Os caminhos para derrotar Bolsonaro com a retomada da luta nas ruas
O retorno da classe trabalhadora organizada para as ruas, o movimento indígena radicalizando, a CPI, a crise no governo e as disputas no “andar de cima” abrem um novo período e a possibilidade de derrubar Bolsonaro. Entretanto, abrem-se também diversas vias, táticas e estratégias que são discutidas e aplicadas pela esquerda, Fora Bolsonaro, impeachment, Povo na Rua, Lula, frentes, eleições 2022 … Dependendo do caminho, podemos ter um avanço da luta e da organização da classe, uma vitória de Pirro ou uma grande derrota. Discutimos aqui esses diversos caminhos e afirmamos que o melhor deles passa pelas ruas, pela mobilização e a construção de um programa independente da nossa classe para derrotar Bolsonaro, o bolsonarismo e o sistema que o criou!
Mais de 750 mil pessoas em mais de 400 cidades de todo o Brasil, em todas as capitais, foram às ruas no dia 19 de junho para gritar Fora Bolsonaro. Apesar dos perigos de contaminação pelo covid-19, ficou evidente para milhões que essa é a única alternativa para evitar mais centenas de milhares de mortes e o aprofundamento da crise econômica e social. Agora, o 3 de julho e as próximas datas podem ser muito maiores! Há dois meses, a desesperança tomava conta da esquerda e dos setores progressistas da sociedade, aqueles com o mínimo de preocupação social e com as consequências da pandemia. Agora, as mobilizações de rua abrem um novo período na conjuntura e dão esperança de que é possível barrar o projeto de terror que dominou o país.
Este projeto de genocídio precisava de uma forte resposta das ruas e, há mais de um ano, evitou-se chamar mobilizações para se evitar aglomeração e a expansão da pandemia. Mas, depois desse tempo todo, vendo em outros países o controle da disseminação e conseguindo reduzir o número de mortos, ficou mais evidente como muitas mortes poderiam ser evitadas. Como agravante, a chacina em Jacarezinho (RJ) desencadeou protestos do movimento negro que teve um impacto. Chegou-se à conclusão de que não dava mais para esperar: Bolsonaro é mais perigoso que o vírus. Nesse sentido, as frentes e partidos da classe convocaram o dia 29 de maio através da Campanha Nacional Fora Bolsonaro. O resultado dos atos foi além do esperado em mobilização, mostrando que a raiva e a indignação represada em mais de um ano de desgraças estava para transbordar. Então, o dia 19 de junho foi convocado e a mobilização cresceu, foi muito maior. Dessa vez, a grande mídia burguesa, como o Jornal Nacional, veiculou os atos da forma que mereciam e o governo sentiu o baque.
Os atos, cada vez maiores, se combinam com a crise no governo, enrolado até a alma na CPI, que evidenciam algo já esperado por todos nós. O projeto genocida de negação da pandemia, de boicote às medidas sanitárias, de propaganda ao tratamento precoce à base de cloroquina, a propaganda contra as vacinas e, agora, as negociações para compra das vacinas, foi elaborado junto com um esquema de superfaturamento e apropriação de bens públicos sobre os cadáveres de meio milhão de brasileiros. De novo, o sistema mostra a sua verdadeira face, a corrupção é da própria natureza do capitalismo e dos seus governos. O Congresso, o STF e a institucionalidade não têm nenhum interesse no impedimento de Bolsonaro, então a CPI, sozinha, teria pouca chance de barrar o projeto bolsonarista, muito menos derrubá-lo. Entretanto, é nas divisões da burguesia e em Brasília que surgem fissuras para que a classe trabalhadora em luta possa se aproveitar para derrotar o governo.
Os atos de rua têm como objetivo eleger Lula em 2022?
Com a anulação da condenação de Lula e a suspeição de Moro, o ex-presidente está cotado como candidato à presidente em 2022. Isso levou à esperança de boa parte da população, especialmente a mais pobre, e de boa parte da esquerda, de que os tempos dos governos do PT com suas políticas sociais (com uma pitada de memória seletiva) poderiam voltar. Além disso, considera-se que seria o único candidato capaz de derrotar uma reeleição de Bolsonaro no ano que vem. A última pesquisa potencializou essa expectativa, mostrando até mesmo a possibilidade de vitória de Lula no primeiro turno. Então, muitos veem os atos simplesmente como forma de reduzir a popularidade de Bolsonaro e construir a vitória eleitoral de Lula no ano que vem.
A conjuntura em todo o mundo está completamente instável, nada para no lugar, estamos entrando de cabeça na era da desordem e do caos. Isso, por si só, já deveria chamar a atenção de que, mesmo com grande popularidade, a candidatura e a eleição de Lula está longe de estar garantida. Temos “um século” de acontecimentos até outubro de 2022 e mais outro até janeiro de 2023 e a única forma de garantir tempos melhores é a mobilização popular permanente. E essa mobilização deve ter como objetivo a aplicação de um programa que interesse à classe trabalhadora e resolva os seus problemas, como vacinação para todos, auxílio-emergencial de um salário mínimo, controle no preço dos alimentos, gás e combustíveis, acesso à saúde, emprego, educação, moradia e terra, fim do genocídio da população preta e indígena e da violência policial, combate a todas as opressões, entre outros pontos.
