Racismo contra refugiados negros que fogem da Ucrânia
É necessária uma resposta da classe trabalhadora
O mundo está na ponta dos pés observando com horror os acontecimentos que se desenrolam na Ucrânia. No momento da redação deste artigo, mais de 1,2 milhão de pessoas fugiram da Ucrânia para países vizinhos como Polônia, Romênia, Hungria, Eslováquia e outros. Esses grupos são formados por cidadãos ucranianos, mas também muitos imigrantes e estudantes internacionais de diversos países, incluindo Índia, Egito, Marrocos, Nigéria e Turcomenistão.
Bem nas fronteiras da Polônia, as autoridades estão priorizando os refugiados ucranianos antes de “outros” refugiados, isolando as pessoas por raça para decidir quem passa pela fronteira. Isso está alinhado com a política oficial da União Europeia, de oferecer proteção apenas aos cidadãos ucranianos e àqueles que vivem permanentemente no país. Na semana passada, vídeos de pessoas negras sendo impedidas de entrar em ônibus se tornaram virais, com alguns dizendo que foram retirados do ônibus por ucranianos brancos dizendo que é o governo deles e que eles têm o direito de estar no ônibus primeiro. Estudantes africanos e indianos ficaram retidos nas estações de trem; mães com bebês, crianças pequenas e estudantes foram deixadas em temperaturas abaixo de zero para se virarem sozinhas.
Grupos de negros e outros imigrantes que decidiram fugir da situação na Polônia a pé, caminhando até 10 horas, tiveram o mesmo destino nas fronteiras húngaras – exclusão por serem africanos, asiáticos ou do Oriente Médio. O desespero está crescendo e eles estão presos no limbo enquanto dinheiro, comida e suprimentos médicos estão acabando e eles precisam de abrigo.
Além disso, as reportagens da mídia colocaram lenha na fogueira, com comentários racistas repugnantes sobre refugiados e a guerra. Por exemplo, um correspondente da NBC comparando crises anteriores de refugiados com os refugiados “cristãos” e “brancos” da Ucrânia. Ou a declaração chocante de um repórter da Al Jazeera: “O que é fascinante é olhar para eles, a maneira como estão vestidos. São pessoas prósperas, de classe média. Estes não são obviamente refugiados tentando fugir do Oriente Médio… ou do Norte da África. Eles se parecem com qualquer família europeia com a qual você moraria ao lado”.
A classe capitalista é incapaz de solucionar a crise humanitária
No início da pandemia, os países ocidentais ricos conseguiram comprar vacinas rapidamente e muitas vezes em grandes quantidades, enquanto os países mais pobres do mundo neocolonial foram deixados para trás por não conseguirem competir financeiramente. As vacinas foram distribuídas ao longo das divisões de classe em escala global. Os países do mundo neocolonial e outros países pobres foram forçados a ficar no final da fila nos esforços de vacinação por um longo período, somando-se aos desafios impostos por anos de imperialismo e colonialismo. Esta crise é mais uma exposição mortal de como as nações ricas e as empresas farmacêuticas multinacionais tratam os pobres e seu desprezo pelos trabalhadores e oprimidos – a guerra de classes exibida de forma escancarada.
A maioria dos estudantes africanos e indianos está na Ucrânia para obter diplomas universitários e perspectiva de emprego, mas está sendo tratado nas fronteiras como migrantes por motivos econômicos ao invés de refugiados, desabrigados pela mesma guerra que os ucranianos brancos. É a norma para os países ocidentais tratar os refugiados como animais. Desta vez, porém, misturada com refugiados brancos europeus no mesmo conflito, a discriminação baseada na cor da pele, o patriotismo divisionista e a “ameaça” fictícia às “nações” europeias é exposta para todos verem.
Apesar da crescente crise humanitária, os governos não estão fazendo o suficiente para financiar os esforços de socorro, como melhorar o transporte e fornecer abrigo para refugiados. Em vez disso, muitos estão usando a crise para reforçar os orçamentos militares e gastando centenas de bilhões de euros em armas e equipamentos militares. Inevitavelmente, as tendências racistas estão aumentando sob essas condições adversas, pois as pessoas são forçadas a competir para alcançar a segurança. Similar a esse cenário, as tensões xenofóbicas estão aumentando na África do Sul devido à pobreza e condições deploráveis enfrentadas pela classe trabalhadora.
