Aonde vai o Equador?

Lucio Gutiérrez foi o terceiro presidente a ser derrubado no Equador desde 1997. Foi eleito presidente em 2002, com apoio dos pobres e indígenas do país, por ter participado no movimento que derrubou Jamil Mahuad em janeiro 2000. Mas depois da posse Gutiérrez traiu todas as esperanças de mudança e ruptura com a política neoliberal. Suas manobras com a Suprema Corte de Justiça (SCJ), desencadearam um movimento insurrecional que levou à sua queda.

A questão é se o novo presidente, Alfredo Palácio, será capaz de estabilizar a situação, pelo menos por um período. Logo após ter tomado posse o novo presidente já começou a enfrentar protestos em cujos gritos ecoam “que se vayan todos!”. O prédio onde se reuniam os parlamentares foi mais uma vez ocupado por manifestantes.

A construção de um partido socialista de massas será a questão chave para o Equador. Este partido poderá unir a luta dos trabalhadores, pobres e camponeses e apresentar uma alternativa à crise e opressão capitalistas.

A queda de Mahuad

Lucio Gutiérrez ficou conhecido pelo seu papel no movimento contra Mahuad em 2000. Na mídia esse movimento foi descrito como uma “tentativa de golpe militar” que fracassou. Na verdade, foi um levante popular que chegou bem longe em desafiar a ordem estabelecida.

O Equador sofria uma crise econômica profunda e um colapso da moeda equatoriana (sucre). O governo cancelou o pagamento dos títulos Brady, mas o grande peso da crise foi colocado nas costas do povo, com uma inflação de 60% e desemprego de 17%. A última medida desesperada de Mahuad foi a dolarização da economia, o que significou a submissão da política monetária aos EUA.

No dia 11 de janeiro de 2000 foi organizado um Parlamento Popular, alternativo ao Congresso oficial, com representantes das 21 províncias. Este parlamento baseou-se no movimento indígena, a Conaie (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador), e nos trabalhadores e estudantes em luta.

Um setor do exército, liderado pelo coronel Lucio Gutiérrez, deu apoio a esse movimento, que conseguiu romper o bloqueio de 35 mil policiais e soldados e derrubaram Mahuad. No dia 21 de janeiro o Congresso foi ocupado e o poder por um tempo ficou nas mãos do movimento.

Entretanto não havia um programa para construir um poder alternativo. O Parlamento Popular apontou uma Junta de Salvação Nacional composto por Antonio Vargas, o presidente da Conaie, o coronel Lucio Gutiérrez e um representante do Poder Judiciário. O chefe das Forças Armadas, general Carlos Mendoza, quando percebeu que seu poder esfacelou-se, abandonou o governo. Gutiérrez deixou o seu cargo na junta para Mendoza.

Isto abriu espaço para salvar o Estado capitalista. Mendoza renunciou a seu cargo e anunciou que o vice-presidente de Mahuad, Gustavo Noboa, assumiria o cargo de presidente. O movimento perdeu a oportunidade e não tinha possibilidade ou alternativa para retomar a luta.

Noboa, o homem mais rico do país, implementou a dolarização do país. Porém, seu mandato foi marcado por constantes protestos. Lucio Gutiérrez passou um tempo na prisão e deixou o exército. Inspirado por Chávez, fundou o “Partido Sociedade Patriótica 21 de janeiro”. Ele venceu as eleições em novembro de 2002 com 55,5% dos votos, apoiado pela Conaie e sua frente eleitoral com o Pachakutik e o partido maoísta MPD.

Gutiérrez dava a impressão de que seria um novo Chávez. Recém eleito, também participou do Fórum Social Mundial em 2003. Contudo, logo fechou acordos com os EUA e o FMI, aplicando uma política de ajuste fiscal e mantendo a dolarização da economia.

Depois de sete meses a Conaie e o Pachakutik (partido ligado à Conaie) romperam com Gutiérrez. Porém alguns ministros de origem indígena continuaram no governo. Vargas, presidente da Conaie durante o levante de janeiro 2000, continuou apoiando Gutiérrez. Esta situação enfraqueceu a Conaie.

O país teve um crescimento no último período, principalmente por causa do aumento do preço do petróleo. Todavia, o dinheiro do petróleo era usado para pagar a dívida externa. Mesmo com um crescimento de 6% no ano passado, a popularidade do Gutiérrez caiu para menos de 5%, segundo a BBC.

