundo relatório de 2016. No fim, Lula firmou compromissos que rifam nossas bandeiras. Tal posição do campo lulista quer apenas negociar por cima e dizer quando nós poderemos colocar nossas pautas nas ruas ou não. Mas nesse filme sabemos o final e não sobra espaço para bandeiras das mulheres, lgbts, negras e indígenas.

A conciliação de classes gera um impasse

Agora, com a promessa de que as mulheres representarão a metade dos ministérios do próximo governo, Lula e seus aliados no governo terão muitas dificuldades de garantirem nossas necessidades. De um lado, há nomes colocados para acompanhar a transição que  representam interesses da elite. De outro, estariam representantes da esquerda como Anielle Franco (irmã de Marielle Franco), Guilherme Boulos, Sonia Guajajara, Douglas Belchior e Iêda Leal. 

O fato de buscarem colocar nomes representativos, mais mulheres, etc, mostra que há um setor avançado ao qual Lula terá que responder, mas o compromisso firmado na campanha não foi com nossas bandeiras e não é garantia de mais direitos.

Por isso, nenhum passo atrás na luta. Estamos sobrecarregadas, endividadas, desempregadas, passando fome, miséria e violência. Não podemos negociar aquilo que nos custa a vida. Somente uma alternativa feminista, antiracista e socialista nas ruas conseguirá mostrar que direitos se conquista com luta e não se ganha pela institucionalidade. Devemos seguir rumo a um 8 de março combativo que possa ganhar mais consciências e corações.

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