O segundo problema da “jornada de Lula” ao Palácio do Planalto está justamente no ponto programático: ele está mostrando que não pretende defender um programa para a classe trabalhadora já que tem procurado a mais ampla frente, incluindo a direita, para se candidatar. Os 14 anos de governos petistas deveriam nos fazer lembrar qual é o projeto, aliança com o Centrão (sim, o mesmo Centrão que agora apoia Bolsonaro!), latifundiários e a grande burguesia, além dos setores da extrema-direita que tiveram a avenida aberta para crescer e se organizar na base de Lula e Dilma (como a Igreja Universal e os militares em suas intervenções no Haiti e em favelas do Rio, por exemplo). Agora, tudo isso se soma a uma crise sistêmica que impediria um governo de Lula minimamente tranquilo e com medidas sociais.
Claro que derrotar Bolsonaro é a principal tarefa histórica que temos pela frente e seria muito bom derrotá-lo nas urnas em 2022. Entretanto, o que se coloca no horizonte é uma instabilidade conjuntural e uma crise econômica que faria o bolsonarismo se fortalecer a médio prazo, mesmo com a vitória de Lula, caso a organização da classe trabalhadora não avance em torno de um programa independente. Apostar tudo em Lula em 2022, relevando o projeto que ele e o PT planejam e que inclui uma direção controlada das lutas, significa boicotar a mobilização e a construção do programa da classe. Submeter os atos de rua de 3 e 24 de julho a esse projeto institucional significa boicotar a única forma de derrotar o bolsonarismo.
Qual é a alternativa ao projeto lulista?
Desde o início dos governos do PT, diversas iniciativas políticas buscaram romper com a conciliação de classes e focar na reconstrução de organizações com programas da classe trabalhadora. A origem do PSOL teve esse objetivo. Os vários rompimentos com o sindicalismo chapa branca da CUT e a construção da central CSP-Conlutas, além da Intersindical e, agora, o Fórum Sindical e Popular, buscaram essa reorganização. A Frente Povo Sem Medo, impulsionada pelo MTST teve sua raízes antes do golpe, chamando para organizar “contra a direita e por mais direitos”, denunciando as políticas de austeridade do governo Dilma. Cumpre também um papel de alternativa à direção lulista da Frente Brasil Popular.
Todos esses espaços de reorganização compõem uma frente única com o objetivo de derrubar Bolsonaro, a Campanha Nacional Fora Bolsonaro. Como qualquer outro espaço de ampla unidade da classe trabalhadora, como é o fórum das Centrais Sindicais, os setores lulistas, aqueles com maior força e estrutura, como CUT, MST, UNE, PT, dirigem ou tem poder de veto. Com a defesa de uma política de controle das lutas, bem sintonizadas com o projeto lulista por dentro da ordem burguesa, de focar nas eleições, muitas vezes é necessário que os espaços combativos convoquem mobilizações próprias e sempre façam críticas duras e públicas a essas direções.
As mobilizações dos indígenas contrárias à PL 490, do marco temporal para o direito às suas terras, mostram um caminho de radicalização importante que superam as especificidades de sua pauta. Além do acampamento e atos em Brasília, os protestos estão se espalhando por todo o Brasil. Estão ajudando sobremaneira na luta pelo Fora Bolsonaro e estão passando ao largo da Campanha Nacional e das direções lulistas. Um grande exemplo das bases superando as direções burocratizadas. As lutas da/os servidora/es contra a Reforma Administrativa e as privatizações, da/os professora/es contra a volta às aulas sem vacinas, da/os profissionais de saúde por condições e salários, dos caminhoneiros, mulheres, LGBTs, movimento negro, e todas as outras devem se unificar e fortalecer a luta geral.
A “assembleia” Povo na Rua e as datas dos atos
Algumas organizações, como a UP, o PCB e o MES, criaram há algumas semanas uma frente, chamada Povo na Rua, com essa intenção de não ficar preso às direções e estratégias do lulopetismo. É totalmente legítimo esse tipo de construção e, inclusive, de convocar atos que façam somar a mobilização. Entretanto, o que o Povo na Rua, dirigido por essas organizações, está propagandeando são pretensas assembleias nacionais, com o uso de aplicativos de reuniões e formulários na internet, onde o povo estaria decidindo democraticamente as datas dos próximos atos e o caminho das lutas! Além da óbvia caricatura de democracia operária representada por esta propaganda, por si só um deboche a toda/os aquela/es que mobilizam diariamente na base da classe trabalhadora, essas organizações entraram em um caminho de divisão à frente única da classe. A Campanha Nacional Fora Bolsonaro, espaço que essas organizações participam por dentro, não é legítima para decidir a data do ato? A “assembleia” do Povo na Rua tem mais legitimidade para tomar essa decisão?! Se houver duas datas separadas e convocadas por setores diferentes, isso vai ajudar a derrubar Bolsonaro?!
