A maior solidariedade possível com as mulheres e os trabalhadores afegãos. A resistência vai crescer!
De todos os retrocessos para as mulheres e os trabalhadores do mundo no último ano, esse é um dos piores. O imperialismo garantiu que um dos regimes mais opressivos contra as mulheres de todos os tempos, o regime Talibã no Afeganistão, baseado no puro apartheid de gênero, esteja de volta. Enquanto o Talibã se prepara para estabelecer seu novo “emirado”, mulheres, meninas e minorias sexuais estão contemplando com o pavor o que isto significará em suas vidas.
Muitas delas, dentro do país e internacionalmente, lembram que o primeiro governo do Talibã estabelecido entre 1996 e 2001 desencadeou uma enxurrada de abusos misóginos horripilantes e uma violência sistemática de gênero. Mas o que não é o mesmo de antes é a luta das mulheres. Contra o pano de fundo da crescente consciência feminista e movimentos que surgiram globalmente, ela evoluiu ao longo dos anos e desta vez despertará maior resistência. Ao contrário de 1996, agora também existe um maior conhecimento sobre o que as pessoas estão enfrentando.
A ROSA estende a maior solidariedade possível ao lado das mulheres afegãs, jovens, grupos étnicos oprimidos, trabalhadores e povo pobre nesses dias sombrios. Nós encontramos jovens que já fugiram do Afeganistão durante a guerra e que agora estão desanimados, preocupados com suas famílias, parentes e amigos, pessoas com quem não conseguem entrar em contato ou que dão relatos assustadores.
Lembro do regime Talibã da última vez
“Eu tenho 32 anos, então eu lembro do regime Talibã da última vez”, diz Zahra Ageli na manifestação nos arredores do parlamento em Estocolmo.
“Quando eu era pequena, eu não tinha permissão para ir para a escola. Então eu estava estudando em uma escola secreta em uma caverna nas montanhas. Eu estudei em segredo até o ensino médio.
Meus amigos e familiares me falam que agora todos estão assustados. Ninguém acredita no Talibã quando eles dizem que devem dar direitos às mulheres. Nenhuma mulher ou menina se atreve a sair na rua hoje em dia. Se o Talibã descobre que alguém está tendo um caso sem estar casada, essa pessoa será morta.
Estou orgulhosa do meu vilarejo na província de Gazni que resistiu por 40 dias antes das lideranças políticas e militares traíssem a resistência na capital da província, e assim cessou e sem isso, meu vilarejo não pôde resistir.”
Ali conta da sua família no vilarejo do Pashi em Gazni que o Talibã destruiu a torre de telefonia. Que eles tomaram o andar superior da casa da família e de lá atacam todo mundo. Eles mandam meninas menores de 14 anos se casarem com eles. Hamid em Cabul disse que seu irmão foi executado pelo Talibã há um mês e que agora ele é responsável por sua mãe, a viúva do seu irmão e quatro crianças pequenas.
É com repugnância que nós nos colocamos contra nossos governos, que nessa situação não estão discutindo como ajudar as vítimas da guerra, mas estão preocupados em defender seu histórico desastroso no Afeganistão e em como levantar muros mais altos o mais rapidamente possível contra refugiados, para que aqueles que consigam escapar do reinado do terror do Talibã não encontre refúgio na Europa ou nos Estados Unidos.
O direito ao asilo já!
Nós reivindicamos que todos refugiados que já tenham escapado do Afeganistão tenham permissão de residência garantida de forma imediata e permanente, e possam buscar apoio para seus familiares que ainda possam estar no Afeganistão. Depois disso, devem ser estabelecidas rotas de fuga seguras para que novos refugiados que chegam e o direito de asilo deve ser garantido. Não há falta de dinheiro. Os bilhões utilizados pela EU e pelos EUA para lutar no Afeganistão – os EUA gastaram 300 milhões de dólares por dia na guerra – agora podem ser usados para apoiar os refugiados.
Paz e democracia nunca poderão ser conquistadas por bombas. Nós socialistas já nos manifestamos há 20 anos atrás contra a intervenção imperialista e alertamos que isso não criaria a paz. Também não aceitamos em momento algum a mentira de que o imperialismo dos EUA invadiu e ocupou o Afeganistão em prol do resgate ou da libertação das mulheres afegãs. O governo de Bush e seus aliados internacionais exploraram o tratamento opressivo horrível contra as mulheres afegãs sob o primeiro regime do Talibã para justificar sua chamada “guerra ao terror”.
