Justiça para Marielle é justiça para o povo pobre, negro e periférico
Marielle Franco: mulher, negra, que amava outra mulher, da favela, parlamentar pelo PSOL e socialista. No dia 14 de março de 2018, ela e Anderson tiveram suas vidas interrompidas. Milhares de pessoas entenderam rapidamente que não se tratava de mais um caso de violência recorrente do Rio de Janeiro, mas sim de um assassinato político. Por isso, no dia seguinte atos expressivos tomaram as ruas de várias cidades brasileiras e ao redor do mundo, com milhares de pessoas em um luto que expressou tristeza, mas também força para não deixar que a voz de Marielle fosse interrompida.
Apesar desse extermínio continuar sem um desfecho, há provas cabais da relação direta com a milícia do Rio de Janeiro, que por sua vez está de alguma forma ligada ao governo Bolsonaro. Adriano da Nóbrega, identificado como possível chefe do Escritório do Crime, grupo de extermínio do RJ que supostamente Ronnie Lessa – que responde por ter matado Marielle – fazia parte, parecia ser um elemento chave para estabelecer essas conexões: seu nome também está vinculado ao esquema da rachadinha no gabinete do Eduardo Bolsonaro. No entanto, mais recentemente, dia 9 de fevereiro, a polícia matou Adriano da Nóbrega, que estava foragido em um sítio de vereador do PSL na região.
Exigimos resposta
O sentimento de urgência e angústia para que a justiça responda quem mandou mandar Marielle e Anderson é evidente por parte dos familiares, de sua companheira e amigos, mas vai para além. É uma demanda do povo pobre, preto e preta, que diante deste descaso e da não resposta a este extermínio bárbaro, se percebe ainda mais vulnerável diante de um Governo que abraça e homenageia os algozes. Aponta uma forte insegurança sobre nosso futuro, tanto enquanto povo como de quem se levanta por justiça.
Desde os últimos dois anos a escalada de ataques contra a maioria da população só aumentou. O projeto da classe dominante, hoje com bolsonarismo à frente, para poder avançar, requer ir para cima de nós.
O Brasil, que ano passado ficou em 4º lugar dos países que mais matam defensores de direitos humanos, foi também recordista em assassinatos no campo. A justiça, por sua vez, julgou apenas 8 em cada 100 desses crimes nos últimos 33 anos. Essa velocidade é diametralmente oposta à da PM nas periferias, que muitas vezes julga pela cor e atira sem perguntar: em São Paulo, em 2019 houve um aumento de 98% de letalidade da Rota (dados da Ouvidoria das Polícia de São Paulo), sendo mais de 90% em regiões periféricas, tendo como alvo corpos jovens e negros.
Marielle presente, Marielle semente
Marielle morreu e virou semente. Desde então não recuamos, por Marielle e por nossas vidas. Essa resistência em um primeiro nível se coloca nas ruas: as mulheres são cada vez mais protagonistas nos atos contra os ataques dos governos para cima de nós, cortando direitos. Marielle, é corriqueiramente mencionada em todas essas manifestações, nas cidades de norte a sul do Brasil e às vezes até fora do mundo. Tornou-se um símbolo de que não seremos interrompidas.
No campo eleitoral seu legado também se expressa. Em 2018, mulheres pretas foram eleitas, incluindo três ex-assessoras de Marielle que foram para Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Também foi eleita Talíria Petrone, que foi a 9ª parlamentar mais votada do Rio de Janeiro para o Congresso Nacional. Seu mandato cumpre um papel importante na defesa de pautas do conjunto da classe trabalhadora, juventude, povos tradicionais. Dentre as ações, Coordena a Frente Parlamentar Feminista Antirracista com participação popular. Jane Barros, militante da LSR e assessora do mandato, conta que é algo inédito no Congresso Nacional, que só foi possível porque mulheres negras, parlamentares socialistas, chegaram até esse espaço.
Mesmo sendo poucas, essas representações cumprem um papel em denunciar essa grande distorção, de um Congresso composto majoritariamente por homens brancos que defendem um projeto na direção contrária do interesse da maioria do povo. Daniel Silveira é um desses deputados. Ele ficou conhecido por quebrar a placa de Marielle, em mais uma demonstração do quanto ela – e nós – incomoda esse setor.
Nas eleições este ano não será diferente. Kátia Sales, militante da LSR e presidenta do PSOL em Belo Horizonte (MG), comenta sobre isso: “Eles não esperavam com toda uma comoção do movimento negro, que mesmo sem saber exatamente quem era Marielle, sem ter conhecimento direto da sua história, se sentiu violentado com a sua execução. Para nós foi uma resposta muito direta de que aquele lugar não nos pertence”.
Ocupar os espaços de forma coletiva
Conta também que a partir de então existe um esforço de ocupar esses espaços, mas de forma coletiva, de buscar representar uma maioria da população. Um dos exemplos é na sua cidade, em Belo Horizonte, que o Setorial de Negros e Negras do PSOL está construindo coletivamente as candidaturas de pessoas negras. Mesmo sem ter um vínculo direto com Marielle, representa uma continuidade da luta das mulheres negras.
Nas ruas, nas eleições, como pontua Katia, seguir perguntando quem matou e quem mandou matar, busca também honrar a memória de Marielle e “reforçar a ideia de que a sua eliminação física, não eliminou a nossa vontade, a vontade do povo negro de superar esse sistema e criar condições iguais para todos e para todas”.