Cinco motivos para combater a Reforma Administrativa de Bolsonaro e defender os serviços públicos!
Recentemente, no dia 03 de setembro, Jair Bolsonaro enviou para o Congresso Nacional sua proposta de Reforma Administrativa (PEC 32/2020). O envio foi acompanhado por um enorme furor midiático que repete a velha fórmula de que é preciso modernizar o Estado e, para tanto, é necessário acabar com “privilégios” do funcionalismo público.
Apesar de todas as inverdades sobre a Reforma Administrativa de Bolsonaro, qualquer análise revela que se trata de um profundo ataque que prejudicará o funcionamento de serviços públicos essenciais e, assim, atingirá o conjunto da classe trabalhadora. Trata-se, portanto, de mais uma “reforma” que acentuará a desigualdade social.
Por isso, derrotar a Reforma Administrativa não é uma tarefa apenas de servidores públicos, mas do conjunto da classe trabalhadora. A PEC 32/2020, como tudo que emana do governo Bolsonaro, não passa de um pacote de maldades que pretende, em três etapas, recriar os serviços públicos dentro de uma lógica privatista que busca retirar direitos que foram conquistados na Constituição Federal de 1988.
A seguir apresentamos cinco motivos para a classe trabalhadora lutar contra a reforma administrativa. De forma alguma, são os únicos ataques que estão presentes na PEC 32/2020, que é apenas a primeira etapa de uma série de ataques atingirá negativamente a vida dos servidores públicos.
1. A Reforma Administrativa atinge TODAS E TODOS
A primeira coisa para se destacar é que, ao contrário do que afirma o governo de Jair Bolsonaro e a grande mídia, todas e todos serão atingidos pela Reforma Administrativa. Não são apenas os novos servidores. Esta afirmação é uma tentativa de isolar o funcionalismo público atual do restante da classe trabalhadora. A PEC 32/2020 atingirá todos os funcionários públicos.
Em primeiro lugar, a PEC 32/2020 propõe o fim dos concursos públicos ao criar diversas maneiras de ingresso nos serviços públicos. Trata-se de uma forma de onerar os servidores que atualmente trabalham, ao abrir espaço para a contratação de servidores que terão que trabalhar em um novo regime jurídico de pessoal, isto é, o Regime Jurídico Único (que rege o emprego de todos os servidores públicos atuais) será desmantelado.
Além disso, a Reforma Administrativa aumentará os poderes do presidente da República, isto significa que ele poderá, arbitrariamente, extinguir órgãos públicos e fundações, ou seja, se um órgão público, como o IBAMA, denunciar as queimadas ou o INCRA denunciar o assassinato de indígenas em disputas por terra, eles podem ser extintos arbitrariamente e seus servidores remanejados para outros espaços de trabalho.
Indiretamente, a Reforma Administrativa afetará toda e qualquer pessoa da classe trabalhadora, pois os serviços públicos mais importantes (hospitais, escolas, postos de atendimento do INSS etc.) prestarão piores serviços porque seus trabalhadores e trabalhadoras terão piores condições de trabalho.
2. A Reforma Administrativa precariza os serviços públicos
Ligado ao motivo anterior, está o fato de que a Reforma Administrativa vai resultar na existência de serviços públicos piores. Os serviços públicos que serão atacados pela reforma administrativa são justamente aqueles que obrigam o Estado a ser responsável para atender necessidades sociais como educação, saúde, combate à pobreza, saneamento básico, tratamento de água e esgoto. Serviços públicos de qualidade garantem que a classe trabalhadora acesse realmente direitos que são formalmente garantidos. Por meio dos serviços públicos, o Estado se torna responsável por responder às sequelas da exploração capitalista. Quando a classe trabalhadora acessa serviços de saúde de qualidade, ela está se apropriando de parte da riqueza que ela produziu. Quando o Estado deixa de financiar serviços de saúde, ele está deixando de devolver à classe trabalhadora aquela parte da riqueza social que foi expropriada pela burguesia. Por isso, ao retirar direitos do funcionalismo público, a Reforma Administrativa está atingindo todas e todos.
Em um nível imediato, quem sofrerá com perda de direitos, redução de salários e crescente instabilidade são os servidores públicos que trabalham para melhorar o bem-estar da população. As pessoas diretamente atingidas pela Reforma Administrativa são professoras e professores em escolas, institutos federais e universidades; são agentes comunitários, enfermeiras(os), médicas(os) e outros profissionais que estão nos centros de saúde, CAPS, hospitais etc.; são assistentes sociais, psicólogas e psicólogos etc. que estão atuando na Política Nacional de Assistência Social. Todas e todos responsáveis por transformar as políticas públicas em uma realidade efetiva para o conjunto da classe trabalhadora.