Logo após o dia 19 de junho, a Campanha Nacional Fora Bolsonaro decidiu o dia 24 de julho como próxima data de ato. De fato, essa data ficaria muito distante, dando tempo para o governo respirar justamente em um momento em que Bolsonaro está encurralado – mais uma tática de controle programado do lulismo, pensando em outubro de 2022. A frente Povo na Rua então convocou um ato para o dia 13 de julho – não sem antes desautorizar a data tirada pela Campanha pois “o povo ainda não havia decidido em assembleia a próxima data”. Todas as datas convocadas podem se somar, inclusive como apoio à luta indígena e, oxalá, se as bases e as massas populares começassem a criar as suas próprias datas e protestos contra o governo. Entretanto, isso nunca pode representar uma divisão das ações centralizadas e da frente única. O momento é de extrema importância e não pode haver espaço para táticas irresponsáveis e divisionistas.
Com a denúncia do Dep. Luis Miranda na CPI no fim da última semana, escancarando os esquemas de corrupção do governo no combate à pandemia. Algo que vem crescendo todos os dias, a Campanha Nacional se reuniu novamente e antecipou corretamente a data do próximo ato nacional para o dia 3 de julho. O momento é de extrema importância e também não pode haver espaço para vacilos e estratégias focadas nas eleições de 2022.
Bolsonaro vai cair! Fora Bolsonaro, Mourão e a agenda neoliberal e autoritária! Construir um programa da classe trabalhadora para derrotar de vez o bolsonarismo e o capitalismo!
Não podemos esperar até 2022! Bolsonaro precisa sair antes e, com a retomada das lutas, as graves denúncias na CPI e a crise política de Brasília e da burguesia, essa possibilidade está colocada. Entretanto, não vai ser fácil. Além dos atos massivos das datas centralizadas pela Campanha Nacional, a luta tem que se espraiar nos locais de trabalho, de estudo e nos bairros. Precisamos de organização e mobilização pela base, através de assembleias e ações locais, democratizando de fato e radicalmente a luta. Devemos estimular greves nas categorias, baseados em um programa que faça a/os trabalhadora/es se mobilizarem e entenderem que ele só pode ser atingido com a derrubada de Bolsonaro e Mourão, com a derrota da agenda neoliberal e autoritária e com o fim do sistema capitalista. Precisamos criar as bases para uma Greve Geral baseada nesse programa.
Muitos na esquerda pensam na política como uma lista linear de tarefas: agora, precisamos derrubar Bolsonaro, depois elegemos um governo democrático, para então pensar em um programa para a classe, não é hora para discutir e lutar contra o sistema capitalista. A história não é linear e essas “etapas” não existem. O nível de crise sistêmica (econômica, política, ambiental, sanitária, social) atual impõe uma polarização ideológica que coloca frente a frente projetos de sociedade de forma bem evidente. Nessa conjuntura, revolução e contrarrevolução se digladiam publicamente. Temos vitórias da extrema-direita e ameaça do ressurgimento do fascismo, mas explosões sociais e protestos radicalizados da classe trabalhadora no mundo todo, governos caem, golpes ocorrem e grandes reviravoltas ocorrem em prazos curtos. A grande tarefa da nossa geração é construir organizações fortes e massivas da classe trabalhadora em luta e um partido revolucionário armado com um programa para dirigir as grandes lutas que vêm crescendo mundialmente para a superação do capitalismo decadente.
Então, a tarefa de derrubar Bolsonaro deve andar junta com a necessidade de acabar com o bolsonarismo e destruir o sistema que explora e mata a nossa classe e cria “bolsonaros”. Por isso, defendemos um programa para a classe trabalhadora para que ela possa sobreviver hoje, que possa garantir os seus direitos e conquistar novos, mas que ajude construir um futuro livre e socialista!
- Construir as bases para uma greve geral por vacina já, auxílio emergencial de um salário-mínimo e em defesa de empregos e direitos!
- Controle dos preços de alimentos, gás e produtos que atendem necessidades básicas!
- Contra a reforma administrativa e a privatização da Eletrobras e dos Correios!
- Não ao desmonte da proteção ambiental e ataques à população indígena! Não ao Marco Temporal e ao PL 490!
- Combate a todas as opressões!
- Contra o genocídio da população preta! Vidas negras importam! Abaixo a violência policial!
- Fora Bolsonaro, Mourão e a agenda neoliberal e autoritária. Abaixo esse sistema que nos explora e nos oprime!
- Taxação dos lucros e fortunas, auditoria e suspensão do pagamento da dívida pública aos megaespeculadores, estatização e controle público sobre o sistema financeiro – tudo isso para financiar investimentos em saúde, educação, moradia e empregos e tirar o país da maior crise de sua história!