Residentes sem salários e a crise da saúde no Brasil
Apoio da LSR-ASI à greve nacional dos residentes da saúde
Inicia hoje (11/05) a greve nacional de residentes da saúde. Convidamos todos a apoiar e se solidarizar com a luta dos residentes compartilhando notícias, construindo notas públicas de apoio e divulgando as reivindicações para pressionar o Ministério da Saúde e Governo Federal.
Enquanto lutamos para sobreviver à pandemia de coronavírus, o governo deixa trabalhadores da saúde sem seus próprios salários. Chegando a trabalhar dois meses sem receber nem mesmo um real, os residentes denunciam não ter dinheiro para ir trabalhar, pagar suas contas de casa e aluguéis e comprar comida.
Nelson Teich, atual ministro da saúde, admitiu em comunicado (08/05) ter em sua responsabilidade 4199 residentes com bolsas-salário atrasadas. Mas um levantamento nacional feito pelos próprios residentes indica que todos os profissionais do primeiro ano seguem com, pelo menos, um mês de salário atrasado. Isso significa mais de 10 mil trabalhadores. E, destes, muitos ainda não receberam nem março nem abril. Espalhados por todo o país, esses trabalhadores estão se endividando e acumulando contas.
Por não terem condições de ir ao trabalho, os residentes decidiram iniciar uma paralisação nacional de suas atividades, até o pagamento de todas as bolsas. É nesse momento de crise sanitária e social que o governo aprofunda sua irresponsabilidade e seu projeto de desmonte da saúde de milhões de brasileiras e brasileiros, que não podem ficar sem atendimento.
Quem são os residentes e o que o governo está fazendo?
Os residentes são trabalhadoras e trabalhadores que atuam em todos os níveis do sistema de saúde – desde hospitais até as unidades básicas. São médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, profissionais de educação física, assistentes sociais, entre outras profissões da saúde.
Todos os olhos e notícias estão voltados para o combate da pandemia do coronavírus, menos os do próprio Ministério da Saúde! É fundamental que o Ministério viabilize estratégias e ações para ampliar a proteção de toda população brasileira. Ao invés disso, escolhe trilhar o caminho contrário, não pagando parte dos trabalhadores da saúde e, com isso, abandonando a população atendida.
O Ministério mente sobre o motivo do atraso
O Ministério da Saúde argumenta que o atraso das bolsas não é erro deles e, sim, dos programas de residência ou dos próprios residentes que passaram dados errados. Mas sabemos que isso é mentiroso, por três motivos: (1) os residentes confirmaram que seus programas enviaram os dados no prazo correto; (2) os residentes confirmaram seus dados diretamente ao ministério no início de março e, inúmeras vezes, depois disso; e (3) se a situação se resumisse a erros nos dados, não faria sentido residentes que receberam a bolsa de março não receberem a de abril.
O Ministério da Saúde, por meio sobretudo do ex-ministro, Luiz Henrique Mandetta, e do atual, Nelson Teich, vêm há mais de 1 mês descumprindo os prazos para o pagamento das bolsas. Até agora, foram 6 prazos descumpridos (05/04, 14/04, 17/04, 22/04, 24/04 e 08/05). A mais recente promessa é a de pagar até 15 de maio. A falta de credibilidade, as mentiras e a demonstração insistente em não cumprir acordos, marcas desse governo, tornam a situação inaceitável e insustentável.
A luta dos residentes durante a pandemia
Em abril, os residentes fizeram um dia de paralisação nacional, denunciando a situação e cobrando o pagamento das bolsas. Mesmo assim, não foram ouvidos, e o atraso continuou. Inúmeros contatos foram feitos ao Ministério da Saúde, ofícios protocolados ao Ministério Público Federal por parlamentares, como o emitido pelo PSOL em 22 de abril. Não foram respondidos!
Até hoje, trabalhando mais de 2 meses sem receber, com promessas do governo, os residentes chegam ao esgotamento econômico, físico e mental. Esses trabalhadores estão relatando assédio moral dentro de seus programas de residência, ainda sem receber e sem ter condições de pagar sua ida ao campo de trabalho. Muitos voltaram às suas cidades de origem vendo-se obrigados a desistir da formação que, muitas vezes, demoraram anos para conseguir acessar. A irresponsabilidade do governo Bolsonaro recai sobre a população quando situações como estas ampliam a defasagem de trabalhadores nos serviços de saúde e na linha de frente do combate à pandemia.
