O PSTU contra uma greve de trabalhadores na Inglaterra?
Uma crítica fraternal a um artigo do PSTU sobre a recente onda de greves na Grã Bretanha
A crise econômica mundial coloca inúmeros desafios para a esquerda socialista e o movimento dos trabalhadores. Capitalismo em crise significa, antes de mais nada, ataques, pressões e incerteza para milhões. Por outro lado, o novo contexto internacional abre enormes oportunidades para que, na resistência contra os ataques de governos e patrões, a classe trabalhadora tire conclusões anticapitalistas e socialistas. Mas, isso vai depender em grande parte do papel concreto que os socialistas jogarão nessa nova e complexa conjuntura.
Partindo dessa avaliação e buscando aperfeiçoar ou até mesmo corrigir algumas das respostas dos socialistas diante da conjuntura atual, queremos aqui fazer referência a uma postura política profundamente equivocada, em nosso entender, adotada pelo PSTU em relação à enorme onda de greves recentes na Grã Bretanha.
Um recente artigo publicado na página do PSTU na internet da autoria de Jeferson Choma e intitulado “Grã Bretanha: uma greve que os patrões agradecem” , acusa os grevistas, trabalhadores subcontratados, da Refinaria de Petróleo de Lindsey, em North Lincolnshire, Inglaterra, de adotarem uma postura que só ajuda os patrões.
Repetindo a mesma abordagem distorcida dos grandes meios de comunicação da burguesia, o artigo da página do PSTU repreende os trabalhadores grevistas por realizarem uma “campanha xenófoba”, um movimento contra a contratação de trabalhadores imigrantes. O título e o conteúdo do artigo não deixam dúvidas em relação à postura contrária à greve por parte do articulista do PSTU.
O artigo da página do PSTU reflete, em primeiro lugar, uma grande desinformação sobre os fatos concretos. Provavelmente baseando-se apenas na imprensa burguesa, o artigo involuntariamente ajuda a desprestigiar um poderoso movimento grevista que se estendeu para todo o país. Mas, além disso, o artigo reflete um tipo de abordagem e análise bastante esquemática e formalista sobre o processo de tomada de consciência dos trabalhadores que, em nosso entender, não é incomum nas análises do PSTU. Em muitos casos, esse método esquemático, simplista, conduz a equívocos políticos importantes.
Queremos aqui resgatar algumas verdades sobre esse movimento na Inglaterra e expressar nossa visão desse processo baseada na intervenção concreta dos militantes do Partido Socialista (Inglaterra e País de Gales) , seção do Comitê por uma Internacional Operária (CIO/CWI) naquele país. O CIO/CWI é a organização internacional marxista à qual o Socialismo Revolucionário (SR) é filiado.
A importância da onde de greves na Grã Bretanha
A greve em questão não é um fenômeno secundário da conjuntura da Grã Bretanha nos marcos da profunda crise econômica que atinge duramente o país. O fantasma da greve dos mineiros de 1984/85, um movimento que marcou a história do país, está rondando a Grã Bretanha e aterrorizando sua classe dominante. A greve na Refinaria de Lindsey desencadeou uma onda grevista que atingiu operários da construção civil em Refinarias e Centrais Elétricas em 22 cidades do país. Manifestações e assembléias de massas se repetiram dia a dia e ações de solidariedade aos grevistas se multiplicaram.
O movimento grevista passou por cima das direções sindicais e representa um claro desafio à legislação anti-sindical da Grã Bretanha. São greves consideradas ilegais, greves “selvagens”, wildcat na expressão inglesa. Antes de mais nada, trata-se de uma enorme demonstração de força da classe trabalhadora. A extensão do movimento se deu contra a vontade da burocracia sindical, numa ação de boca em boca, e-mails, mensagens de celular e demonstrou uma enorme agilidade e criatividade da organização dos trabalhadores pela base.
