Não à guerra – fora as tropas russas da Ucrânia, não ao imperialismo da OTAN
No momento em que este texto foi escrito em 3 de março, a guerra do regime de Putin contra a Ucrânia entrou em seu oitavo dia. A guerra, que tem escalado constantemente, está causando cada vez mais baixas e destruindo infraestruturas, centros urbanos e áreas residenciais. Um milhão de pessoas foram forçadas a fugir das bombas, mísseis e batalhas terrestres.
É uma guerra imperialista e uma séria escalada da luta pelo poder global sobre esferas de interesse, mercados e prestígio na arena mundial. A guerra é uma continuação brutal das políticas repressivas do regime de Putin em casa e seu chauvinismo grão-russo.
As tropas russas devem ser retiradas da Ucrânia imediata e incondicionalmente. A necessidade de apoio e socorro é enorme e aqueles que foram forçados a fugir da guerra e da opressão, independentemente do país de origem, devem receber proteção e asilo permanentes.
Deve ser dado total apoio aos corajosos protestos antiguerra realizados na Rússia, apesar das prisões em massa, punições e risco de demissão.
Mas nenhuma confiança e apoio podem ser dados aos governos da União Europeia e ao imperialismo dos EUA que usaram a guerra para seus próprios propósitos e interesses. Está sendo aplicada uma nova doutrina de choque onde os horrores da guerra e a mais profunda crise de segurança na Europa desde a Segunda Guerra Mundial são usados para mudar rapidamente a política e realizar o rearmamento militar mais poderoso dos tempos modernos, fortalecer a OTAN e remover todos os obstáculos à exportação de armas. O rearmamento militar acarreta novas medidas de austeridade, encargos e cortes sociais, uma tendência que vimos antes mesmo da eclosão da guerra. Ao mesmo tempo, a crescente militarização da Europa, como na região do Mar Báltico, não contribui de forma alguma para reduzir as tensões e os riscos de conflito. Pelo contrário.
O fato de que a guerra e as tensões militares entre as potências imperialistas sejam descritas como a “nova situação normal” dá uma imagem assustadora das ameaças que estão por vir se os trabalhadores e pobres do mundo não estiverem unidos na luta por um mundo socialista de paz e liberdade. Ou como os socialistas proclamaram há mais de cem anos: “O militarismo deve morrer se o povo irá sobreviver”.
Protestos antiguerra em grande escala ocorreram em todo o mundo e há uma enorme vontade de mostrar solidariedade, o que forçou os líderes da União Europeia a reduzir em algum grau e temporariamente as medidas que compõe o muro contra refugiados, aceitando refugiados da Ucrânia. De acordo com a proposta, os refugiados ucranianos poderão permanecer e receber proteção por pelo menos um ano. No entanto, os governos social-democratas da Suécia e da Dinamarca se opuseram até o último momento ao que eles desdenhosamente rotularam como “lei coletiva de asilo”. Ao mesmo tempo, é repugnante o racismo relatado, onde negros são impedidos de fugir da Ucrânia por guardas de fronteira ucranianos e poloneses.
A União Europeia pretende ativar uma diretiva de 20 anos que se destinava a fornecer proteção aos refugiados das guerras na ex-Iugoslávia, mas que nunca foi implementada. Isso abrirá as portas para que os refugiados da Ucrânia permaneçam um ano na UE com o direito de ir à escola e trabalhar sem ter que passar por um processo de asilo. Os que sempre foram contra refugiados, como os governos polonês e húngaro – mas também municípios liderados pelo SD [partido racista da extrema-direita] na Suécia, como Sölvesborg – agora estão mudando e aceitando refugiados. No entanto, devemos esperar que a União Europeia e os países e municípios de direita em breve deverão culpar os refugiados pelos problemas internos e alegar que “a recepção de refugiados” é a razão do “por que temos que fazer cortes”.
Simultaneamente com a escalada da guerra foram realizadas negociações sobre um possível cessar-fogo. Hoje, 3 de março, novas negociações serão realizadas, mas, a julgar pelo desenvolvimento da guerra, infelizmente não há muito que indique que um caminho será aberto para um cessar-fogo. As primeiras conversas realizadas no início desta semana não produziram resultados conhecidos, mas foram seguidas por uma guerra ampliada com novas tropas russas pelo presidente da Belarus, Lukashenko, o fiel escudeiro de Putin, abrindo para permitir que armas nucleares sejam localizadas no país e para que as forças russas possam se estabelecer lá permanentemente. Também há informações de que tropas da Belarus entraram na Ucrânia, algo que Lukashenko negou com o comentário “Não é necessário”.
A guerra criou a pior crise de segurança na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial e seu terremoto geopolítico deixará o mundo mais inseguro por muito tempo. As ações do imperialismo ocidental agravam ainda mais a situação. Por exemplo, quando a embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, Linda Thomas-Greenfield, falou na Assembleia Geral da ONU e disse que Putin havia ameaçado invadir a Finlândia e a Suécia, o que é uma interpretação exagerada da real ameaça de Putin.
