Belarus: analisando a revolução e as tarefas dos socialistas

Desde 10 de agosto, quando os resultados das eleições presidenciais foi anunciado e Alexandr Lukashenko alegou ter conquistado mais de 80% dos votos, os heróicos protestos em massa abalaram a Belarus. Eles foram recebidos com violência policial e prisões em massa. Até hoje, mais de 30 mil foram presos, muitos ativistas da oposição foram forçados a deixar o país e outros ficaram feridos pela ação policial.

O resultado claramente forjado das eleições seguido pela brutal violência policial nos dias seguintes foram os gatilhos que empurraram as massas para a luta. No final de agosto, a classe trabalhadora respondeu à violência com comícios e greves espontâneas e desorganizadas. Embora a greve nacional tenha diminuído após a redução da violência policial, muitos segmentos da classe trabalhadora e dos oprimidos se juntaram aos protestos: trabalhadores de fábrica, mulheres, aposentados, assim como estudantes, trabalhadores da saúde e da educação. Enquanto os manifestantes buscavam novas formas de organização, os comitês de pátio, baseados nas pessoas que viviam nas casas ao redor dos pátios (no mesmo quarteirão), começaram a desempenhar um papel importante.

Crise generalizada do regime de Lukashenko

Alexandr Lukashenko está no poder desde julho de 1994. Seu regime, até agora, nunca esteve em uma crise tão profunda. Na verdade, as contradições que levaram a esta crise têm se acumulado ao longo dos últimos vinte anos. Privatizações aos poucos, cortes no orçamento social e o impacto da crise econômica global têm contribuído para isso.

Os trabalhadores não têm mais segurança no trabalho – eles são empregados com contratos temporários, enquanto uma reforma do sistema de previdência foi recentemente imposta. Um grande ataque, que levou a protestos em massa em 2018 foi o “imposto sobre parasitas”, uma taxa sobre o meio milhão de desempregados, que o regime acredita não oferecer nada à sociedade.

O ânimo contra o regime que estava se acumulando foi exacerbado pelo coronavírus. Lukashenko é um clássico negador do vírus, sugerindo que ele poderia ser evitado tomando uma dose de vodka.

A clara mudança na consciência da população antes das eleições provocou uma divisão na elite governante. Viktor Babariko, antigo chefe do BelGazprombank, uma subsidiária da Gazprom russa, e ValeryTsapkalo, que liderou a campanha presidencial de Lukashenko em 1994 e depois serviu em seu governo como embaixador e depois como chefe do setor de informática apoiado pelo governo, anunciaram que se candidatariam contra ele nas eleições presidenciais.  A eles se juntou o popular blogueiro Sergei Tikhanovsky. O regime respondeu abrindo acusações criminais contra os três – Tsapkalo fugiu do país, os outros dois foram presos. Coube então a Svetlana Tikhanovskaya segurar a bandeira da oposição nas eleições.

A natureza peculiar do capitalismo de Belarus

Ao contrário de outros países da ex-União Soviética nos anos 90, o regime de Lukashenko não seguiu o caminho da “terapia de choque” baseada na privatização em massa. Ele conseguiu fazer isso somente porque a Belarus é uma rota de trânsito fundamental para o petróleo e gás russos para a Europa, e a renda proveniente disso foi usada para manter a economia do país em funcionamento. Ainda em 2020, 40% dos empregados da Belarus trabalhavam em “empresas estatais”. Apesar de seu status, não havia nenhuma forma de controle dos trabalhadores ou mesmo envolvimento na administração das fábricas, e estas empresas também não estão vinculadas a nenhum planejamento estatal, como na época soviética. Estas empresas estatais têm que sobreviver no sistema de mercado e agir como empresas privadas. Os funcionários estatais que as dirigem, em essência, não diferem muito dos oligarcas e dos grandes capitalistas. Eles encontram várias maneiras de colocar dinheiro em seus bolsos, transferindo o mínimo possível para o orçamento.