Sessenta e cinco por cento da população está abaixo da linha da pobreza (estimativa de 2003). O desemprego oficial subiu para 12%. O subemprego atinge a metade da população. Muitos migraram, numa desesperada tentativa de fugir da pobreza. Cerca de 20% da força de trabalho abandonou o país, com muitos migrando para a Espanha. O dinheiro repassado do exterior para as famílias dos emigrantes é a segunda maior fonte de dinheiro do país depois do petróleo, ultrapassando a exportação de banana.

A crise de Gutierrez

A oposição burguesa tentou iniciar um processo de impeachment em novembro de 2004 para destituir Gutiérrez. Gutiérrez conseguiu bloquear o impeachment com a ajuda do PRE (Partido Roldosista Equatoriano, do populista ex-presidente Bucaram, conhecido como “el loco”) e do PRIAN (partido burguês de direita, do ex-presidente Noboa). Com essa base de apoio o presidente lança uma contra-ofensiva. No dia 8 de dezembro Gutiérrez dissolve a Suprema Corte de Justiça (SCJ) e remove 27 dos 31 juízes, substituindo-os por juízes mais leais a seu partido e seus aliados.

Também foi lançada a Lei Topo, um programa neoliberal que faz parte das negociações do TLC (Tratado de Livre Comércio) com os Estados Unidos. A lei inclui ataques aos direitos trabalhistas, como aumento da jornada de trabalho e a possível privatização do Instituto de Seguridade Social (aposentadoria), do setor elétrico e do petrolífero, e mais poder de para o Ministério da Economia sobre os gastos públicos. A lei também ataca o direito de participar em protestos.

Lucio Gutiérrez também lançou um ataque contra setores dos empresários que sonegavam impostos. Um exemplo é a família Febres Cordero (ligada ao Partido Social-Cristã, da oposição burguesa) com uma dívida de mais de 120 milhões de dólares.

A ajuda do PRE e PRIAN tinha um preço. A nova SCJ anulou no da 31 de março os processos contra os ex-presidentes Abdalá Bucaram e Gustavo Noboa e o ex-vice-presidente Alberto Dahik. Depois de seu exílio de oito anos no Panamá, Bucaram voltou ao país. Este ato de corrupção aberta, junto com o descontentamento com a política neoliberal, desencadeou os protestos contra Gutiérrez.

Gutiérrez tinha problemas para aprovar a “Lei Topo” no congresso. Numa votação no começo de abril, 68 dos 71 deputados presentes votaram contra a lei, inclusive a própria esposa do Presidente Lucio Gutierrez, a deputada Ximena Bohórquez.

O crescimento dos protestos

Partes do projeto estavam sendo implementadas mesmo assim. Trabalhadores da empresa estatal Petroecuador entraram em greve no dia 12 de abril contra o processo de licitações para que empresas privadas pudessem trabalhar em vários poços de petróleo da Petroecuador.

Os protestos que começaram no dia 12 de abril na capital eram inicialmente chamados por prefeitos e governadores de oposição burguesa, com apoio de empresários. A participação deste setor nos protestos era para fortalecer sua própria posição, sem colocar questões sociais, como a Lei Topo.

Mas vários protestos espontâneos começaram a acontecer. A rádio La Luna jogou de novo um papel importante para organizar as manifestações como nos movimentos contra Bucaram em 1997 e Mahuad em 2000. Setores do movimento sindical e indígena também jogaram um papel importante. No dia 13 de abril o movimento tinha crescido, com 46 diferentes focos de protestos incluindo bloqueios de estradas. Em Quito um “cacerolazo” (panelaço) foi chamado para 10 horas da noite pela rádio La Luna e reuniu cerca de 10 mil pessoas.

Os protestos espalharam-se pelo país. Na noite do dia 15, Lucio Gutiérrez, cercado por militares na TV, declara estado de emergência na cidade de Quito e na província de Pichincha, dando vastos poderes às Forças Armadas para “manter a ordem” e proibindo reuniões e manifestações. Gutiérrez também destituiu a Suprema Corte de Justiça, que ele mesmo tinha indicado em dezembro, o que depois foi confirmado pelo Congresso.

No dia seguinte milhares saíram às ruas gritando “Fora, Lucio”, “Democracia sim, ditadura não”, desafiando o estado de emergência. Em menos de um dia Gutiérrez anulou o estado de emergência alegando que já “obteve seu principal objetivo que era a dissolução da Suprema Corte”.