Trabalhar e não conseguir se alimentar não pode ser uma opção. É necessário o pagamento imediato das bolsas! Os residentes e demais trabalhadores da saúde precisam estar vivos e saudáveis para trabalhar. Para isso, precisam de suas bolsas para garantir condições mínimas de trabalho, alimentação e moradia.
O que mais os trabalhadores vêm enfrentando?
O atraso dos salários não é o único ataque. Entre os problemas enfrentados nesta pandemia, é possível listar: a péssima qualidade dos equipamentos de proteção individual – ou a falta deles; diversas denúncias de assédio moral nos hospitais; equipes incompletas, pelo adoecimento e a redução do quadro de trabalhadores e não abertura de concursos públicos; e a subnotificação quanto aos casos de contaminação por Covid-19, causada pela escolha do governo em não fazer testes em toda a população.
A falta de estrutura e a impossibilidade de traçar estratégias mais efetivas são consequências da falta de investimento no SUS há anos, agravada com a Emenda Constitucional (EC) 95, que instituiu o teto de gastos por 20 anos e congelou investimentos em serviços públicos como a saúde e educação. As condições de trabalho para trabalhadores da saúde pública, em todos os níveis, ainda são terríveis. É necessário socorrer o SUS com mais investimento público!
A crise do governo e o desmonte da saúde pública
As crises políticas produzidas pelo governo Bolsonaro são piores a cada dia. Desde o início, seu mandato tem sido recheado de conflitos com ministros, mas agora Bolsonaro vem se confrontando com ainda mais força com o próprio Ministério da Saúde, em plena pandemia. Os reflexos foram muitos, com destaque para: a demissão do antigo ministro da saúde, Mandetta, no meio de abril; a demissão do secretário da atenção primária no fim do mesmo mês; a nomeação do novo ministro, Nelson Teich; e a exoneração de dezenas de funcionários do Ministério, que estão sendo substituídos por diversos militares.
Por contar com um Sistema Único de Saúde (SUS) universal e gratuito, que cobre todo o território nacional, o Brasil teria potencial para dar respostas mais eficientes no combate ao coronavírus. Teríamos números menos aterrorizantes se o Brasil seguisse estratégias e ações já aplicadas em outros países, como a testagem em massa e a garantia de renda para a população permanecer em um isolamento seguro e mais amplo, bem como garantia de moradia, acesso a água, sabão e álcool, além de outros produtos de higiene.
Porém, pouca coisa tem sido feita. Bolsonaro continua relativizando o vírus, defendendo a reabertura do comércio e que as pessoas voltem a circular normalmente. Continua criando crises políticas em seu governo, ao invés de executar medidas efetivas para proteger a população. Diz defender a vida dos brasileiros, mas coloca os CNPJ’s em primeiro lugar e esconde que, na verdade, está do lado das grandes empresas e bilionários.
Enquanto cerca de 80% da população brasileira depende exclusivamente do SUS, existem menos leitos públicos do que leitos privados, chegando cada vez mais próximo do limite de enfrentar uma superlotação e caos nos hospitais. A fila única entre serviço público e privado deve ser garantida para preservar a vida de todos. Nenhuma vida vale mais que outra, e o governo deveria iniciar a estatização dos serviços privados de saúde, como fez a Espanha.
A desigualdade social também é um fator de risco
Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz indica que, no Brasil, são mais de 50 milhões de pessoas consideradas grupo de risco para a covid-19. Isso significa que quase 25% da nossa população, ou seja, 1 em cada 4 pessoas tem mais de 60 anos, apresenta doença respiratória, hipertensão, diabetes, cardiopatia, câncer ou imunodeficiência.
Na verdade, esse número pode ser ainda pior. São milhões de famílias que vivem sem condições de se proteger. Devemos considerar nesse número, as condições de vida e possibilidade de acesso à saúde. Na realidade brasileira, a pobreza, o acesso desigual à água, a falta de saneamento básico, condições precárias de moradia (ou a falta dela), e o desemprego também são fatores de vida ou morte.
Os grupos de risco “oficiais” são definidos a partir de aspectos biológicos e desconsideram essas condições. Quem não tem condições de fazer isolamento social ou não tem acesso a leitos e equipamentos, corre mais risco de se contaminar, agravar a doença ou mesmo morrer. Estamos falando de trabalhadoras e trabalhadores, pessoas que moram em favelas, cortiços, palafitas, em sua maioria negras e negros, que sempre tiveram esse acesso negado ou reduzido.