Os países europeus negligenciaram completamente a crise de refugiados por semanas em 2015, com pessoas morrendo de fome e desidratação em suas fronteiras. Se não fosse pelo enorme esforço de voluntários comuns, os refugiados na Áustria teriam enfrentado uma tragédia absoluta, semelhante às terríveis condições na Hungria. Não dá mais para esconder o papel dos governos em alimentar o racismo por meio de políticas racistas de imigração. Também essa vez, sem a intervenção do governo, voluntários e ONGs estão ajudando a colocar o maior número de pessoas em segurança e fornecer abrigos para refugiados que chegam e pessoas comuns estão reunindo fundos para resgatar refugiados africanos.
Os governos nigeriano e ganense iniciaram planos de resgate, seguindo o exemplo de ONGs e indivíduos, somente após críticas da mídia e celebridades. Essa atitude covarde é uma característica proeminente em políticos capitalistas africanos cujos países são fortemente dependentes de investimentos estrangeiros, ou mais corretamente, de corrupção – por meio de acordos comerciais exploratórios, salários miseráveis de empresas multinacionais e empréstimos predatórios.
Guerra na Ucrânia tem implicações de longo alcance
A atual guerra na Ucrânia é resultado de décadas de competição imperialista pelo controle. A OTAN continuou seu avanço econômico e militar para o leste da Europa desde a queda da União Soviética. O nacionalismo é um fator chave para a mobilização militar tanto na Rússia quanto na Ucrânia. Outros países europeus procuram defender seus próprios interesses nacionais à medida que o conflito se intensifica. No entanto, são as pessoas da classe trabalhadora que mais sofrem e morrem durante as disputas imperialistas pelo poder.
Na África do Sul, o governo do Congresso Nacional Africano (CNA) está em cima do muro, argumentando que os países devem fornecer ajuda e empatia a todos, com apelos vazios por resoluções “diplomáticas” para o conflito. A hesitação em falar explicitamente contra a Rússia tem a ver com laços econômicos. Historicamente, a União Soviética apoiou a luta contra o apartheid, e hoje a África do Sul é membro do BRICS – uma aliança econômica e política ‘informal’ entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Durante as negociações do fim do apartheid, o mesmo CNA permitiu a assinatura de acordos com entidades neoliberais ocidentais, como FMI, Banco Mundial e GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio, precursor da OMC). No entanto, os impactos econômicos do conflito serão sentidos em escala global e não importa qual “lado” o governo do CNA escolha – e será cada vez mais pressionado a tomar um ou outro – a classe trabalhadora global está a perder.
As pessoas já estão relacionando a guerra na Ucrânia como um grande impulsionador para aumentos recordes de combustível e aumentos nos preços dos alimentos na África do Sul. Para os consumidores que mal sobrevivem, os aumentos de preços são um golpe devastador. Os países africanos que dependem da importação de grãos também sentirão os efeitos da guerra. É difícil dizer se isso resultará no aumento dos preços e na disputa pela África e outros mercados mundiais neocoloniais em meio à interrupção do comércio na Rússia e na Ucrânia ou se essa interrupção pode resultar em escassez para as populações locais. O que está claro, porém, é que o CNA, junto com outros governos do BRICS, mostrou seu desdém pela população trabalhadora de seus próprios países. Eles vão ficar do lado dos belicistas imperialistas em ambos os lados desta Guerra Fria, antes de mostrar qualquer solidariedade com a única força real que pode acabar com esta guerra – as massas da classe trabalhadora da Rússia e da Ucrânia.
As repercussões econômicas desta guerra deixarão a infraestrutura e as terras devastadas, afetando a segurança alimentar na Ucrânia, Rússia e no resto do mundo. Milhões de pessoas já estão desalojadas de suas casas e condenadas à pobreza. Enquanto, em última análise, a classe trabalhadora que precisará reconstruir o que esta guerra destrói, precisará também se proteger contra a classe dominante, que está usando a guerra para cortar serviços sociais e promover mais divisões. Não há dúvida de que os governos envolvidos usarão essa guerra para justificar medidas de austeridade e aumento nos orçamentos militares, como já vimos em países como a Alemanha. Ao mesmo tempo, uma nova crise de refugiados oferece novos rostos para a classe dominante europeia servir de bode expiatório às falhas inerentes ao capitalismo.
Unidade da classe trabalhadora – chave para combater o racismo e acabar com a guerra
O crescente sentimento anti-imigração da Europa nos últimos anos foi alimentado pelo crescente racismo e crescimento de partidos de extrema direita e fascistas. Reflete a incapacidade dos governos e da União Europeia para lidar com a crescente crise capitalista e uma crise de refugiados decorrente de guerras no Oriente Médio e na África, endossadas pelos governos ocidentais. As elites de ambos os lados confiam no nacionalismo para impulsionar os esforços de guerra, recrutando à força jovens para lutar e morrer pelos senhores da guerra capitalistas e imperialistas. Mesmo nas eleições, os partidos populistas de direita estão sempre procurando aumentar suas bases, fazendo apelos nacionalistas e racistas para colocar os ‘europeus’ em primeiro lugar e tornando refugiados em bodes expiatórios pela falta de empregos e padrões de vida crescentes. Estas são táticas típicas de “dividir para governar” para distrair a classe trabalhadora de tirar a conclusão de que é o próprio sistema capitalista que cria estas condições – e que um mundo é possível onde não temos que lutar com os mais oprimidos e vulneráveis por migalhas que caem da boca do patrão.