3. A Reforma Administrativa reforça a cultura dos supersalários no funcionalismo público
Segundo o próprio ministro Paulo Guedes, é preciso pagar salários ainda maiores para aqueles servidores que já recebem supersalários e inúmeros auxílios (auxílio-moradia, privilégios por tempo de carreira, etc.). Nas palavras de Guedes: “Eu acho um absurdo os salários da alta administração brasileira, acho que são muito baixos. Muita gente preocupada com o teto, a minha preocupação é ao contrário. Para preservar pessoas de qualidade no serviço público, como tenho visto aqui em Brasília”
A mensagem não poderia ser mais explícita: o governo quer retirar direitos de quem já sofre com perdas salariais que se acumulam há mais de uma década e aumentar os salários de quem está no topo da pirâmide. Ainda segundo o ministro Paulo Guedes, impedir que aqueles estão no topo recebam supersalários é um absurdo. Para ele, uma pessoa que recebe R$39,2 mil reais e inúmeros auxílios, deveria receber salários e incentivos maiores. Nas palavras dele: “Isso é uma negação de toda a meritocracia que existe ao longo dessa carreira”.
A imagem de “vagabundo” que recebe supersalários, inúmeros auxílios e trabalha pouco cabe apenas para um setor muito diminuto do funcionalismo público. Porém, é este setor que o governo quer favorecer.
A PEC 32/2020 poupa cinco tipos de servidores: militares, juízes, procuradores, promotores e parlamentares. Em outras palavras, as pessoas que serão poupadas na “reforma” não são aquelas que têm contato cotidiano com a classe trabalhadora distribuindo cestas básicas, educando crianças e jovens ou garantindo a promoção de saúde. Jair Bolsonaro e seus apoiadores escolheram proteger os tentáculos do Estado que cumprem a função de criminalizar e perseguir a classe trabalhadora. É no campo militar e no sistema judiciário que se situam os responsáveis por operar a máquina coercitiva que atua contra a classe trabalhadora, especialmente pessoas das periferias e favelas, majoritariamente, negras e negros. É um setor diminuto que gasta mais de R$46 bilhões ao ano. Isto significa mais de 50% do que toda a educação pública em nível nacional recebeu em 2019.
4. A Reforma Administrativa reforçará a velha política do apadrinhamento
No dia 08 de setembro, em entrevista concedida à TV Record, Jair Bolsonaro revelou que quer, por meio da Reforma Administrativa, garantir que prefeitos, governadores e presidente possam demitir servidores incômodos. O método de avaliação dos servidores públicos que será criado após a Reforma Administrativa não pretende punir servidores públicos que cometeram infração disciplinar ou que foram julgados pelo judiciário como pessoas que desrespeitaram a Constituição Federal (isto já existe na Constituição atual).
Se a Reforma Administrativa for aprovada, qualquer prefeito, governador ou presidente que se sentir incomodado com as posições políticas ou com as denúncias apresentadas por um servidor pode demitir o servidor e realizar novo processo seletivo por meio do qual poderá contratar algum afilhado político. Trata-se de um retrocesso para as práticas políticas mais arcaicas que se pode imaginar. Nesta situação, a tarefa do servidor público não será servir o público, mas servir o padrinho. O servidor não poderá denunciar posições mentirosas do governo ou fornecer dados objetivos sobre a realidade brasileiro. Pior ainda, a corrupção será incentivada, pois o servidor não terá mais estabilidade e, assim, ficará mais vulnerável a esquemas de “rachadinha”.
Em outras palavras, a Reforma Administrativa de Bolsonaro serve para abrir espaço para a existência de novos “Fabrício Queiroz” ou de “Guardiões do Crivella”. A tarefa do servidor deixa de ser de prestar um serviço para o conjunto da população, independente de raça, gênero ou classe e passa a ser um serviço para o gestor (isto é: para o prefeito, governador, presidente ou algum de seus lacaios comissionados).