O choque e a ansiedade criados pela guerra foram usados pela elite do poder para impor, no âmbito de uma nova doutrina de choque, o que eles há muito desejavam, mas consideravam impossível de implementar. O aumento do armamento militar que agora começou, depois que os gastos militares mundiais já há anos atingiram seu nível mais alto desde a velha Guerra Fria, só tem seu equivalente no armamento que precedeu as duas guerras mundiais.
“A guerra corre o risco de se tornar muito mais brutal e sangrenta do que vimos até agora. A situação é muito sombria”, diz o correspondente da TV estatal sueca, Samir Abu Eidm, presente em Lviv, no oeste da Ucrânia, que até agora não foi submetida ao mesmo terrível bombardeio e disparo de foguetes que muitas outras cidades do país.
Na segunda maior cidade do país, Kharkiv, localizada na parte oriental da Ucrânia e cuja população é principalmente de língua russa, combates violentos eclodiram por vários dias e há muitas indicações arrepiantes de que a próxima fase sangrenta da invasão será um cerco da capital Kiev, e que a conquista da cidade de Kherson será seguida por contínuos avanços russos no sul da Ucrânia. No sul, as forças do regime de Putin estão se reunindo para o que parece ser uma grande ofensiva para capturar a cidade industrial e portuária de Mariupol, garantindo assim, rodovia e ferrovia ligando as repúblicas separatistas controladas pelos russos de Donetsk e Luhansk à Crimeia e garantindo o controle das áreas costeiras ao redor do Lago Azov.
No entanto, o esforço de guerra russo encontrou uma resistência muito maior do que o esperado. Como a guerra liderada pelos EUA no Iraque, o esforço de guerra maciço do imperialismo russo e a invasão em larga escala visaram chocar e amedrontar e provocar uma “mudança de regime”. Mas Moscou, e como indica relatos também o Pentágono, subestimaram a vontade de defender a Ucrânia e superestimaram sua própria capacidade militar. Apesar da destruição e das vítimas, permanece o desejo de repelir a invasão russa e há muitos testemunhos de como multidões desarmadas saíram às ruas e pararam o avanço de tanques.
A maior força militar não é uma vantagem tão grande em terreno urbano, como mostrou a batalha de Mossul, onde as tropas iraquianas e curdas levaram quase nove meses para expulsar o Estado Islâmico, apesar de ter forças muito maiores. Ao contrário de Mossul, as forças ucranianas também contam com o apoio da população local.
De acordo com dados ucranianos, mais de 4.500 soldados russos foram mortos, com dados russos afirmando que 498 soldados foram mortos. O fato de o regime de Putin reconhecer perdas é um reconhecimento indireto de que o início da guerra não ocorreu de acordo com os primeiros planos. “Putin iniciou a invasão mesmo sabendo que o mundo ocidental responderia com severas sanções econômicas e um fortalecimento significativo do flanco leste da OTAN. Agora que ele iniciou o ataque, ele provavelmente continuará com uma tentativa de derrubar o governo de Zelensky e instalar um regime fantoche em Kiev”, escreveu a “equipe de especialistas” (thinktank) estadunidense Councilon Foreign Relations sobre os objetivos do esforço de guerra.
Um horrível cenário de horror ameaça se Moscou tentar seguir em frente para tomar Kiev, estabelecer um governo Quisling [governo fantoche dos nazistas na Noruega durante a Segunda Guerra Mundial], na prática, ocupar o país. Se as atuais conversas e tentativas de mediação, mesmo por parte do regime chinês, permanecerem infrutíferas, há um risco iminente de que um regime de Putin cada vez mais desesperado e isolado lance uma guerra de terror em grande escala do ar contra cidades ucranianas, como os bombardeios e mísseis, semelhantes aos ataques que destruíram a capital da Chechênia, Grozny, em 1999-2000, e cuja devastação fez de “Grozny a cidade mais destruída do mundo”, segundo o relatório de 2003 da ONU.
O desenvolvimento dos próximos dias pode ser decisivo.
A guerra pode marcar o início do fim do regime de Putin, que foi recebido com muitos protestos corajosos em casa, e protestos ocorreram também na Belarus, contra uma guerra que mergulha a Rússia em uma crise profunda. As medidas tomadas pelo Ocidente significaram que a Rússia foi excluída do sistema financeiro global e que os ativos do banco central russo nos EUA foram congelados, o que o impede de usar suas reservas cambiais para, por exemplo, apoiar o rublo que está afundando. A queda do rublo pode sinalizar o início da hiperinflação.
Quanto mais a guerra durar, mais provável é que Putin enfrente uma oposição crescente em casa, e embora a Rússia seja militarmente superior, isso por si só não é decisivo.