A origem do movimento remonta o anúncio de demissões, uma espécie de aviso prévio, feito em novembro de 2008 na Refinaria de Petróleo de Lindsey (LOR, na sigla em inglês, uma refinaria de propriedade da empresa francesa Total) atingindo os trabalhadores de uma empresa de construção subcontratada pela LOR. Após o anúncio das demissões, os trabalhadores ficaram sabendo que uma parte dos demitidos seriam substituídos por novos subcontratados de uma empresa italiana chamada IREM. Os novos trabalhadores subcontratados seriam todos italianos e portugueses, permaneceriam isolados dos demais trabalhadores e teriam condições de trabalho diferenciadas em relação ao acordo coletivo nacional da categoria.
No mesmo período, um Fórum Nacional de Delegados Sindicais do setor da construção civil, com a participação dos delegados sindicais da LOR, decidiu iniciar uma campanha nacional de pressão contra a empresa Alstom que, na Central Elétrica de Staythorpe, havia explicitamente decidido que não contrataria trabalhadores britânicos, mas apenas trabalhadores poloneses e espanhóis não sindicalizados.
Pouco tempo depois (em 28/01/09), os trabalhadores da LOR foram informados que a nova empresa subcontratada na Refinaria (a italiana IREM) faria o mesmo. A resposta dos trabalhadores de todas as empresas subcontratadas na LOR foi uma votação unânime pela greve imediata, independentemente dos procedimentos legais da rígida regulamentação anti-greves na Grã Bretanha. No dia seguinte mais de mil trabalhadores da LOR, mas também de outras Refinarias próximas, como a Conoco Phillips e o Terminal de gás Easington, tomaram os portões da LOR num grande piquete de massas.
A partir daí espalhou-se uma onda de solidariedade dos operários da construção civil em toda a Grã Bretanha. O que desencadeou o protesto e a greve foi – é preciso enfatizar isso – a demissão de trabalhadores sindicalizados, cujos contratos respeitavam o acordo coletivo nacional, e sua substituição por trabalhadores que não poderiam se sindicalizar e cujos contratos romperiam com o acordo coletivo.
Essa prática patronal se baseia numa legislação da União Européia que permite que os contratos de trabalhadores estrangeiros num determinado país tenham que respeitar apenas as condições vigentes em seus países de origem. Sem resistência por parte dos trabalhadores contra essa política, o que acontecerá é o rebaixamento generalizado das condições de trabalho e a retirada de direitos generalizada na Europa.
Não se tratava, portanto, de uma greve contra imigrantes, como o artigo do PSTU a apresenta, mas uma greve contra a contratação de trabalhadores em condições de precarização, sem respeitar os direitos já conquistados. O movimento denunciou o fato de que as empresas recusavam-se a contratar trabalhadores ingleses sindicalizados porque não querem garantir todos os seus direitos.
Todos nós conhecemos situações e lutas sindicais parecidas com esta no Brasil e em outras partes do mundo. Trata-se de uma luta contra a precarização e a retirada de direitos. Os exemplos são inúmeros. O próprio sindicato dos metalúrgicos de São José dos Campos e região, onde o PSTU tem maioria na direção, protagonizou no ano passado uma heróica luta contra a tentativa da General Motors de contratar 600 novos trabalhadores temporários com menos direitos e com salários rebaixados em relação aos demais trabalhadores da empresa.
Essa mobilização teve que enfrentar uma brutal ofensiva unificada dos patrões, prefeitura, Igreja e meios de comunicação que acusavam o sindicato de ser contra a geração de empregos e o desenvolvimento da região. O sindicato e os trabalhadores resistiram e ao final conseguiram arrancar mais direitos, ainda que não o ideal, para os novos trabalhadores contratados.
No início desse ano tudo caiu por terra e o cinismo da GM e seus aliados na prefeitura e meios de comunicação foi desmascarado quando a empresa mandou para a rua mais de 800 trabalhadores, um número superior aos novos empregos que tinham sido criados no ano passado. A luta em defesa dos empregos sem abrir mão dos direitos continua e essa luta no Vale do Paraíba joga um papel central na resistência contra a ofensiva patronal no momento em que a crise chega de forma dramática ao Brasil.
