STF e a criminalização da LGBTfobia

Como combater a discriminação e violência?

O Brasil é o país onde mais se assassina pessoas LGBTs no mundo. Por décadas o movimento LGBT vem combatendo a discriminação e violência. No dia 13 de junho, o STF concluiu o julgamento que criminaliza a discriminação de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans/travestis por analogia ao crime de racismo, já tipificado na lei. Será que isso irá trazer uma solução? Qual seria uma análise LGBT e socialista à luz dessa conjuntura?

Uma análise socialista e, por consequência, dialética, precisa levar, a priori, dois elementos em consideração: 

Em primeiro lugar, a conjuntura atual é desfavorável à população LGBT, fazendo com que essa decisão tenha elementos positivos. Bolsonaro foi eleito com um programa que ataca frontalmente e sem pudores a população LGBT, as mulheres e as minorias sociais, no geral. 

Governo LGBTfóbico

Suas declarações e a dos membros de seu governo objetivam sempre discriminar e caracterizar a população LGBT pejorativamente. Não é à toa que uma das mais famosas fake news explorava uma homofobia antiga e enraizada na sociedade: a de que a população LGBT quer discutir sexualidade com crianças e adolescentes de forma inadequada. Bolsonaro surfa em elementos ultraconservadores e religiosos que percebem direitos LGBT enquanto uma ameaça à “família tradicional”.

Esse elemento de profundo ódio às minorias presente nesse governo não pode ser descartado e faz com que a resistência das pessoas LGBT/mulheres/negros/as seja fundamental para resistir aos ataques do governo, afinal de contas, esse governo também representa um ataque aos/às trabalhadores/as e nós, como tal, somos duplamente afetados/as por ele. 

Por isso, a criminalização da LGBTfobia, nesse contexto, tem o efeito simbólico de trazer à tona a discussão sobre a violência contra pessoas LGBTs e reflete uma pressão do movimento. Num governo abertamente contra nós, isso não é pouca coisa.

Justiça penal falha

Em segundo lugar, é importante lembrar que a justiça penal falhou e continua falhando na sua resposta à sociedade; o encarceramento mais do que triplicou nas últimas décadas, mesmo durante os governos petistas. Pouco foi feito para de fato enfrentar o crime, ao contrário, os governos lançaram mão do encarceramento em massa como forma de criminalizar a pobreza sob o pretexto da segurança. As leis que criminalizam o tráfico de drogas só serviram para encarcerar ainda mais a população de pobres e pretos, deixando intocados os grandes barões das drogas, muitos deles habitantes do congresso nacional, aliás.

Além disso, o próprio crime de racismo não foi capaz de enfrentar o racismo estrutural brasileiro. As características particulares do “racismo à brasileira” fazem com que a maior parte das denúncias de racismo seja tratada como “injúria racial”, crime considerado mais brando do que o crime de racismo. Assim, dentro da própria estrutura, a justiça dá um jeitinho de atenuar os casos de racismo ao alocá-los num crime com consequências mais leves. 

Aliás, o próprio fato de a polícia matar desproporcionalmente a população pobre e preta demonstra que o racismo está entranhado nas instituições do Estado, o qual, como dito acima, só fez aumentar o encarceramento dessa mesma população.

À quem serve o poder judiciário?

Dessa forma, a criminalização da LGBTfobia não rompe com essa essa estrutura punitiva racista, a qual representa os interesses dos ricos em detrimento dos trabalhadores – e nós LGBT também somos trabalhadores e trabalhadoras. Além disso, não temos nenhuma ilusão nas instituições que servem aos ricos (as chamadas instituições burguesas). A justiça, como já dito e como vemos repetidamente nos noticiários, serve aos mais ricos. 

A justiça não existe para nos proteger, senão para proteger os interesses da classe mais rica. O mesmo STF que criminaliza a LGBTfobia, é aquele que vota para proteger as castas políticas corruptas. Um exemplo disso é o próprio ministro Luiz Fux, citado no vazamento do site The Intercept, quem votou a favor da criminalização. Pior ainda, esse é o mesmo STF que absolveu Bolsonaro justamente de racismo, alguns meses atrás. Ou seja, quando a justiça vai contra os interesses da classe dominante, faz-se concessões e/ou dobra-se a justiça para atender a esses interesses. É importante que nós LGBTs não tenhamos ilusões na justiça burguesa. 

Uma outra sociedade é necessária

Nós, socialistas, acreditamos num outro projeto de sociedade, uma sociedade onde a pobreza e a violência sejam de fato enfrentadas, onde a concentração de riqueza seja inexistente, onde saúde e educação sejam efetivamente direitos e onde haja, de fato, democracia. Por isso, entendemos que esse sistema atual – capitalista – não comporta e nunca comportará essas mudanças. Isso significa que, mesmo que conquistemos alguns direitos, eles nunca serão plenos e realmente efetivos se não derrubarmos o capitalismo.

O caminho da luta

Porém, isso não significa que esperaremos imóveis pela revolução para então lutarmos pelos nossos direitos. Uma análise socialista e LGBT entende as nossas necessidades concretas: somos cotidianamente violentados verbal e fisicamente por pessoas intolerantes. Sofremos violência na rua, na escola, em casa e inclusive no trabalho. Por isso, mesmo que uma lei seja, de longe, insuficiente, e mesmo que ela não vá enfrentar a LGBTfobia estruturalmente, continua sendo algo que tem elementos positivos, mesmo com todas as críticas e contradições.

Não temos ilusões que uma ou mais leis resolverão a LGBTfobia, e sim a luta coletiva, porque só conseguiremos transformar a sociedade, de fato, superando esse sistema. Contudo, a criminalização não deixa de ser uma conquista meio a esse congresso e governo profundamente LGBTfóbicos. 

A resposta que temos que dar daqui para frente é a de que queremos mais: queremos mecanismos efetivos de participação popular e de combate à LGBTfobia; queremos a discussão de questões LGBTs nas escolas e no trabalho; queremos o fim da “evasão”, ou melhor, expulsão escolar da população trans/travestis; queremos segurança e treinamento da polícia para lidar com casos de LGBTfobia; queremos empregos dignos, de qualidade, sem discriminação; e, principalmente, queremos nos aposentar como todas as outras pessoas. Nós, LGBT e trabalhadores/as temos que ser contra a reforma da previdência. Afinal, como dito, os ataques desse governo aos/às trabalhadores/as também são ataques contra nós LGBTs. 

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