Justiça de classe – O fato mais grave

Os ministros do Supremo Tribunal Federal, reunidos no início de setembro, consideraram os grampos telefônicos envolvendo altos membros do Judiciário e do Senado da Repú­blica como sendo “o fato mais grave” das relações institucionais desde a promulgação da Constituição de 1988.

No mesmo dia, sintomaticamente, os jornais divulgavam que o indivíduo que a polícia e a mídia chamam de “maníaco de Guarulhos” havia assumido a responsabilidade por um crime que havia jogado na prisão três inocentes por dois anos. A confissão que levou à prisão dos três foi arrancada sob tortura e sua prisão preventiva era totalmente irregular.

Segundo dados divulgados pela Folha de S. Paulo, existem hoje no Brasil 9 mil presos com pena já cumprida que permanecem jogados no inferno do sistema carcerário brasileiro. Outros 133 mil estão em prisão preventiva, muitos por anos, sem culpa estabelecida e sem julgamento definitivo. Isso totaliza cerca de 30% da população carcerária brasileira.

Senadores, banqueiros ou juízes entre eles? Não, praticamente nenhum. Nem mesmo altos jornalistas muito bem pagos como Pimenta Neves, ex-editor do ‘Estadão’, assassino confesso de sua ex-namorada Sandra Gomi­de, já condenado pela justiça e que permanece em liberdade. Em oito anos, os advogados de Pimenta Neves entraram com 49 recursos. Privilégio impensável para os milhares de pobres diabos depositados nas penitenciárias e cadeias pelo país afora.

Não é preciso aqui repetir o muito já dito sobre a rapidez dos dois habeas corpus concedidos ao banqueiro Daniel Dantas. Por que não para o Zé Ninguém acusado sem provas e torturado no interrogatório?

Muitos culpam a desordem que permeia o Estado brasileiro e a precariedade das instituições. Ilusão ou má fé. Há uma ordem muito clara nas instituições do Estado brasileiro. Uma ordem de classe. A Justiça, o parlamento e o governo, todo o regime político e as instituições do Estado existem para servir a alguns, poucos, contra outros, muitos.

Parece antiquado e simplista? Sim, é preciso aprofundar a explicação e há hora e local para isso. Mas, algumas vezes tornar as coisas mais complicadas do que são não passa de estratégia para esconder a verdade pura e simples. Esconder de quem, com essa verdade nas mãos, torna-se uma ameaça perigosíssima.

Não paira qualquer dúvida quanto à gravidade dos grampos utilizados nas disputas intestinas nos salões do poder. Mas, mesmo brigando pelo privilégio de servir ao grande deus Capital, estão todos os envolvidos estrategicamente do mesmo lado. O lado de lá, oposto ao nosso. O presidente Lula, o ministro do Supremo Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres servem à mesma elite. Renato, William e Wagner, os três inocentes torturados e presos de Guarulhos, não fazem parte dela.