Os trabalhadores, não tendo sindicatos independentes adequados, não têm outra opção a não ser trabalhar nestas fábricas nas condições ditadas pela administração. O sistema de contrato canibalístico de Lukashenko desfavorece ainda mais os trabalhadores, pois eles podem ser demitidos a qualquer momento e até mesmo ser obrigados a devolver parte de seus salários. Os empregadores aproveitam ao máximo esta situação, sugerindo que os trabalhadores têm a oportunidade de encontrar um “empregador” mais “honesto” se não estiverem contentes com algo.

A superioridade da economia soviética residia no fato de que ela se baseava na propriedade estatal e no planejamento centralizado, com uma divisão do trabalho entre os países do bloco soviético. Nesta base, a União Soviética foi transformada de um país atrasado e semi-feudal para se tornar a segunda potência econômica mundial. Mas a má administração burocrática, os enormes gastos com a corrida armamentista e a manutenção dos funcionários do Estado, e mais importante ainda, a falta de uma democracia de trabalhadores que pudesse corrigir os desequilíbrios na produção e alterar as políticas do Estado operário acabaram levando a uma crise total. Quando as camadas burocráticas, muito distantes das massas, perceberam que poderiam ganhar mais com a introdução do capitalismo, eles optaram pela restauração.

O colapso do sistema soviético deixou a economia belarussa sem o elemento-chave que impulsionou a economia soviética – o planejamento central. Preservando um grande setor público, o regime belarusso conseguiu manter uma economia baseada nos lucros do trânsito de petróleo e gás de e para a Rússia, ou seja, recebendo subsídios da Rússia em troca de relações econômicas e diplomáticas estreitas. Os fundos do petróleo e do gás foram utilizados, por um lado, para apoiar o orçamento social e, por outro lado, para enriquecer os novos oligarcas – os amigos e parentes de Lukashenko. Este sistema foi mais ou menos estável até ser atingido pela crise econômica global. Os oligarcas russos do petróleo e do gás decidiram aumentar os preços para Belarus, o que significou o início do fim para todo o sistema belarusso.

O capitalismo belarusso alimentou muitos bilionários de dólares, sendo os mais famosos A. Milnichenko, D. Mizepin, A. Klyamko, V. Kisly, V. Peftiev. Há também mais de 7 mil milionários de dólares. Lukashenko é frequentemente chamado de “Batska” (pai em belarusso) – ele é certamente o pai do capitalismo belarusso. Não importa o quanto os liberais imaginem um outro, honesto, capitalismo afirmando que há um “tipo errado de capitalismo” na Bielorússia, o capitalismo de Lukashenko é o real.

Perspectivas para a economia de Belarus

O PIB começou a cair mesmo antes do início dos protestos. De acordo com as últimas previsões, em 2020 ele teria caído cerca de 1,5-2%. O investimento na indústria tem diminuído à medida que aqueles com dinheiro temem instabilidade, enquanto pelo menos US$1,5 bilhões em dinheiro foram retirados dos caixas eletrônicos nos últimos seis meses. Isto contribuiu para um declínio no valor do rublo belarusso em cerca de 10%, o que afetou o poder de compra dos salários e aposentadorias. Os US$ 1,5 bilhões em subsídios alocados pela Rússia para socorrer o governo neste contexto estão longe de ser suficientes para resolver os problemas do país.

Os investidores advertem sobre sua relutância em investir enquanto os protestos e instabilidade continuarem, demonstrando mais uma vez que o capital privado se preocupa apenas em obter lucros, e não com os direitos democráticos. Mesmo isolada de outras influências externas, a economia nesta situação permanecerá estagnada.

Se os protestos se acalmarem por um tempo e Lukashenko permanecer no poder, não será fácil para ele sair desta estagnação. É pouco provável que a Rússia aumente drasticamente seus subsídios, dadas as dificuldades que a economia russa já está enfrentando.

Também não há probabilidade de um sério aumento nos preços do petróleo e do gás no futuro próximo, permitindo que o governo lucre com o trânsito. Lukashenko não tem ferramentas para superar esta crise.

