Avaliação do 7° Congresso Nacional do PSOL: O PSOL diante de seu maior teste histórico
O 7° Congresso Nacional do PSOL ocorreu nos dias 24-26 de setembro num contexto de pandemia e tendo como pano de fundo uma conjuntura complexa. É uma situação marcada pela luta contra o governo genocida e de extrema-direita de Bolsonaro, mas onde a classe trabalhadora ainda não entrou de forma decisiva no campo de batalha, levantando uma série de debates e levando a um novo realinhamento dentro do partido.
Porém, o formato virtual devido a pandemia colocou muitos limites aos debates. Embora a participação nas votações na etapa municipal cresceu de 27 mil no congresso em 2017 para 50 mil agora, temos que lembrar que os debates foram virtuais e separados do momento de votação em urna. Os debates virtuais tiveram a participação de somente cerca de 5 mil filiados, ou um em cada dez votantes.
A justificativa de fazer o congresso nessas condições precárias foi a necessidade de eleger uma direção nova que reflita a nova composição do partido, com a entrada de Guilherme Boulos e outros ativistas do MTST (se organizando na nova corrente Revolução Solidária (RS), agora a terceira maior corrente do partido), e da Resistência (que surgiu da unificação da NOS e do MAIS, rupturas do PSTU, agora a quinta maior corrente).
Tema central do congresso
Mas o tema central do congresso era a discussão sobre as táticas na atual conjuntura diante do governo Bolsonaro, especialmente as táticas para as eleições 2022. A recuperação dos direitos políticos de Lula e perspectiva de uma derrota de Bolsonaro nas eleições acelerou um processo de realinhamentos e reconfiguração política do partido, em uma conjuntura complexa onde a classe trabalhadora ainda não entrou com força na cena das lutas.
Essa situação nova levou a um reposicionamento nosso diante do congresso. A nossa linha para a atuação no PSOL, desde o início do partido, tem sido a de colocar a necessidade da construção de um polo revolucionário consequente, independente dos dois grandes blocos liderados pela Primavera Socialista (PS) e o MES.
Após o congresso de 2017 houve também um realinhamento entre as correntes. Um dos temas centrais era a aproximação do MTST, que vinha se destacando na linha de frente nas lutas desde o início do segundo mandato de Dilma, mas principalmente a partir da luta contra o golpe e o governo ilegítimo de Temer. A LSR atuou em prol dessa aproximação, ao contrário de várias das correntes que nesse congresso compunham a oposição, e fomos os primeiros a levantar a possibilidade da candidatura de Guilherme Boulos à presidência em 2018 em reuniões da direção do partido.
A partir disso tentamos lançar as bases para uma terceira via baseada no que depois passou a se denominar campo Semente (Resistência, Insurgência, Subverta e outros), mesmo com a contradição que era a atuação do campo junto com a PS no que se tornou o PSOL de Todas as Lutas (PTL). A pesar do acordo na época com a PS sobre temas importantes da conjuntura, como a aproximação do MTST e oposição ao Lava Jato, mantemos discordâncias profundas sobre programa, política de alianças, composição de governos e métodos de governança partidária.
Para deixar nossa linha mais nítida lançamos um manifesto no início do ano, com nossa análise da conjuntura, linha para as lutas e pontos programáticos. No processo de lançamento do manifesto veio a virada na conjuntura com a recuperação dos direitos políticos de Lula. Com isso, as nossas diferenças com o campo Semente se aprofundaram, já que as outras correntes do campo aderiram à linha de que o PSOL não deveria lançar candidatura própria para as próximas eleições e apostar em uma frente com Lula, já no primeiro turno.
Nós argumentamos que mesmo com espaço provavelmente reduzido, o PSOL precisa defender um programa socialista nas eleições, que realmente possa mostrar uma saída para a crise e derrotar Bolsonaro, o bolsonarismo e o sistema capitalista que o criou. Não existe qualquer dúvida sobre o projeto de Lula de recompor uma frente com partidos de direita e que, em razão disso, ele está disposto ir longe para conciliar, como vimos em suas falas contra taxação dos ricos ou a favor da privatização, mesmo que parcial, da Caixa. Obviamente, no segundo turno o apoiaremos para derrotar Bolsonaro, como fizemos quando apoiamos Haddad em 2018.
Não está em questão a necessidade de unir as lutas de nossa classe em uma frente única contra Bolsonaro, mas isso não é a mesma coisa que fazer uma frente eleitoral.
Essa posição política também teve como consequência um rebaixamento das críticas aos governos do PT, que se refletiu na proposta de Tese do campo PSOL Semente. Por tudo isso decidimos de não assinar a tese. Pela falta de tempo, só conseguimos fazer uma tese parcial nacional, enquanto nos estados a nossa tática variou em geral entre compor com correntes do campo e fazer tese própria.
No processo congressual, e especialmente no próprio congresso nacional, o campo PSOL Semente se alinhou totalmente com as demais forças do PTL, com pouco ou nada de diferenciação. Isso mesmo em temas em que correntes do campo já tinham posições públicas, como a não participação do PSOL nas prefeituras do PT em Diadema e Mauá (SP), ou de um futuro governo Lula. Isso se refletiu nos nossos votos que, em sua quase totalidade, se deu nas resoluções da oposição.
Resoluções no congresso
A resolução sobre conjuntura nacional do PTL repetiu o programa extremamente rebaixado da tese “PSOL popular” da RS/PS. Temas importantes, como a suspensão e auditoria da dívida pública, ou estatização do sistema financeiro com controle popular, tem sido abandonados. O texto se limita a defender uma “reconstrução do país sob bases antineoliberais”, mostrando que há um rebaixamento programático para adequar a uma possível aliança com o PT. Na política econômica só se fala de “reforma tributária progressiva”, sem nem falar de forma mais direta na taxação das grandes fortunas.