Em 2015, o influxo de refugiados na Europa fugindo da guerra na Síria, Iraque ou Afeganistão chegou perto de 1 milhão. Suécia, Áustria, Belarus e outros países começaram a implementar controles de fronteira e de identidade. Isso alimentou o medo irracional de que os refugiados negros, árabes e asiáticos, particularmente, representam uma ameaça para suas “nações”. Embora essas nações europeias tenham a riqueza e os recursos para fornecer condições de vida estáveis, empregos e assistência médica a todos, inclusive aos refugiados, os governos dessas nações fazem a escolha consciente de proteger os lucros dos ricos e contrapor as necessidades dos refugiados com as do resto da classe trabalhadora e pobre. No entanto, acolher refugiados é apenas o primeiro passo, que não garante emprego, acesso a saúde e casas para aqueles que ficarão retidos, por só Deus sabe quanto tempo durará este conflito.
Quando mais de mil refugiados na Hungria marcharam de Budapeste para a fronteira austríaca em 2014, em protesto contra a recusa do governo húngaro de fornecer trens para a Áustria e a Alemanha, essa decisão foi revertida durante a noite e ônibus foram fornecidos pelas autoridades para levar os refugiados exaustos para a fronteira.
Os sindicatos podem ser uma força poderosa contra os ataques de governos de direita. Podemos seguir o exemplo das manifestações na Bélgica em 2014, quando belgas e imigrantes fizeram uma greve geral contra as medidas de austeridade. O movimento envolveu trabalhadores ilegais e imigrantes explorados por seus patrões.
A luta contra o racismo e a solidariedade com os refugiados tem sido um importante campo de trabalho do WASP (e da ASI). Há cinco anos, desempenhamos um papel fundamental em Hong Kong ao estabelecer uma associação de refugiados com cerca de dois mil membros. Na Europa, nossos camaradas organizaram campanhas contra deportações e racismo em muitos países. Na África do Sul, o WASP tem se solidarizado com organizações comunitárias e migrantes que enfrentam e lutam contra a xenofobia.
Um movimento unificado da classe trabalhadora contra a guerra e o imperialismo é a única saída para essa confusão, inclusive apoiando os protestos contra a guerra na Rússia, bem como a paralisação do trabalho, contra o transporte de armas e equipamentos militares. Um exemplo brilhante foi visto em 3 de março, quando trabalhadores portuários do Reino Unido se recusaram a descarregar um navio-tanque de gás da Rússia, já que o Reino Unido gasta bilhões em gás russo que agora pode ser usado por Putin para financiar a guerra na Ucrânia. Estudantes e sociedade civil devem se unir em ações solidárias contra essa guerra.
As divisões dentro da classe trabalhadora são fundamentais para o capitalismo, e a classe dominante já está usando essa guerra para reverter décadas de ganhos duramente conquistados pela classe trabalhadora. Da África do Sul à Suécia, dos EUA ao Reino Unido, da China ao Chile, a classe trabalhadora deve ser organizada independentemente da classe capitalista que procura nos explorar para obter lucro – por meio de baixos salários, medidas de austeridade e até da guerra. Como disse Fred Hampton, não vamos combater o racismo com racismo, nem o capitalismo com capitalismo negro. A verdadeira mudança permanente para a paz e a igualdade além das divisões nacionalistas, racistas e machistas requer a reorganização completa da sociedade – isto é, a construção de um movimento de solidariedade real da classe trabalhadora com um programa socialista.
A ameaça de uma guerra nuclear representa uma ameaça existencial para a humanidade. Exigimos que as tropas russas se retirem da Ucrânia para seus quartéis – não temos ilusões em nenhuma entidade imperialista que acabe com esta guerra. Ressaltamos que esse conflito não é do interesse da classe trabalhadora. Além disso, enfatizamos que a resistência em massa da classe trabalhadora, particularmente na Rússia, pode acabar com esse conflito. Condenamos veementemente as ações racistas que foram vistas nas fronteiras da Ucrânia contra africanos e asiáticos, assim como condenamos o sacrifício de vidas da classe trabalhadora para ganho imperialista.