Essa propaganda passou por cima do fato de que a própria política externa dos EUA já tinha sido fundamental para fortalecer o Talibã em um primeiro momento. As preocupações pelos direitos das mulheres não pesaram muito na balança quando, durante toda a década de 1980, as forças dos EUA e a CIA, junto com a monarquia saudita, os serviços de inteligência do Paquistão e diversos outros governos europeus generosamente financiaram e armaram os antecessores do Talibã, os fundamentalistas mujahedin, em sua cruzada contra a União Soviética. Mais tarde, a fim de derrubar o Talibã que tinha tomado o poder em Cabul, os EUA apoiaram a “Aliança do Norte” – uma coalizão de senhores da guerra e líderes tribais cujas atitudes patriarcais em relação às mulheres, em alguns casos, diferem apenas de forma marginal das do próprio Talibã.
Mas as pretensões “feministas” e o mito libertador da guerra liderada pelos EUA no Afeganistão tem também se chocado com a realidade vivida pela maioria das mulheres e meninas durante os 20 anos de ocupação militar e sucessivas tropas e governos fantoches. Ainda que seja verdade que após o colapso do primeiro regime do Talibã em 2001, as mulheres afegãs recuperaram alguns de seus direitos perdidos durante sua brutal subjugação por esse regime, a situação está longe da “libertação” prometida pelo imperialismo. A violência de gênero e opressão permaneceram extremamente disseminadas.
Além disso, a guerra e a ocupação desencadearam seu novo rastro de sofrimento próprio para milhões de mulheres afegãs – matando, ferindo, causando fome, deslocando milhares delas. O curso dessa guerra eventualmente tem trazido de volta ao poder o arqui-reacionário Talibã, ameaçando afegãs e minorias com uma nova gama de ataques extremos e até mesmo limitando ganhos e liberdades que puderam viver antes.
Corrupção em cooperação com o imperialismo ocidental
A corrupção e a pobreza cultivada pelo regime de Ashraf Ghani em cooperação com o imperialismo ocidental criou desconfiança e minou a oposição ao Talibã.
A proporção no Afeganistão que vive abaixo da linha da pobreza nacional – equivalente a 26,6 dólares por pessoa por mês – aumentou em 2020 de 54,5% da população para 72%. Ao invés de comida, o cultivo de ópio aumentou quase todo ano desde 2000. Esse ano, 40% da colheita de grãos foi destruída pela seca e 14 milhões estão ameaçados pela fome aguda, enquanto a ajuda por parte do Ocidente, depois de ter diminuído nos últimos anos, agora desapareceu da noite para o dia. Apenas 4,6% da população está vacinada contra Covid-19.
O Afeganistão já foi considerado um dos países mais perigosos do mundo antes do Talibã tomar o poder. A proporção de mulheres e crianças entre vítimas civis de guerra aumentaram para 43% no ano passado e continua aumentando acentuadamente este ano, de acordo com a ONU, incluindo o ataque terrorista bestial a uma escola feminina em Cabul, em 8 de maio, com pelo menos 68 mortas e 150 feridas. Os talibãs foram identificados como responsáveis.
Enquanto o presidente dos EUA Joe Biden passa por dificuldades em explicar como a guerra mais longa dos tempos modernos pode acabar nessa catástrofe, enquanto Rússia e China negociam estabelecer laços com o Talibã para promover seus regimes opressivos próprios, enriquecer seu comércio e aumentar a sua influência – nós feministas socialistas estamos ao lado das massas oprimidas. As grandes potências gostam de acreditar no Talibã quando eles dizem que as mulheres devem ter permissão para estudar e trabalhar (em alguns empregos selecionados). Isso faz com que seu legado pareça melhor. Mas as mulheres, pessoas LGBTQ e minorias perseguidas como os hazaras no Afeganistão obviamente não tem fé nessa hipocrisia. A primeira tarefa para nós da classe trabalhadora é divulgar a verdade, a realidade como ela se apresenta.