A resolução da oposição tinha melhor ênfase nas lutas, defendendo a necessidade de unir as lutas contra Bolsonaro, mas também fazendo uma crítica necessária às direções petistas por não jogar o peso necessário nas mobilizações, em prol da tática de sangrar Bolsonaro até as eleições. Além disso, tinha uma parte programática mais abrangente, desde o ‘Fora Bolsonaro e Mourão’, auxílio emergencial de um salário-mínimo, oposição aos ataques e às opressões, mas também incluindo temas como a dívida pública e estatização e controle público sobre o sistema financeiro.
A resolução sobre eleições da PTL defendia que o PSOL não lançasse candidatura própria e que a tática fosse definida em uma conferência eleitoral, que será na verdade uma reunião do Diretório Nacional com outro nome (o PSOL já fez no passado conferências eleitorais grandes com delegados). A ênfase é construir uma “frente eleitoral das esquerdas”, leia-se “com o PT”. O texto fala também que “Não queremos simplesmente um governo de ‘salvação nacional’: queremos um governo de esquerda”. Essa formulação abre obviamente o caminho para colocar em questão a participação em um governo do PT (se o PSOL não tem candidatura, o que seria um “governo de esquerda”?). Não que esse tema esteja já colocado, mas haverá essa pressão, como já vimos em governos locais.
A resolução da oposição defendeu que o congresso decida que terá candidatura própria, dizendo: “Nesse sentido, o VII CNPSOL resolve que o partido terá́ candidatura própria no primeiro turno das eleições presidenciais de 2022. Hoje o nome do companheiro Glauber Braga está apresentado como pré-candidato à presidência para o debate na próxima conferência eleitoral do partido, que deverá definir o programa e o nome do nosso candidato à Presidência da República.” Nós não aderimos especificamente ao nome do companheiro Glauber, ainda que sua candidatura tenha levantado pontos programáticos importantes. Mas o tema da candidatura própria no primeiro turno tem sido um tema central para nós. Por isso foi justificado votar também nessa resolução.
Além disso a oposição apresentou uma resolução defendendo que o PSOL não deve participar em um eventual governo Lula, algo que também defendemos no nosso manifesto. O PTL apresentou uma resolução insuficiente, dizendo que “Reafirmar a posição de não participar e não orientar a participação em governos de partidos de direita ou que promovam ataques às trabalhadoras e trabalhadores e reproduzam a agenda liberal/conservadora e/ou aspectos autoritários” – o que deveria ser mais que óbvio – seguido por “Cabe ao Diretório Nacional caracterizar cada governo previamente, em caso de convite ao PSOL.”
No tema de financiamento de campanha, o PTL apresentou uma resolução boa, que colocava que o partido não recebe dinheiro de donos de grandes empresas e bancos, nem de iniciativas como RenovaBR. A oposição aderiu à proposta que foi consensual e votamos também a favor.
Direção nacional
Pela discordância em temas centrais, não estava colocado a possibilidade de votar na chapa do PTL. Mas, apesar de votar com a oposição na maioria das resoluções, também não aderimos ao blocão de oposição, liderado pelo MES e Fortalecer.
Isso por várias razões. O Fortalecer esteve até pouco aliado com a PS, tendo acordo em questões programáticas e de alianças. Há muito tempo temos também discordâncias com o MES sobre uma série de questões importantes, sobre suas posições sobre alianças, financiamento de campanha, Lava Jato, a aproximação do MTST, o apoio ao voto no Baleia Rossi, para dar uns exemplos. Onde essas correntes são maioria, os métodos burocráticos são muitas vezes os mesmo que os da PS.
A polarização em dois blocos não tem ajudado a elevar o debate, pelo contrário. Os temas são bem mais complexos do que se expressa nessa composição binária, como vimos no caso do campo PSOL Semente, onde debates importantes não foram colocados pela lógica do emblocamento. Isso vale também para o outro lado.
Foi feito um debate importante entre posições em uma série de artigos, mas os debates nas redes e nos congressos tem sido de baixíssimo nível, que foi agravado pelo caráter virtual do congresso. Prevaleceu a lógica de briga de torcidas com o chat do congresso se transformando em um show de horrores de acusações morais e xingamentos.
Por isso tentamos sondar a possibilidade da construção de um terceiro campo na eleição da nova direção. Infelizmente isso não foi possível, por isso nos abstivemos na votação para o Diretório Nacional.
Mas isso não significa que nos abstemos do debate ou que o debate acabou. O próximo período será turbulento, não só na conjuntura em geral, mas também dentro do partido. O período até as eleições, e logo após, será marcado por uma nova onda de crises e rupturas nas correntes, abrindo espaço para novos alinhamentos. Da mesma forma que passamos por importantes pontos de inflexão com as derrotas em 2016 e 2018, o próximo período trará novas reviravoltas.
Até certo ponto, isso é uma vantagem do PSOL. Não é um partido ossificado, há reais mudanças (mesmo se muitas vezes também se confundem com disputa por aparatos) que se expressam nessas reconfigurações e espaço para debate.
Esse próximo período será possivelmente o maior teste histórico para o PSOL até agora, onde será colocado o desafio de resistir a uma crescente pressão institucional e achar o caminho do programa e luta independente da nossa classe. O desafio será de construir uma alternativa socialista, armada com um programa e estratégia socialistas e revolucionários a altura das grandes batalhas que virão.