A luta entre revolução e contra-revolução na Bolívia
Relato da Escola Latino-americana do CIO no Brasil
Os delegados da Alternativa Socialista Revolucionária (seção do CIO na Bolívia) presentes na Escola Latino-americana do CIO fizeram enormes esforços para participar da reunião viajando por 7 dias através de chuvas tropicais e problemas fronteiriços. Porém, todos concordaram que o esforço valeu a pena. Os companheiros bolivianos também impactaram todos os presentes na Escola.
A presença de companheiros de fala Quéchua foi um passo importante para o CIO na América Latina e as discussões sobre Venezuela e Bolívia foram as mais vivas da Escola. As principais ênfases na discussão sobre a Bolívia foi o atual debate sobre a nova constituição e as tarefas dos marxistas revolucionários para defender e fazer avançar o processo revolucionário.
Em 2008 as massas bolivianas votarão em uma nova proposta de constituição. O processo envolvido nesta votação foi enormemente prolongado. O debate foi muito polarizado graças à campanha da oposição de direita que se fortaleceu nos últimos meses. Os latifundiários e os patrões, que estão principalmente nos estados do oriente, a “media luna”, consideram as reformas constitucionais uma séria ameaça à sua riqueza e seu poder. Sua campanha atingiu seu ponto alto recentemente, com a declaração da oposição de autonomia dos governos dos estados de Santa Cruz, Pando, Tarija e Beni.
No último ano, em um referendo nacional sobre esta questão a oposição ganhou a maioria dos votos nestes estados. Quanto à questão de mudar a capital boliviana para Sucre, a direita foi capaz de até mesmo obter o apoio de outros dois estados. A propaganda reacionária da mídia foi combinada com propaganda racista, ataques violentos contra o povo indígena e mesmo assassinato cometido por grupos de jovens fascistas. A ameaça de guerra civil continua sendo uma possibilidade se os estados dirigidos pela direita tentarem dividir o país se autonomizando. As classes dominantes em outros países latino-americanos – especialmente o Chile e o Brasil – estão extremamente preocupadas com estes desdobramentos e não querem a divisão da Bolívia. Mesmo o imperialismo dos EUA teme as conseqüências que surgiriam disto. Se os eventos ocorrerem desta forma, jovens do Chile e de outros países possivelmente iriam até a Bolívia para lutar contra os reacionários da direita. Mesmo assim, os líderes da direita nestes estados são racistas fanáticos e estão parcialmente foram de controle. O governador de Santa Cruz faz discursos histéricos e aparece na televisão gritando “abajo los collas” (abaixo os collas – collas é um termo racista que se refere ao povo indígena). Muitos bares proíbem indígenas de entrar.
Coordenadores de Jovens Anti-facistas
Para defender os ativistas de esquerda e o povo indígena, a Alternativa Socialista Revolucionária em Cochabamba participou dos Coordenadores de Jovens Anti-facistas que une mais de 15 grupos de esquerda e indígenas. Estes corpos de defesa foram capazes de organizar duas manifestações com mais ou menos 10.000 participantes. Depois de um debate interno muito polarizado, eles decidiram defender o “Sim” na nova constituição. Alternativa Socialista Revolucionária fez oposição tanto à esquerda reformista, que apóia a nova constituição sem críticas, e os grupos de ultra-esquerda que rejeitam a constituição afirmando que é um instrumento para fortalecer as estruturas de um sistema capitalista de democracia-burguesa. As propostas provenientes do reformista MAS (Movimento para o Socialismo – o partido do atual governo boliviano) são, em geral, progressivas ainda que não representem uma ruptura com o latifúndio e com o capitalismo. Existem direitos dados ao povo indígena como, por exemplo, o direito a trabalhar com um salário decente. Porém, elas também fazem concessões à classe capitalista. Apesar de afirmar que abolirá o latifúndio, o inverso é o verdadeiro: ela ainda permite uma propriedade de 10.000 hectares de terra. Todavia, a derrota da constituição no referendo impulsionaria as forças contra-revolucionárias da direita. Porém, os companheiros explicam que uma vitória para o “sim” não é o término das lutas e que o apoio ao “sim” deve estar associado com as demandas e ações das massas para fazer avançar o processo revolucionário e romper com o capitalismo.
Para levar o processo revolucionário adiante, a unidade da esquerda e do movimento indígena é vital para se construir uma força política revolucionária. Ainda que o MAS tenha a maior parte do apoio, sua direção não está defendendo um programa socialista revolucionário. Muitas das organizações sociais ainda procuram por ele como uma organização guarda-chuva e não apóiam a ruptura, apesar das críticas ao papel de sua direção. Isto é importante para a forma como os companheiros do CIO apresentarão bandeiras e demandas por um programa socialista revolucionário. Foi uma política perigosa de Morales procurar acordos com a oposição de direita, o que a deixou mais confiante e a levou para uma repressão ainda mais violenta dos ativistas revolucionários.
Lições do Chile
Na plenária e nos pequenas comissões que discutiam estas questões, os líderes do MAS repetiram o erro do antigo presidente do Chile, Allende, ao confiar na lealdade institucional das forças armadas. O governo de Morales aumentou o orçamento militar e 82% deste aumento foi para elevar o valor dos salários dos oficiais do exército. A direção do MAS no governo não esteve preparada para liderar a luta contra a oposição e para estabelecer estruturas de defesa em níveis local, regional e nacional. Os companheiros da Bolívia também comentaram sobre o papel da Central Operária Boliviana, cujos líderes fazem declarações muito revolucionárias, mas não transformam tais declarações em ações. A construção de organismos de coordenação anti-facista, como um exemplo de estruturas que encorajam o debate e a discussão abertos, foi demonstrada em Cochabamba por meio da iniciativa da Alternativa Socialista Revolucionária, ilustrando o potencial existente. Outra questão de discussão durante a Escola Latino-americana do CIO foi a poderosa tradição revolucionária da Bolívia. Estas tradições foram refletidas em todos os levantes revolucionários de massa que ocorreram nos últimos anos: as batalhas contra a privatização da água em Cochabamba – a “Guerra da Água” em 2000. Durante estas lutas, o movimento ocorreu por meio de comitês de coordenação da luta, o que significa que ele estava muito mais organizado do que, por exemplo, como foi na Venezuela. Todavia, a fragilidade destas organizações é o fato de que elas não se mantêm a medida em que o nível de atividade é reduzido, além do que elas não se desenvolvem ou se associam nacionalmente. Este é um dos desafios do movimento na Bolívia que precisa ser resolvido. Enquanto há uma enorme compreensão da necessidade de lutar contra a privatização e a elite rica, a idéia do socialismo como um sistema alternativo ao capitalismo ainda é algo que só está começando a surgir na consciência política das massas.
Uma questão abordada pelos companheiros nas discussões da Escola foi sobre a diferença de estágios da luta que existe entre Venezuela e Bolívia, apesar do fato de que estes processos estão sendo associados. Enquanto na Venezuela o fracasso em fazer a revolução avançar levou à crescente frustração e desapontamento, na Bolívia ainda há muita esperança e expectativa no governo de Morales, apesar de muitas críticas a ele. Isto mudará se a direção fracassar em levar o movimento adiante. Nas discussões da Escola, muitos companheiros do CIO enfatizaram que é urgente usar a energia revolucionária dos trabalhadores, jovens e indígenas bolivianos pobres para, de uma vez por todas, tomar o poder dos ricos e das multinacionais estatizando completamente os recursos naturais e a indústria bolivianos sob o controle e a gestão dos trabalhadores, e mudar do atual sistema capitalista para uma verdadeira sociedade socialista.