Uma proposta para acelerar a privatização das principais empresas estatais já foi apresentada. Mas as privatizações estagnaram na última década, não porque o governo não tenha nenhum desejo de implementar os planos do Banco Mundial, mas por causa de uma falta geral de capital pronto para investir na Belarus. Nesta situação, a única possibilidade é finalmente abrir a economia ao capital russo. Isto, naturalmente, é também uma opção, se alguém como Babariko, que é próximo do capital russo, chegar ao poder. Isto abriria a economia à privatização e à política orçamentária geral da Rússia, baseada em novos cortes nos gastos com saúde, educação e assistência social.

Mas também pouco teria mudado no outro cenário, se um líder mais orientado para a União Europeia tivesse chegado ao poder. As mesmas prescrições neoliberais estariam na agenda: privatização e austeridade. A população belarussa é vista há muito tempo como próxima à Rússia. Ao contrário da vizinha Ucrânia, não tem havido uma forte questão nacional. Mesmo durante os protestos, não se observou nenhum clima pró-UE, como existiu durante os protestos “Maidan” de Kiev de 2013-14. Entretanto, a intervenção do Kremlin efetivamente em apoio a Lukashenko levou a um crescimento acentuado do sentimento pró-UE. No final do ano, uma pesquisa realizada pelo ‘Belarusian Analytical Workshop’ mostrou uma queda de 11% para 40% dos belarussos que apoiam uma aliança com a Rússia e um aumento de 25% para 33% dos que se orientam para a UE.

Belarus faz parte da economia global há muito tempo, que está atualmente passando por uma das piores crises da história. A desigualdade de classe, já em níveis historicamente elevados, continuará a crescer mesmo nos “países desenvolvidos”, e países como Belarus cairão na pobreza generalizada.

Democracia, bonapartismo e capitalismo

Qualquer elite capitalista prefere governar por meios democráticos. Não é apenas mais barato. Ter instituições democráticas na forma de parlamentos para os ricos, tribunais para resolver a concorrência intraclasse, e proteção da propriedade, proporciona um seguro adicional para seu governo. Tal sistema oferece mais frequentemente a possibilidade de neutralizar os líderes da classe trabalhadora, integrando-os às estruturas estatais e políticas.

Mas tal democracia para as elites só é possível quando os oligarcas e os diferentes estratos da classe capitalista conseguem chegar a um acordo entre si, quando não são ameaçados por movimentos de greve e descontentamento em massa, e quando a economia está em ascensão. Caso contrário, as elites podem escolher contar com um Bonaparte, um ditador-árbitro, que concentra o poder em suas próprias mãos, usando seus próprios métodos autoritários para resolver os problemas de toda a classe.

Assim foi Lukashenko em Belarus nos anos 90, um burocrata que deveria levar a restauração do capitalismo a sua conclusão lógica. Ele seguiu uma estratégia de privatização lenta que não provocaria a resistência violenta da classe trabalhadora e do povo trabalhador, incluindo intelectuais, muitos trabalhadores autônomos e estudantes. Ele falou de um “capitalismo de orientação social com características nacionais”, permitindo o surgimento da nova classe dominante capitalista, enquanto usava slogans populistas para flertar com a classe trabalhadora como se representasse seus interesses.

Sob o capitalismo, não há imunidade contra a tirania. Mesmo nos países mais desenvolvidos de hoje, as liberdades democráticas das massas estão sob ataque e as tendências autoritárias estão em ascensão. Este processo acelerou-se após a crise econômica global de 2007-8, e especialmente com o início da pandemia.

O aparato estatal nas modernas “democracias burguesas” – ou seja, seus funcionários, juízes, generais militares, instituições parlamentares – são neutros, apenas no sentido de que servem aos interesses de toda a classe capitalista, e sua lealdade é comprada com altos salários, privilégios e prestígio. Muito disso é legitimado, pois os capitalistas já estabeleceram regras favoráveis do jogo para si mesmos. Mas em tempos de crise econômica, o aparato estatal começa a agir contra as massas empobrecidas ou no interesse de setores individuais da classe capitalista. A ilusão de “democracia para todos” começa a desaparecer rapidamente.