A direita não conseguiu manipular o movimento
No caso da Grã Bretanha, é evidente que a classe dominante tenta de forma ofensiva manipular a consciência e dividir os trabalhadores. O nacionalismo é um instrumento útil para isso. Não é a toa que o Partido Nacional Britânico (BNP, na sigla em inglês), um partido de ultra-direita e racista, chegou a tentar intervir na greve e influenciar alguns trabalhadores. Na televisão, algumas cenas mostraram cartazes nas mãos de trabalhadores repetindo uma expressão usada pelo primeiro-ministro Gordon Brown defendendo que “empregos britânicos devem ser para trabalhadores britânicos”.
Porém, é um profundo erro político condenar o conjunto do movimento grevista baseando-se nisso. O artigo na página do PSTU dá a entender que Gordon Brown estaria estimulando a greve por sua suposta motivação xenófoba. Isso não é verdade. Gordon Brown declarou repetidas vezes que essa greve é inaceitável e indefensável e a burguesia britânica usa a imagem distorcida de que seria uma greve xenófoba para tentar criar animosidade contra o movimento e esmagá-lo. Infelizmente o artigo do PSTU caiu na armadilha.
Apesar de toda a campanha contra a greve feita pela mídia da Itália e de Portugal, mostrando o movimento como se fosse uma greve contra italianos e portugueses, muitos trabalhadores e ativistas sindicais e da esquerda desses países, ao contrário do que vemos no artigo do PSTU, entendem do que se trata realmente.
Na Itália, por exemplo, Giorgio Cremaschi, dirigente do sindicato de metalúrgicos FIOM, denunciou as práticas de dumping social e declarou publicamente que: “se os trabalhadores italianos na Inglaterra estão recebendo salários menores e suas condições de trabalho são piores, então a greve é justa. Devemos lutar por condições iguais para todos”.
Também existe um evidente exagero sobre o papel jogado pelo Partido Nacional Britânico (BNP). Os relatos factuais que temos obtido dos companheiros ingleses sobre as Assembléias na Refinaria de LOR revelam situações como a de trabalhadores expulsando à força os ativistas do BNP de suas Assembléias. Ao confundir um militante do Partido Socialista distribuindo panfletos com um ativista do BNP, um trabalhador respondeu com firmeza: eu não sou racista e não apoio o BNP! Ao perceber que se tratava de um panfleto socialista defendendo a unidade dos trabalhadores, o trabalhador apoiou as posições ali defendidas.
O Partido Socialista chamou os trabalhadores a acabar com essa “corrida pelo fundo do poço” promovida pelos patrões e governos. Ou seja, nada de abrir mão de direitos em troca dos empregos, pois no final das contas estaremos sem empregos e sem direitos. A greve é contra empresas como a Alstom e IREM que se recusam a contratar força de trabalho local e se utilizam da legislação neoliberal da União Européia que permite a super-exploração dos trabalhadores para garantir mais lucros para as empresas.
O panfleto do Partido Socialista defendeu que, ao invés de dizer “Empregos britânicos para trabalhadores britânicos”, devemos dizer “Empregos com direitos sindicais e boas condições de trabalho para TODOS os trabalhadores”. O Partido Socialista também defendeu que os sindicatos parem de financiar o Partido Trabalhista que hoje é um partido de patrões e passem a construir um novo partido de massas da classe trabalhadora. Se a crise mostra a lógica perversa do capitalismo, é preciso construir uma alternativa socialista.
A plataforma defendida pelo Partido Socialista, através dos seus militantes Keith Gibson (integrante do Comando de Greve na LOR) e John McEwan (trabalhador demitido da LOR e integrante do Fórum Nacional de Delegados Sindicais), foi aprovada em suas linhas fundamentais na Assembléia dos trabalhadores da LOR no dia 2 de fevereiro. Essa plataforma passou a ser a linha legítima dos trabalhadores e não a postura distorcida apresentada pela mídia burguesa. A plataforma levantava os seguintes pontos:
- Nenhuma punição aos trabalhadores que se mobilizaram em solidariedade ao movimento;
- Todos os trabalhadores no Reino Unido devem estar cobertos pelo Acordo Nacional para a Construção Civil;
- Registro pelos sindicatos de todos os desempregados e trabalhadores qualificados sindicalizados em cada região, com direitos de preferência quando houver empregos;
- Investimentos públicos e das empresas em treinamento e formação profissional para a nova geração de operários da construção – lutar por um futuro para os jovens;
- Todos os trabalhadores imigrantes devem ser sindicalizados;
- Apoio sindical aos trabalhadores imigrantes – incluindo intérpretes e tradutores e acesso a assessoria sindical – para promover sua integração como membros ativos dos sindicatos.
