Novas perspectivas para o Chile

A irrupção da classe trabalhadora organizada mudou em poucos meses o panorama e as perspectivas políticas no Chile

Cada vez mais gente está cansada. Apesar dos empresários e políticos tanto da direita como da Concertación, no governo, se congratularem com a economia chilena, para a massa das famílias trabalhadoras a vida não melhora. Há uma crescente frustração face ao contraste entre as constantes promessas e a realidade do trabalho precário, endividamento, baixos salários e, agora também, inflação.

No Chile, o movimento operário e popular voltou a ser protagonista. Ainda falta muito para andar, mas os capitalistas já não podem mais continuar a apregoar as supostas bondades do “modelo chileno” sem que a resistência dos explorados e excluídos exponham a realidade. Fala-se muito em “crescimento”, mas não se fala muito da destruição do meio ambiente, da concentração progressiva da riqueza (20% da população controla 60% do PIB chileno), da péssima qualidade da educação, da saúde e da habitação, das taxas de endividamento da população muito além de qualquer racionalidade (as empresas financeiras chegam a distribuir massivamente cartões de crédito a jovens estudantes que não trabalham).

70% em trabalho precário

Tampouco se fala do trabalho precário que chega a 70% da mão de obra do país. Para impedir a sindicalização e a negociação colectiva, as empresas recorrem ao subterfúgio da “terceirização” ou “outsourcing”, subcontratam outras empresas ou criam centenas de entidades sociais fantasmas – empresas somente no papel – para que os trabalhadores estejam pulverizados e o companheiro de trabalho seja, tecnicamente, de outra empresa. Estes são trabalhadores chamados “subcontratistas” para quem, de acordo com a legislação trabalhista vigente, é proibida a negociação inter-empresa se o patrão não estiver de acordo, estando na prática proibidos de negociar. Os subcontratistas ganham muito menos e carecem dos subsídios de seus companheiros contratados directamente pela empresa matriz.

5 mil operários entram em greve

Este ano, finalmente, esta situação de injustiça explodiu. Mais de 5 mil operários industriais subcontratistas que trabalham para uma gigantesca empresa de exploração florestal – Bosques Arauco, filial da Holding industrial – entraram em greve e conseguiram forçar a negociação coletiva. Pagaram um alto custo, foram fortemente reprimidos pela policia uniformizada. Rodrigo Cisternas, um trabalhador e pai, de 26 anos de idades, morreu, por mais de cem tiros dos carabineros (polícia).

Mas, o exemplo foi seguido pelos trabalhadores subcontratistas da mineradora CODELCO, que depois de uma dura greve também conseguiram a negociação coletiva. Hoje são muitos os sectores mobilizados, num processo de sindicalização em meia à luta.

Outros setores também se colocaram em marcha, como o da construção, com altos níveis de subcontratação. Também o s trabalhadores dos setores agro-exportadores e agro-industriais que estão tradicionalmente entre os setores mais desprotegidos do país, mas também o setor bancário.

Aos problemas das relações trabalhistas é preciso acrescentar as dezenas de milhares de trabalhadores com dívidas de habitação, os quais têm saído às ruas e realizado centenas de manifestações para evitar que lhes sejam tiradas as suas habitações sociais. Os pescadores artesanais, aos quais a super-exploração das frotas industriais que praticam a pesca de arrasto deixam sem meios de ganhar o sustento, tiveram que manifestar-se e enfrentar a repressão policial para conseguir ajuda de emergência.

Luta dos mapuches

Os povos originários, continuam a ser os mais pobres e desprotegidos da população do país. Os Mapuches que procuram recuperar as suas terras, que lhes foram tomadas ardilosamente, são fortemente reprimidos. Contra eles são aplicadas as leis anti-terroristas, recebendo condenações de até dez anos e permanecem encarcerados com acusações falsas. Neste momento duas mulheres Mapuche estão em greve de fome na cadeia, tentando chamar a atenção para o seu caso.