Dizem-nos que a alternativa ao bonapartismo de Lukashenko é a democracia, o que implica democracia para a classe dominante. Mas não é uma saída, a democracia sob uma base capitalista não vai resolver os problemas sociais, a desigualdade, a pobreza.

Demandas e direção dos protestos

Poucos esperavam que Lukashenko organizasse uma eleição justa. Mas o anúncio dos resultados, quando ele reivindicou mais de 80% dos votos, foi a gota d’água. A insatisfação com a situação econômica, as reformas contra a classe trabalhadora e a falta de liberdades básicas levaram as massas a protestar. Impelidas por um desejo de mudança, começaram a exigir a derrubada da ditadura.

O que começou como protestos pacíficos e relativamente calmos, logo foi recebido com uma repressão violenta. O uso da violência policial, e especialmente quando ela era dirigida aos trabalhadores, provocou raiva nas grandes fábricas industriais. A exigência de desmantelar o regime foi acompanhada de chamadas para organizar um “tribunal para os castigadores”, e o slogan “liberdade para os presos políticos” começou a ser ouvido ainda mais alto.

As várias classes e camadas que saíam em protesto tinham motivos diferentes. A elite liberal entendeu que a manipulação das eleições era uma manobra para impedir que chegassem ao poder, em uma onda de descontentamento em massa. Para a grande maioria da população – trabalhadores da saúde e da indústria pesada, muitos estudantes, jovens, etc. – a oposição ao regime era contra a continuidade da atual política econômica e social desastrosa. Na ausência das próprias organizações de massas, especialmente as da classe trabalhadora, foi a elite liberal que declarou falar em nome de todos os manifestantes.

Devido a sua posição de classe, a elite liberal tem suas próprias razões para se livrar deste ditador apoiando-se, se necessário, nos trabalhadores para fazê-lo. Eles o fazem de tal forma que estes trabalhadores não se tornem suficientemente independentes e organizados, para que amanhã possam se voltar contra a nova elite dominante – os capitalistas e oligarcas – após Lukashenko. A elite oposicionista rapidamente organizou o “Conselho Coordenador”, esperando que este órgão assumisse o poder uma vez que o ditador tivesse sido expulso. A certa altura, com centenas de milhares de pessoas tomando as ruas de todo o país, parecia que era apenas uma questão de tempo. Quando Lukashenko começou a estabilizar a situação, a oposição começou a se fragmentar, criando outros órgãos, procurando formas de se fortalecer.

As diversas elites da oposição que afirmam falar em nome dos manifestantes refletem o estado da própria burguesia liberal em Belarus. De todas as figuras políticas, apenas Tikhanovskaya, uma figura geralmente acidental arrastada para a política por coincidência, conseguiu mais ou menos captar o humor dos manifestantes e se engajar em algum tipo de diálogo com eles. Ela começou a prometer que, se ganhasse, haveria algumas melhorias para setores da classe trabalhadora, mas já era tarde demais. No final, o ultimato público que ela emitiu com um apelo para uma greve geral nacional no final de outubro, pretendia lançar um ataque decisivo contra o regime pelas massas se Lukashenko não renunciasse, teve pouco efeito. O resto da elite liberal, incapaz de oferecer às massas nada além de outras políticas neoliberais, não fez nenhuma exigência social ou econômica que pudesse melhorar a posição das massas. Em palavras, eles pareciam líderes de protestos, mas na realidade não o eram.

O movimento poderia ter vencido neste momento?