- Construir vínculos com os sindicatos da construção civil nos demais países do continente europeu.
O Comando de Greve acrescentou ainda a reivindicação da readmissão imediata à Refinaria do companheiro John McEwan, perseguido pelos patrões. A postura determinada do Comando de Greve, inclusive passando por cima dos burocratas sindicais nacionais e com a participação de companheiros do Partido Socialista, foi um fator central no rechaço à política de divisão nacionalista dos trabalhadores e para o fortalecimento do movimento. Trata-se de um exemplo a ser seguido.
No início da greve a empresa Total, dona da refinaria LOR, negou-se a negociar enquanto a greve continuasse. Dois dias depois foram obrigados a mudar de posição e sentaram-se à mesa de negociação. Ofereceram a criação de mais 60 postos de trabalho pela subcontratada IREM para trabalhadores residentes na Grã Bretanha. O companheiro Keith Gibson, falando em nome do Comando de Greve, propôs a rejeição do acordo na Assembléia, que acabou referendando essa posição.
A empresa então recuou e propôs que, além de oferecer metade dos novos postos de trabalho para trabalhadores residentes na Inglaterra (sem demitir nenhum dos trabalhadores italianos que já estão em solo britânico), todos os trabalhadores contratados, independentemente da nacionalidade, teriam os mesmo direitos dos ingleses. Até o momento em que este artigo está sendo escrito, a tendência do Comando de Greve e da Assembléia dos trabalhadores era no sentido de aceitar essa proposta, considerada uma vitória no contexto atual.
Para o Comando de Greve, porém, trata-se apenas do início da luta. Novas mobilizações devem acontecer. Uma reunião do Fórum Nacional de Delegados Sindicais no dia 9 de fevereiro deve encaminhar um plano de ação e propostas como uma marcha nacional em Londres está sendo proposta.
Uma resposta socialista à crise
Os trabalhadores da construção civil na Grã Bretanha não são uma elite xenófoba e reacionária como tenta nos convencer a mídia manipuladora, da mesma forma que tentaram fazer com os petroleiros brasileiros em 1995 ou os funcionários públicos em 2003.
Os operários da construção civil na Grã Bretanha enfrentam terríveis condições de trabalho e demonstraram uma clara consciência da necessidade de defender as conquistas que obtiveram através de anos de luta sindical. Essa consciência tem se manifestado nos momentos iniciais da mais importante crise econômica do capitalismo desde os anos 30. Milhares de trabalhadores têm compreendido que ou lutam agora ou as coisas vão piorar de vez no futuro. E essa é a conclusão correta e deve ser apoiada pelos socialistas em todo o mundo.
É evidente que nenhum movimento dos trabalhadores está livre de elementos de confusão. Idéias até mesmo reacionárias podem ser disseminadas entre os trabalhadores e precisam ser combatidas firmemente. Guardadas as devidas proporções, assim como nos anos 30, setores da direita tentarão usar a crise a seu favor. Na Áustria e em outros países europeus, por exemplo, é possível observarmos um crescimento da extrema direita que tenta ocupar o espaço vazio deixado pelo aburguesamento dos antigos partidos tradicionais da classe trabalhadora.
A formação de novos partidos de massas dos trabalhadores armados com um programa socialista é uma tarefa central para os socialistas em muitos desses países. Estimular a resposta coletiva dos trabalhadores através da luta e politizar esse movimento oferecendo uma saída anti-capitalista e socialista é o caminho que a esquerda deve oferecer.
Utilizar os elementos secundários de confusão existentes nas greves recentes na Inglaterra para condenar o conjunto do movimento é confundir os lados na luta de classes. Sabemos que essa não é a intenção do PSTU, mas fazemos o alerta para que esse equívoco não se mantenha.