Além disso, os trabalhadores e jovens – cerca de 6 milhões – que na cidade de Santiago se mobilizam em defesa dos transportes públicos, continuam a sofrer as consequências de uma gigantesca reestruturação dos transportes da cidade, o chamado Transantiago, que mesmo o governo admite ter sido um fracasso. Os tempos de viagem e espera multiplicaram-se e há pontos onde já não chegam transportes como antes. Entretanto os bancos e empresas envolvidos no negócio aumentaram seus lucros a níveis inéditos no primeiro trimestre de 2007.
Com este cenário, não surpreende que a Central Unitaria de Trabajadores (CUT), cujos principais dirigentes são membros da direção dos partidos da Concertación no governo (Partido Socialista e Democracia Cristã), ou do Partido Comunista (que agora negocia um pacto eleitoral com a Concertación e inclusive com a direita pinochetista), se tenham visto pressionados a ponto de convocar uma jornada nacional de mobilização, no último dia 29 de agosto.

As palavras de ordem da Central foram extremamente genéricas, do tipo “contra o neoliberalismo”, ou “por um estado social e solidário”, ou ainda “pelo fim da exclusão” (esta última com o objetivo de que se aprove alguma modificação legal que permita ao PC entrar no parlamento). Apesar disso, o apelo foi respondido por numerosas organizações sociais e sindicais, e inclusive pelos ativistas da direção da CUT, dando-lhes um sentido mais preciso: contra o aumento do pão e dos produtos de primeira necessidade, por aumento de salário, por melhores condições de trabalho, por transporte digno. Os diferentes setores em luta se encarregaram de precisar ainda mais as demandas em suas empresas e bairros.

Direção da CUT não organiza a luta

Não é a primeira vez aque a CUT convoca uma mobilização. Em geral isso tem sido mais uma espécie de saudação à bandeira, sem verdadeiro esforço na construção da luta. Neste sentido, desta vez não foi diferente. Não houve um chamado à paralisação, não haviam instruções claras. “Cada um pode fazer o que lhe parecer melhor”, foi uma orientação pública de Martínez, o secretário geral da CUT. Não houve convocatória central para um Ato unificado.

Mas, se queriam que tudo ficasse como uma mobilização simbólica, o tiro acabou saindo pela culatra. Muita gente utilizou a convocatória para expressar sua frustração. Milhares tentaram manifestar-se. O total de presos nas manifestações chegou a 750. Houve centenas de confrontos com os Carabineros, que ficaram marcados, como é habitual, pelo seu excesso. Inclusive foi veiculada pela TV a agressão, sem nenhuma razão, sobre centenas de pessoas que esperavam tranquilamente num ponto de ônibus. Um tenente dos Carabineros golpeou ferozmente a cabeça do senador Navarro do Partido Socialista quando este falava pacificamente com um oficial que comandava a força.

Nova geração entra na luta

O Chile mudou muito desde que, no ano passado, 600 mil estudantes secundaristas ocuparam suas escolas. A entrada em ação dos trabalhadores confirma isso. Uma nova geração que está livre dos traumas da derrota de 73 e da ditadura, entrou em movimento e está reconstruindo as organizações sindicais e os movimentos sociais, incorporando um forte sentimento em defesa da democracia de base e uma grande desconfiança dos partidos políticos tradicionais.
A nova situação chegou para ficar. Abriram-se novas perspectivas para a construção de direções sindicais honestas e independentes do poder e para a construção de um partido dos trabalhadores, com um programa socialista, democrático e de luta.

Os trabalhadores, os jovens e os pobres aprenderam uma lição fundamental que parecia esquecida. Nesta sociedade as soluções coletivas são possíveis. Na verdade, são as únicas possíveis para a massa dos trabalhadores. Mas, para obter conquistas é preciso organizar-se e lutar.

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