O petróleo será nosso?

A descoberta de grandes reservas de petróleo no pré-sal se tornou uma das armas centrais do governo na disputa para eleger um sucessor de Lula nas eleições no ano que vem. No seu discurso na TV dia 06 de setembro, Lula chamava o povo a “celebrar uma nova independência”, com o pré-sal (e o governo) como um “passaporte para o futuro”.

Temos que olhar por trás da propaganda eleitoral e nacionalista e analisar a proposta do governo. As descobertas no pré-sal têm o potencial de transformar o Brasil em um dos maiores produtores do mundo, mas o petróleo ainda está longe de ser nosso.

As propostas do governo vão no sentido de aumentar a fatia da produção do petróleo que vai para o Estado, revertendo parcialmente a política entreguista e privatista de FHC. Mas só parcialmente. As reservas de petróleo fora da área do pré-sal vão continuar sob o antigo regime de “concessão” de FHC, os leilões vão ser mantidos. O modelo também vai ser mantido nas áreas do pré-sal que já foram leiloadas, 29% do total.

A própria Petrobras vai continuar a ter uma grande fatia de capital privado. Hoje só um terço do capital está sob o controle do Estado brasileiro. Isso significa que a maioria dos enormes lucros da empresa cai em mãos privadas. Mesmo se o governo quiser aumentar essa fatia, é incerto que consiga chegar a 50%.

Não se trata então de voltar à situação que exisita antes das reformas neoliberais de FHC, quando a Petrobras tinha monopólio e 80% do capital da estatal era público. Na verdade, o governo Lula manteve a política privatista de FHC durante todo o seu governo nos últimos sete anos. Cerca de 500 blocos foram leiloados nesse período.

Na proposta do governo, a parte da produção que fica com o Estado deve aumentar dos atuais 5% a 50% para 80% no caso do pré-sal. Isso ainda fica abaixo dos 84% que é a média dos países exportadores,ou dos 90% que é a parcela do Estado nos países da OPEP, mas mostra que seria insustentável seguir na linha entreguista com reservas de petróleo tão grandes.

Repetir o segundo turno da campanha de 2006

A intenção clara do governo Lula é de repetir o cenário do segundo turno de 2006 nas eleições em 2010. Em 2006, Lula atacou Alckmin pela esquerda, acusando-o de querer privatizar a Petrobras e o Banco do Brasil, assim criando um perfil de esquerda e escondendo a política privatista do próprio governo Lula.

O cenário pode ficar bastante complicado para a esquerda, que vai enfrentar uma massiva campanha de tom nacionalista onde um futuro dourado é prometido para todos. Isso sem precisar comprovar nada, já que a produção em larga escala do pré-sal só é esperada para 2015. Isso vai se somando à Copa do Mundo de 2014, a campanha pelas Olimpíadas em 2016 etc.

Campanha unitária racha?

O cenário se complica pelo fato que a campanha unitária “O Petróleo tem que ser nosso” agora deve enfrentar divisões, com as organizações governistas apoiando a campanha do governo Lula, propondo somente alguns “ajustes”. Já alguns dias antes da apresentação do projeto do governo foi apresentada uma proposta de lei por Fernando Marroni (PT-RS), assinada por 27 deputados (infelizmente incluindo Chico Alencar do PSOL), que traz recuos dos pontos acordados da campanha. O projeto, impulsionado pela Federação Única dos Petroleiros (CUT) abre a possibilidade para a concessão de indenizações para as multinacionais em caso de estatização e também reafirma a manutenção da Agência Nacional do Petróleo criada por FHC.

A posição da esquerda deve ser de reverter totalmente a lei 9.478 de 1997 de FHC, fechando a ANP e acabando com os leilões, reintroduzindo o monopólio estatal do petróleo, incluindo os blocos já concedidos. Isso significa uma reestatização das jazidas de petróleo. A Petrobras tem que ser 100% estatal, mas isso não é suficiente.

A Petrobras não pode funcionar sob a lógica do mercado como hoje e a política de terceirizações tem que acabar. Os recursos devem ser usados para cumprir as necessidades do povo trabalhador, sempre em harmonia com o meio ambiente. Por isso as organizações da classe trabalhadora (sindicatos, movimentos sociais, etc) devem participar na gestão e controle das riquezas do pré-sal. As estatizações devem ser feitas sem indenizações para os grandes capitalistas, somente trabalhadores e pequenos investidores devem ser compensados.

Quais são as propostas?

Modelo de exploração No modelo atual, de “concessão”, a empresa que paga mais no leilão fica com a reserva de petróleo e paga um imposto sobre o que é extraído. No modelo de partilha, a produção é dividida entre a empresa e o Estado. No leilão ganha a empresa que aceita levar a menor parcela.