Se a vitória for definida como a destituição de Lukashenko ou novas eleições, o movimento de protestos poderia ter vencido nas primeiras semanas ou mesmo dias do movimento, se a liderança tivesse sido pelo menos parcialmente competente, fazendo chamadas claras com base em uma estratégia de luta. Isto teria significado envolver as pessoas em discussões de táticas, estratégias e demandas, e em espalhar a agitação em massa para convencer ainda mais pessoas a se juntarem à luta. Por exemplo, a classe trabalhadora nos comícios das fábricas falou sobre a necessidade de abolir o sistema de contratos temporários e introduzir contratos por tempo indeterminado que realmente protegeriam os trabalhadores, mas nenhuma das elites se atreveu a prometer cumprir esta exigência. O Conselho Coordenador divulgou discretamente um documento que falava em “melhorar” (?) o sistema de contratos precários. No final, os protestos foram simplesmente apresentados como uma manifestação ritual semanal. No final do ano, à medida que os protestos iam diminuindo, o grupo de oposição Nexta, que possui os recursos midiáticos de protesto mais populares, começou a publicar materiais anarquistas que se resumiam a apelos pela prática do terror urbano em pequena escala contra funcionários do governo. Belarus tem uma certa tradição de luta de guerrilha desde a Segunda Guerra Mundial, quando combatentes antifascistas se esconderam nas florestas enquanto conduziam ações contra a ocupação nazista. Mas hoje, ninguém apóia esses apelos insensatos e provocadores à luta de guerrilha, exceto os próprios anarquistas, embora alguns estejam esperando por um sinal de que devem tomar forquilhas e facas e invadir as delegacias de polícia.

Mas as postagens do Nexta dão a alguns manifestantes a impressão de que a direção dos protestos está desesperada e incapaz de explicar os fracassos da estratégia covarde e antidemocrática que foi adotada no auge do protesto, quando a liderança liberal limitou a luta aos apelos por “protesto pacífico e abraçando a polícia de choque OMON e dando-lhes flores”.

Mesmo agora, o movimento poderia ter triunfado se tivesse tido seu próprio órgão de governo, um Comitê de Luta, incluindo representantes eleitos de fábricas e comitês de greve, universidades e pátios. Mas a elite oposicionista não vai sequer considerar esta opção, pois ela coloca sua posição sob ameaça.

Supratsiwleninepratsownykh, apoiadores da ASI em Belarus, argumenta que o apelo pelo “Fora Lukashenko” e pela libertação de todos os prisioneiros políticos precisa estar ligado às demandas pelo fim da privatização, do sistema de contratos e das reformas da previdência, bem como pela restauração de saúde e educação gratuitos e de qualidade. Com a classe trabalhadora à frente desta luta, esta seria a base para formar um partido de trabalhadores de massas com um programa socialista, apresentando candidatos nas próximas eleições, bem como convocando uma assembleia constituinte na qual representantes eleitos de todos os trabalhadores poderiam decidir como a Belarus deve ser governada democraticamente no interesse da classe trabalhadora, uma Belarus democrática, independente e socialista como parte de uma federação mais ampla de países socialistas democráticos.

E agora?

Durante os últimos meses, a situação poderia ter se desenvolvido de várias maneiras.

A primeira opção seria a derrota de Lukashenko e o desmantelamento de seu regime. Isto teria sido bem possível se o movimento de massas tivesse tido uma liderança real, baseada na classe trabalhadora e utilizando as greves como parte fundamental de sua estratégia. Mas mesmo sem tal liderança, se o regime tivesse continuado a violência dos primeiros dias após as eleições, poderia ter incendiado a raiva ao ponto de que nenhuma quantidade de repressão poderia ter impedido a disseminação dos protestos. Isto poderia ter levado a uma derrubada espontânea do regime, como aconteceu, por exemplo, durante a “Primavera Árabe”, no Egito.

Naturalmente, não somos defensores da abordagem do “quanto pior, melhor”. Somente aqueles que não confiam na classe trabalhadora podem esperar que a violência do regime provoque o povo a entrar em ação. É bem possível que tais ações violentas do regime também possam levar à destruição completa dos protestos, como aconteceu no Cazaquistão em 2011, após o massacre dos petroleiros grevistas em Zhanaozen.