A verdade é que o estado de emergência não conseguiu acalmar os protestos e que Gutiérrez tinha dificuldades com as Forças Armadas. O movimento tinha tomado caráter de um levante, a “rebelião dos foragidos”. Uma das palavras de ordem mais comuns era “que se vayan todos”, rechaçando toda a elite política.

No dia 19 de abril as manifestações juntaram cem mil participantes, com forte presença de estudantes e da Conaie, que marcharam na direção a sede do governo, o Palácio Carondelet. A repressão foi dura, com milhares de policiais, deixando 180 feridos. A nuvem de gás lacrimogêneo matou o fotografo Julio García Romero, chileno que morava em Equador há 30 anos, depois de ter fugido da ditadura do Pinochet. O chefe de polícia, Jorge Poveda, renunciou dizendo que não queria se confrontar com o povo.

No dia 20 Gutiérrez foi abandonado por todas forças políticas e as forças armadas retiravam seu apoio. Em uma sessão do congresso, que precisou ser realizada em um outro prédio, foi votada a destituição de Gutiérrez por 60 votos favoráveis e duas abstenções. Para evitar o processo de impeachment Gutiérrez foi afastado por “abandono de posto”, talvez um pouco menos humilhante que “incapacidade mental”, usado contra Bucaram em 1997.

Gutiérrez tentou fugir para o Panamá, mas o avião foi bloqueado no aeroporto por manifestantes. A fronteira foi fechada e uma ordem de prisão a Gutiérrez foi emitida. Ele achou um santuário na embaixada brasileira e Lula autorizou concessão de asilo no Brasil, aonde chegou no dia 24 de abril.

Qual o futuro do novo presidente?

Alfredo Palácio, 66 anos, iniciou sua carreira política como ministro da Saúde, cargo ocupado entre 1994 e 1996 no governo do presidente Sixto Duran Ballen, do PSC. Foi eleito vice-presidente de Gutiérrez, mas criticou sua política econômica e adotou uma postura mais independente durante a crise.

Os rumos a serem seguidos pelo novo presidente ainda não estão claros. A sua posição não é firme. Para obter uma maioria no Congresso é necessária uma aliança com vários partidos. Existe também a pressão do movimento contra a política neoliberal e contra os partidos corruptos.

Palácio diz que o dinheiro do petróleo tem que ser usado para fins sociais ao invés de pagar a dívida. O novo presidente também propõe uma assembléia constituinte para reescrever a constituição. Os primeiros ministros apontados por ele são pessoas não ligadas aos partidos políticos. O ministro de finanças, Rafael Correa, é considerado uma pessoa da esquerda. Palácio também ordenou ao representante do Equador nas negociações sobre o TLC realizada no Peru para que não entrasse em nenhum acordo, porque o TLC será “reavaliado”.

Os EUA não se sentem confortáveis com Palácio. Condoleeza Rice, Secretária de Estado, quer que Palácio convoque novas eleições o mais rápido possível.

Mas, para tentar acalmar os EUA, Palácio já assumiu que não pretende romper qualquer compromisso internacional ou questionar a base militar de Manta.

Será que Palácio vai adotar uma postura de ques-tionamento ao neoliberalismo e à receita do imperialismo, como Chávez ou, pelo menos, parecida com a de Kirchner?

É claro que a economia equatoriana tem uma posição muito mais fraca que a da Venezuela, o que deixa menos espaço de manobra. Por outro lado, há um crescimento econômico e não uma crise como em 1998-99 ou como na Argentina. Uma moratória na dívida externa seria um confronto muito mais sério com o imperialismo. Palácio não tem programa nem base para romper com o sistema financeiro, menos ainda com o capitalismo.

Ficou evidente durante este último mês que o movimento de esquerda e dos indígenas se enfraqueceu politicamente. Um dos fatores foi o apoio inicial da Conaie ao governo. Isto abriu espaço para as iniciativas da oposição de direita.

O movimento de janeiro de 2000 mostrou que a mobilização popular tem força e é capaz até de criar condições para um poder popular alternativo, como a experiência do Parlamento Popular.

Porém, sem um projeto político claro, de caráter democrático, classista e socialista, o movimento acaba refluindo e não conseguindo romper de vez com a ordem capitalista e de submissão ao imperialismo.

A construção de um partido socialista de massas, que unirá os trabalhadores e terá apoio do movimento indígena e dos camponeses pobres, para defender esse projeto é mais do que necessária.

Sem uma estratégia de poder e um programa socialista para a transformação da sociedade a reação capitalista vai ter espaço para salvar o seu sistema de exploração e opressão.

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