 • Papel da Petrobras A Petrobras passa a ser a única operadora, ou seja, responsável por furar e extrair o petróleo. As outras empresas entram somente como investidoras, e a Petrobras terá uma participação mínima de 30% nos consórcios que vão explorar os blocos do pré-sal. Além disso, é possível que a Petrobras seja contratada exclusivamente, sem leilão, em campos considerados importantes.

O fato de que a Petrobras será a única operadora não significa automaticamente um monopólio público. Hoje dois terços dos que trabalham para a Petrobras são terceirizados.

Capitalização Para fortalecer a Petrobras e aumentar sua capacidade de investir, o governo quer aumentar o estoque de ações da empresa em cerca de R$ 100 bilhões. Segundo a lei, novas ações devem ser oferecidas a todos os acionistas atuais. O governo calcula que os acionistas menores não conseguirão comprar mais ações e que, desse jeito, o estado ficará com uma parcela maior da empresa (hoje 32,2%).

Nova estatal Vai ser criada a Petro-Sal para gerir a riqueza do pré-sal e representar o Estado nos comitês operacionais dos campos. A renda obtida com a venda parcelada do petróleo do Estado vai ser aplicada num fundo social, que será usado para investimentos no Brasil e no exterior, além de educação, inovação tecnológica, sustentabilidade ambiental e cultura.

• Um tema polêmico é a divisão dos royalties. Hoje a grande maioria fica com os estados “produtores”. O governo queria dividir mais para os outros estados, mas recuou para não se chocar com seus aliados no Rio de Janeiro e Espírito Santo. O tema foi deixado para ser definido depois.

Petróleo – bênção ou maldição?

O acesso a fontes de energia baratas e abundantes foi uma das bases para o rápido crescimento da produção sob o capitalismo. A grande maioria das mais importantes indústrias foi construída em cima do abundante acesso a petróleo barato. Mas se por um lado isso gerou enormes lucros para os grandes capitalistas, do outro lado teve um enorme efeito negativo no meio-ambiente, por exemplo, com os grandes centros urbanos construídos para servir ao automobilismo em massa.

Com a exceção das potências capitalistas mais poderosas, principalmente os EUA, as grandes reservas de petróleo não têm sido uma benção. Na lista de países com as maiores reservas e produtores de petróleo encontramos ditaduras com fraca industrialização e uma elite super-rica.

A própria história do Brasil não justifica de nenhuma maneira a fala de Lula sobre uma suposta “segunda independência” e futuro glorioso baseados nas grandes reservas de petróleo. Na verdade o país, desde a “descoberta”, tem sido um grande exportador de matérias primas, açúcar, ouro, borracha, café, ferro, soja… e ao mesmo tempo mantendo a dependência e subordinação ao imperialismo. A tendência dos últimos anos, incluindo os efeitos da crise, é que o Brasil aumente a dependência da exportação de matérias primas.

Limitada e poluente

O petróleo tem uma posição estratégica, mas também grandes desvantagens. Trata-se de uma fonte de energia não renovável e extremamente poluente, que vai começar a ser extraída num momento em que o mundo deveria estar se livrando da dependência dos combustíveis fósseis.

A extração do petróleo do pré-sal tem um impacto ambiental maior do que em outras áreas. Além de estar longe da costa e há quilômetros abaixo da superfície e por isso gastando muito mais energia na sua extração e transporte, estudos mostram uma concentração três a quatro vezes maior de gás carbônico (CO2) no petróleo da camada pré-sal. Isso além da emissão causada quando o combustível é usado.

Para as futuras gerações o melhor seria deixar o máximo possível do petróleo pré-sal enterrado nas profundidades. Sob o capitalismo isso não é uma opção, já que existem enormes lucros a serem feitos extraindo esse veneno da terra.

Fonte de instabilidade

Segundo o BP Statistical Review de 2009, as reservas mundiais atuais vão durar 42 anos. As descobertas de novas grandes reservas tem se tornado mais raras, ao mesmo tempo em que o consumo continua a crescer. A descoberta de grandes reservas do pré-sal no Brasil e Golfo do México podem reverter essa tendência, mas só por um tempo. Por outro lado há vários especialistas que colocam que as estimativas das reservas de vários países no Oriente Médio são infladas por razões políticas.

O capitalismo foi construído em cima de um enorme consumo de combustível, sem planejamento dos recursos. Um declínio definitivo na produção mundial vai aumentar o preço do petróleo e gerar uma grande instabilidade mundial. Os choques de aumento de preços de 1973, 1979 e 2008, todos precederam crises econômicas mundiais.

O acesso ao petróleo já foi um fator decisivo de vários conflitos, como as guerras no Iraque.

Somente rompendo com o sistema capitalista, no qual a busca de lucros é o que decide o que é produzido, e introduzindo uma economia democraticamente planificada, onde o interesse do povo trabalhador é o que vale, poderemos mudar para uma matriz energética baseada em energia renovável e limpa, de maneira harmônica.

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