É difícil ver como uma ocupação russa seria possível. Os estimados 160 mil soldados russos são significativamente mais do que o exército da Ucrânia, mas ainda são poucos para manter a ocupação de um país tão grande quanto com várias cidades com milhões de habitantes.
Durante os primeiros sete dias da guerra houve uma dramática reversão das políticas de defesa e segurança dos governos da União Europeia e o imperialismo dos EUA conseguiu unir o Ocidente por trás da contínua expansão e aumento militar da OTAN. A OTAN não é uma aliança de defesa, mas uma aliança de guerra, formada em 1949 pelo imperialismo dos EUA com o objetivo de “manter os americanos dentro (na Europa Ocidental), os russos (fora) e os alemães para baixo”, como o primeiro secretário-geral da OTAN, o general britânico Lord Lionel HastingsI Smay, explicou cinicamente. Quando a velha Guerra Fria terminou com o colapso do Muro de Berlim e da União Soviética, a OTAN, depois de “entrar em uma crise de identidade e questionar sua relevância continuada”, como é se diz num relato histórico, passou a ser uma ferramenta para o imperialismo estadunidense manter sua presença militar na Europa Ocidental, bem como expandir para o leste e ganhar aliados na Europa Oriental e Central. Hoje, a OTAN também está desempenhando um papel crescente como ferramenta dos Estados Unidos na nova Guerra Fria contra a China.
Desde o colapso do stalinismo em 1989-91, a OTAN travou guerra contra a Sérvia, o Afeganistão e a Líbia com apoio sueco e nestes dois últimos também com participação sueca. Durante os anos 2000, a cooperação sueca da OTAN tornou-se tão extensa e próxima que “a Suécia é um parceiro mais próximo da OTAN do que alguns de nossos aliados da OTAN” (Ken Howery, que foi embaixador de Trump em Estocolmo, em Dagens Nyheter em 21 de novembro de 2020).
Ao mesmo tempo, os governos suecos, principalmente os últimos governos liderados pela social-democracia, fortaleceram constantemente seus laços militares com os EUA.
Essa política agora foi rapidamente levada a um novo nível pelo atual governo social-democrata com a decisão de enviar armas para a Ucrânia porque “serve melhor à nossa segurança”, segundo a primeira-ministra Magdalena Andersson. Por “nossa” entende-se os interesses e aspirações da OTAN. “É tão surpreendente quanto rápida a reviravolta na política de defesa e segurança sueca que estamos testemunhando agora”, elogia o tradicional jornal de direita Svenska Dagbladet e espera que o próximo passo do governo seja fazer o que o governo de coalizão liderado pela socialdemocracia fez na Alemanha e aumentar rapidamente os gastos militares de 1,5% para 2% do PIB, o que, segundo a OTAN, deveria ser um nível mínimo. É possível que os social-democratas na Suécia mudem de linha e, como fizeram na Finlândia, digam sim à entrada na OTAN.
A guerra e o armamento militar dos governos aumentou as expectativas dos donos das fábricas de armas por novas encomendas e lucros maiores. O ano começou com uma queda no mercado de ações, mas as ações da fabricante de armas Saab subiram 20%: “A Saab é uma alternativa segura em um mundo incerto. A guerra na Ucrânia levará cada vez mais países ao redor do mundo a aumentar significativamente os gastos com defesa”, escreveu[a revista de finanças] Affärsvärlden satisfeito em nome do capitalismo sueco.
O fato de a liderança do Partido de Esquerda, sem nenhuma discussão ampla, ter cedido e oferecido a paz com o governo é uma traição que dificulta a construção de um movimento contra a guerra que também diga não ao militarismo da OTAN e que se oponha a todas as tentativas pela elite do poder para explorar a guerra para seus propósitos.
Que é possível construir um movimento contra a guerra é demonstrado pela enorme solidariedade expressa em registros de arrecadação de fundos e disposição para ajudar. O grupo Refugees Welcome (Refugiados Bem-Vindos) em Estocolmo relatou no rádio que mais de 3 mil voluntários já foram registrados, em comparação com apenas dois no mês de janeiro.
Como o Offensiv [jornal semanal da ASI na Suécia] escreveu em seu último editorial:
“Para os socialistas, o ponto de partida é sempre, também em guerra, o que beneficia os trabalhadores, os pobres e as pessoas comuns. As melhores tradições do movimento de trabalhadores são resistir à guerra e ao militarismo, ter uma linha independente – não se aliar à direita, ao capital e ao Estado.Os socialistas apoiam os protestos contra a guerra na Rússia, protestos de massas internacionalmente e um bloqueio implementado mundialmente por trabalhadores contra a máquina de guerra de Putin, que juntos podem ter o maior efeito. Independentemente do desenvolvimento da guerra na próxima semana, tudo e todos serão afetados por bastante tempo: a consciência, as relações de poder e a economia. Para todos que são contra a guerra, é importante analisar e mobilizar contra a guerra e o sistema capitalista global.”