Os dados da capital paulista são exemplos disso: enquanto um bairro rico concentra o maior número de pessoas infectadas por coronavírus, um bairro periférico registra o maior número de mortes. Outro dado é de que o maior número de contaminações e casos suspeitos na cidade foi entre mulheres, de 30 a 49 anos. Justamente o grupo mais dependente de trabalhos informais, segundo o IBGE de 2019. As internações de jovens entre 20 e 39 anos representam 49% dos casos graves, destoando dos números apresentados ao redor do mundo.
A mortalidade no Brasil está maior do que em muitos países, e não à toa – a desigualdade social e a destruição dos serviços públicos, por anos, pelas políticas neoliberais são responsáveis pelo grave momento que vivemos.
A lógica do lucro antes das vidas
A pandemia escancarou as estruturas decadentes do sistema capitalista. Ao mesmo tempo em que vimos o governo dizer que o país não tem dinheiro, vimos liberarem 1,2 trilhão de reais aos bancos. A prioridade do capitalismo nunca foram as vidas; sempre foi o lucro.
O governo decide demorar e dificultar o pagamento dos auxílios emergenciais a milhões de trabalhadores, ao invés de pagar rapidamente. Provoca filas enormes em bancos, negligencia aplicativos travados e efetua análises erradas. Não oferecer condições para as pessoas ficarem em casa é escolher o lado dos que lucram, deixar crescer os números de contaminação e sobrecarregar o sistema de saúde.
Até o momento em que escrevemos esse artigo, foram confirmadas 11.123 mortes por covid-19 no Brasil. Isso sem contar a subnotificação. Em estudo recente da USP-RP, o Brasil pode ser considerado o novo epicentro da pandemia no mundo – apontando que os números reais podem ultrapassar 1 milhão e 300 mil pessoas contaminadas.
Nosso pior problema nessa pandemia é o desgoverno de Bolsonaro. O presidente tratava como “gripezinha” a doença que hoje mata centenas de milhares de pessoas no mundo. E ainda insiste na flexibilização da quarentena, que poderá levar a mais mortes. Estamos lutando contra o coronavírus e contra esse desgoverno, que propaga tantas notícias falsas sobre o vírus. Esse governo criminoso tem uma política assassina para o povo trabalhador.
Como se envolver na luta?
A solidariedade entre trabalhadoras e trabalhadores, sobretudo em seus extratos mais precarizados e oprimidos, é o caminho para nos manter vivas e vivos. E a luta coletiva é a maneira de arrancar vitórias de governos e bilionários que querem lucrar mais e mais com nossas vidas.
Apoie e seja solidário à luta dos residentes da saúde que estão sem salários. Compartilhe e divulgue este e outros materiais, construa notas públicas de apoio em seu local de trabalho, associação de bairro, organização, movimento, sindicato etc. Pela urgência da situação e pelas ameaças dos programas de residência, a pressão pública, associada à paralisação, deve ser uma ferramenta fundamental.
Se puder, contribua com o fundo solidário organizado pelos residentes de Santos: https://doacaolegal.com.br/c/residentesembolsae assine a Carta dos Residentes à População: https://forms.gle/GtA9r7MCoKprLQCw6
Lute contra esse governo assassino para derrubá-lo já! Precisamos derrubar Bolsonaro, Mourão, seus ministros e todos os militares, assim como os políticos que apoiam e sustentam esse governo e sua agenda neoliberal, cada vez mais pautada na miséria, no ódio e na morte.
Não morreremos de fome nem de vírus. Que os super-ricos paguem pela crise!
Defendemos:
- O imediato pagamento das bolsas dos residentes, sem punição ou perseguição dos residentes paralisados.
- Taxação dos bilionários, lucros e dividendos das grandes empresas para financiar a saúde! Para investimento em testes, em equipamentos de proteção individual e em equipamentos de saúde.
- Um programa de socorro às economias das famílias trabalhadoras, sobretudo às mais pobres, garantindo empregos, 100% do salário e renda básica mensal aos trabalhadores para um isolamento seguro! Ao invés de entregar 1,2 trilhões aos bancos!
- Anulação da Emenda Constitucional 95 do Teto de Gastos e da Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita investimentos públicos. Isso é urgente para recuperar e melhorar os serviços públicos, como o SUS, e investir em educação, ciência e pesquisas de combate ao coronavírus!
- Reconversão da produção sob o controle dos trabalhadores para garantir a produção necessária de equipamentos médicos e de proteção para combater a pandemia.
- Fora Bolsonaro, Mourão e a agenda neoliberal!