Apartheid de gênero
Em julho, o Talibã promulgou a lei da sharia na província de Balkh com restrições para que as mulheres não pudessem ficar fora de casa sem a companhia de um homem. Em muitas outras províncias, estações de rádio foram fechadas e códigos de vestimenta foram impostos. A situação no Afeganistão hoje é descrita como um pesadelo. Jornalistas e intérpretes desapareceram e trabalhadores humanitários são perseguidos. O Talibã vai de casa em casa procurando pessoas que estão sendo sequestradas e mortas. Uma mulher de 21 anos em Mazar-i-Sharif foi assassinada na semana passada porque ela estava fora de casa sem a companhia de um homem.
A interpretação da lei da sharia da época anterior ao Talibã é baseada no apartheid de gênero onde mulheres são a propriedade dos homens. É por isso que elas devem esconder seu corpo inteiro sob véus. Ninguém além de seus maridos podem vê-las. O controle da sexualidade da mulher é um mecanismo na sociedade de classe fundamentado na ordem estabelecida de poder de gênero presente no mundo todo de forma mais flexível, mas sob o Talibã de uma forma extrema.
Mas sempre existirá resistência. Nos últimos 20 anos, a luta das mulheres no Afeganistão mudaram lentamente algumas de suas condições. Hoje, 40% dos estudantes nas escolas são garotas e metade das mulheres com ensino completo começaram a trabalhar como professoras. Este é um fato que o Talibã está bastante ciente, e que em partes motiva sua atual campanha de relações públicas em torno de seu suposto “respeito pelos direitos das mulheres”. Será difícil para o Talibã forçar as mulheres a voltarem para suas casas e manifestações, inclusive de mulheres em Cabul, já começaram a acontecer contra o Talibã. Por outro lado, a UNICEF reportou em 2018 que cada vez menos crianças do Afeganistão frequentam a escola devido à guerra, a pobreza e a discriminação (no período da pesquisa, 44% das crianças não frequentavam a escola de forma alguma e 2/3 eram meninas). A guerra, a violência, o terrorismo e a diminuição do auxílio externo tendem a minar o pequeno progresso feito.
Hoje em dia lembramos como as mulheres curdas lutaram contra e juntas com outros e conseguiram derrotar um regime islamista ainda mais brutal, o chamado “Estado Islâmico”, ou Daesh, na Síria. Apesar de limitações políticas sérias, uma orientação feminista ligada a projetos sociais fortaleceu a luta delas. Quando o EI capturou Shangal, Rojava e Basur em 2014 e quando uma população inteira de mulheres yazidi foram capturadas, estupradas e se tornaram escravas sexuais, a “comunidade internacional” fechou os olhos enquanto grupos feministas começaram a se organizar clandestinamente para conseguir a libertação dessas milhares de mulheres.
A resistência popular contra o Talibã irá crescer. A resistência precisa ser totalmente contra a interferência do imperialismo, que sempre envolve divisões de classe, corrupção, opressão e separações. Quando a resistência é baseada nas necessidades do povo para construir juntos a sociedade – comida, assistência, vacinas, moradia e educação para todas as pessoas – é quando a resistência ganha uma base social que a torna extremamente forte.
As feministas socialistas farão tudo ao seu alcance para apoiar a luta feminista no Afeganistão. Nossa luta está conectada ao redor do mundo. A vitória pelo direito ao aborto na Argentina, a greve das trabalhadoras do setor de saúde que lutam por salários mais altos nos Estados Unidos, a propagação do feminismo na China, Irã e Iraque, a raiva contra a culpabilização das vítimas de estupro na Austrália, são lutas que se reforçam mutuamente na onda global de lutas das mulheres.
Em nome da solidariedade internacional
Os desdobramentos dos últimos anos, a forma como o capitalismo lida com a pandemia que está causando uma onda de retrocessos para as mulheres, o ritmo acelerado da crise climática e agora o retorno do Talibã, reforçam a percepção de que pequenos passos adiante não são suficientes, que eles podem ser eliminados a qualquer momento e tudo que se conquistou pode se perder. Isso nos leva a conclusão de que é necessária uma mudança radical, revolucionária e global.
O ROSA luta pela abolição do sistema capitalista com sua busca incessante por lucro, cruzadas imperialistas e apoio descarado a grupos fanáticos de todo o tipo – o sistema precisa ser abolido. Nós estamos lutando por um mundo socialista onde a propriedade comum da economia e o governo democrático da sociedade pela classe trabalhadora, povo pobre e de todas as pessoas oprimidas proporcionem as condições para a igualdade, liberdade e paz para todos. O jeito de conquistar isso é através da luta de trabalhadores, do feminismo socialista e da solidariedade internacional.