A luta em massa, como a que ocorreu em Belarus nos últimos quatro meses, nunca se desenvolve de forma linear. Ela tem seus altos e baixos. É óbvio que agora há um período de refluxo. Esta será uma fase temporária, e quanto tempo ela durará dependerá de outros eventos. Lukashenko parece estar se preparando para mudar a constituição e até mesmo sugere que ele pode renunciar depois que as mudanças forem adotadas. As manifestações semanais podem muito provavelmente continuar de alguma forma por algum tempo, atraindo os ativistas mais determinados.

Um certo elemento de desmoralização e cansaço pode ser esperado que surja. Mas isto não deve ser motivo de desespero. Na verdade, dá aos ativistas tempo para refletir sobre o que aconteceu, para melhor se organizar e se preparar para a próxima etapa. Isto deve ser feito com o entendimento de que a sociedade belarussa não voltará a seu estado anterior, as massas se lembrarão de como resistiram ao regime durante meses.

O papel de socialistas na revolução “democrática”

A elite oposicionista limitou o protesto às demandas democráticas por “eleições justas”, ignorando a necessidade de mudanças sociais e econômicas. A oposição liberal fala dos interesses da nação e da necessidade de unir o povo, mas com isso querem dizer que eles lideram, enquanto os demais apoiam passivamente as políticas que eles querem seguir. Em particular, a política da oposição liberal, que recomenda que qualquer trabalhador disposto a fazer greve para informar a direção sobre isso, levando à sua demissão imediata, é criminosa, pois retira os melhores trabalhadores ativistas das fábricas quando eles deveriam ficar para organizar os outros trabalhadores. O movimento de trabalhadores não deve cair nesta armadilha. Ao invés disso, as forças de esquerda deveriam oferecer aos manifestantes belarussos uma alternativa socialista às táticas fracassadas dos liberais e do capitalismo, e fazer todo o possível para auxiliar a organização independente nos locais de trabalho.

Infelizmente, a esquerda belarussa tem sido muito fraca, e sua posição muito equivocada. Os anarquistas do grupo ‘Pramen’, seguem sem qualquer crítica, os liberais com o argumento “primeiro, removeremos Lukashenko e só depois começaremos a mover a agenda de esquerda para as massas”. Outros, como Pavel Katarzewski, um líder do partido “Mundo Justo” que se apresenta como social-democrata de esquerda, simplesmente capitulou para a inação no início de setembro, quando o movimento estava em seu auge. Stalinistas e neo-marxistas dos vários “círculos marxistas” covardemente capitularam diante deste movimento de massas, com desculpas infantis e ultra-esquerdistas como “a esquerda não deveria participar porque os liberais tomaram a liderança no protesto”.

A tarefa dos socialistas em tais situações é argumentar para que os trabalhadores percebam a necessidade de auto-organização e assumam o papel de liderança no protesto. Somente a auto-organização dos trabalhadores pode nos permitir derrotar o capitalismo e somente ela pode assegurar a introdução da forma mais progressista de democracia.

Precisamos evitar o erro sectário de pensar que os trabalhadores estão apenas nas grandes fábricas. Novos setores da sociedade se uniram à classe trabalhadora. Os trabalhadores da saúde se colocaram na vanguarda da luta, os estudantes se organizaram para expressar sua solidariedade com a classe trabalhadora. Os trabalhadores dos setores de transporte e informação têm a capacidade de parar efetivamente a economia se estiverem organizados.

Ao mesmo tempo, é dito com frequência sobre os protestos belarussos que eles têm um “rosto feminino”, todos os sábados tem havido as marchas das mulheres. Não devemos esquecer que a maioria da classe trabalhadora são de mulheres. A porcentagem de mulheres trabalhadoras em Belarus, assim como as mulheres com segundo emprego, é maior do que na Rússia ou na Ucrânia, enquanto as mulheres hoje têm salários mais baixos do que os homens. Precisamos fazer todos os esforços para garantir a máxima unidade da classe trabalhadora, assegurando que estas questões sejam assumidas na luta.