5. A Reforma Administrativa serve para o governo gastar apenas com os super-ricos
Fundamentalmente, a Reforma Administrativa busca tirar direitos de quem está cotidianamente em contato com a classe trabalhadora. Certamente, o governo poupará dinheiro com a Reforma Administrativa, mas o que será economizado não voltará para o conjunto da população. Seguindo a filosofia posta pela Emenda Constitucional 95/2016 (que define o “teto dos gastos” nos investimentos sociais, enquanto libera gastos para o pagamento de juros da dívida pública), certamente o dinheiro economizado com servidores servirá para alimentar super-ricos que detêm títulos da dívida pública.
Desde 2005, mais de 40% do orçamento público vem sendo dedicado para encher os bolsos de banqueiros e especuladores que ganham dinheiro com juros e obrigações da dívida pública. Ao mesmo tempo, a verba investida em educação, saúde, assistência social, segurança pública, trabalho etc. foi drasticamente reduzida. Não podemos subestimar a gravidade deste fato. Trata-se de economizar com questões fundamentais: soberania alimentar (isto é, redução do preço do arroz e outros alimentos básicos), educação de qualidade para todas e todos, serviços de saúde (ou seja: leitos o suficiente para atender todas e todos infectados por Covid-19) e assistência social (garantir o auxílio emergencial com um valor mais alto e até o fim do ano).
No entanto, há uma explícita prioridade do governo em garantir privilégios para os super-ricos, enquanto ataca a classe trabalhadora. A Constituição Federal de 1988 expressou algumas das conquistas que a classe trabalhadora obteve após milhares de trabalhadoras e trabalhadores sofrem com a ditadura empresarial-militar. A criação do Sistema Único de Saúde, a gratuidade da educação ou o tardio surgimento de um Sistema Único de Assistência Social foram algumas das conquistas que só foram possíveis, porque muitas pessoas lutaram para que a burguesia fosse responsabilizada para atender necessidades básicas da classe trabalhadora. São estas conquistas que estão no alvo da Reforma Administrativa.
Unificar as lutas e defender a vida acima do lucro
O projeto de Reforma Administrativa é só mais um dos ataques de um governo genocida que não poupa esforços em retirar direitos. É parte do projeto que se expressou na Contrarreforma da Previdência, com a destruição do meio ambiente, a retirada de liberdades democráticas, a redução do salário mínimo etc.
Bolsonaro é a aposta que o capital fez para intensificar a exploração da classe trabalhadora. A Reforma Administrativa é apenas uma das manifestações dessa resposta do capital à sua profunda crise. Cabe à classe trabalhadora dar uma resposta nas ruas e unitária. Caso contrário, sofreremos ainda mais com os avanços dos capitalistas que para salvarem seus superlucros literalmente esperam que a classe trabalhadora pague pela crise.
Iniciativas como a construção de uma jornada de lutas em defesa dos serviços públicos chamada pelo Fórum das Entidades dos Servidores Públicos (FONASEFE) no dia 30 de setembro é parte desta luta em defesa da vida da classe trabalhadora durante uma grave crise de saúde pública. Tal jornada deve ser construída pela base, com trabalhadoras e trabalhadores realizando reuniões em nível local para mobilizar atividades e para pressionar que as centrais sindicais tomem ações efetivas contra um dos ataques mais graves contra o funcionalismo público.
Foi a existência dos serviços públicos que garantiu, em 16 de agosto, a realização de um aborto legal desejado por uma criança que foi estuprada por seu tio e violentada pelo bolsonarismo, que inclusive chegou a expor seus dados nas redes sociais. Também foram os serviços públicos que garantiram a formação de inúmeras negras e negros como médicos que, hoje, atuam para deselitizar uma profissão que, historicamente, foi reservada a brancos e herdeiros dos privilégios criados em nossa sociedade profundamente desigual. Vale lembrar que a primeira mulher negra formada em medicina no Brasil foi uma estudante da Universidade Federal da Bahia (na época, na Faculdade de Medicina da Bahia) em 1909.
Finalmente, foram os serviços públicos que denunciaram a situação de destruição ambiental realizada por latifundiários bolsonaristas que hoje aproveitam a conivência do governo com os crimes ambientais. Por isso, não pouparemos esforços para derrotar Bolsonaro e seus aliados que se preocupam mais com o capital do que com a vida humana.
A LSR estará, lado a lado, defendendo os serviços públicos, a revogação do “teto dos gastos” e a auditoria e a suspensão do pagamento da dívida pública com a finalidade de que o orçamento público seja, de uma vez por todas, dedicado para satisfazer as necessidades de 99% de nossa população e não dos 1%.