A tarefa de socialistas no próximo período é levar um entendimento de nosso programa político socialista e revolucionário à classe trabalhadora. Precisamos assumir as demandas pelo completo desmantelamento da ditadura de Lukashenko, com uma transição para a democracia de trabalhadores com base no planejamento da economia para melhorar as condições de vida, e a exigência de que todas as fábricas e grandes empresas do país sejam colocadas sob o controle e a gestão das organizações de trabalhadores.

A tarefa estratégica do momento imediato em Belarus, um período de agitação, propaganda e organização, nas palavras de Leon Trotsky: “consiste em superar a contradição entre a maturidade das condições objetivas da revolução e a imaturidade do proletariado e sua vanguarda (a confusão e a frustração da geração mais velha, a inexperiência dos mais jovens)”. Devemos ajudar as massas, no processo de sua luta diária, a encontrar uma ponte entre suas demandas atuais e o programa da revolução socialista. Esta ponte deve abranger um sistema de exigências transitórias que procede das condições atuais e da consciência atual dos amplos estratos da classe trabalhadora e que invariavelmente leva à mesma conclusão: a conquista do poder pelo proletariado”.

A partir disto, segue-se uma compreensão dos desafios que nós, como socialistas revolucionários, enfrentamos no período que se aproxima, durante o qual não é provável que o movimento de protesto atinja seu antigo pico de atividade e, portanto, oferece a oportunidade de se preparar para a próxima fase. Na verdade, quanto mais tempo houver para se preparar, melhor. No entanto, à medida que a crise global se apoderar do mundo, as tarefas se tornarão mais urgentes.

Talvez em Belarus, mais do que em qualquer outro país, os socialistas revolucionários enfrentem um “duplo desafio”. Precisamos construir um movimento de trabalhadores e, ao mesmo tempo, uma organização política revolucionária, um partido.

Precisamos ajudar na organização de comitês de greve e sindicatos combativos nos locais de trabalho, para que os coletivos de trabalhadores sejam organizados independentemente das elites liberais de oposição que sempre tentam subordinar os interesses dos trabalhadores aos seus próprios interesses.

Na medida em que este processo se desenvolve, e sob impacto dos acontecimentos pode acontecer rapidamente, a consciência de classe, uma consciência de como a classe trabalhadora é explorada pelo capitalismo, crescerá. É necessário levar nosso programa aberta e diretamente a esses coletivos, usando uma abordagem transicional, expondo os interesses de classe da elite liberal e assegurando que a classe trabalhadora tenha um programa político, um programa socialista capaz de levar a sociedade adiante quando o ditador for obrigado a sair e o capitalismo for derrubado.

Ao mesmo tempo, precisamos nos concentrar principalmente em atrair pessoas daquelas camadas da classe trabalhadora e do proletariado, especialmente os jovens, que estão na vanguarda da luta contra o regime e o próprio sistema capitalista, tais como aqueles que participam sob demandas progressistas nos protestos, nas greves, nas assembleias dos pátios. Fazemos isso com o objetivo de construir uma organização socialista revolucionária, independente da elite, capaz de armar os futuros movimentos com uma estratégia e um programa socialista revolucionário capaz de garantir a vitória.

Por enquanto, os protestos estão em baixa, mas a raiva do povo belarusso contra o regime não desapareceu. A participação nas manifestações regulares se tornou mais arriscada, pois a repressão foi intensificada e as marchas menores – não é mais possível ter uma intervenção política aberta nestas atividades. Por esta razão, é necessário transferir temporariamente o trabalho para os locais de trabalho, para fazer contato e dialogar com os coletivos de trabalho protestantes.Ao mesmo tempo em que nos concentramos nas tarefas de construção partidária, atraindo novas pessoas, cultivando um entendimento político (teórico e contemporâneo), desenvolvendo nossos quadros armados com uma perspectiva, um programa e exigências prontos para intervir energicamente quando a próxima fase desse movimento inevitavelmente se desenvolver.

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