É possível derrotar Bolsonaro nas ruas!

Derrubar Moro e barrar a contrarreforma da previdência!

Foto: Mídia Ninja

Seis meses depois da posse, o Brasil de Jair Bolsonaro é um país que se afunda na crise política, econômica e social. O desespero, incerteza e absoluta falta de perspectiva atingem milhões. 

Na cúpula do governo Bolsonaro, as divisões e brigas intestinas não significam que exista uma banda podre e uma ala minimamente sadia. Bolsonaro conseguiu reunir em seu governo tudo o que há de pior, de mais tosco, reacionário, autoritário e inconsequente nas elites dominantes do país. 

Essa é a verdadeira face das classes dominantes no Brasil e de seu sistema político e econômico. Combater Bolsonaro é combater esse sistema.

Cai a máscara de Moro

Uma demonstração cabal disso pode ser vista no escândalo da “Vaza Jato” desencadeado a partir das matérias feitas por The Intercept. Os vazamentos deixam evidente o conluio golpista entre o então juiz Sergio Moro e os procuradores da Operação Lava Jato visando condenar Lula, consolidar o golpe de 2016 e pavimentar o caminho que acabou por levar a extrema-direita ao poder com Bolsonaro. 

Sergio Moro era tido como uma suposta garantia de respeitabilidade e popularidade em meio a uma equipe de governo que oscila entre o patético e o tétrico. 

Ele concentrou em sua imagem dois temas que foram centrais na ascensão da extrema-direita no país: o combate à corrupção e a questão da segurança pública. Ao mesmo tempo mantinha um perfil mais palatável para um setor das elites preocupado com o arrivismo e inconsequência da figura de Jair Bolsonaro.

A divulgação do embuste montado por Moro e os procuradores da Lava Jato pode não afetar o apoio que o atual ministro tem entre os setores mais reacionários e direitistas da base social que elegeu Bolsonaro, principalmente entre a pequena-burguesia branca das regiões sul e sudeste do país. 

Essas camadas sociais não estão preocupadas com o direito de defesa ou a imparcialidade do judiciário. Elas queriam a prisão (ou coisa pior) de Lula e de qualquer coisa que aparente ser de esquerda, independentemente dos métodos utilizados para isso. São esses setores que aceitam ou apoiam o extermínio da juventude negra e pobre, uma verdadeira pena de morte de factosem direito a julgamento aplicada todos os dias nas periferias e morros. 

Embora seja uma base social importante do bolsonarismo que pode involuir numa direção potencialmente protofascista, ela não é suficiente para sustentar o governo, assim como não foi suficiente para garantir sua eleição. 

A vitória eleitoral de Bolsonaro só foi possível porque, em meio à uma profunda desilusão com o PT e com o sistema político como um todo, uma ampla camada foi atraída pelo perfil de mudança radical apresentado por Bolsonaro.  

Esses setores que se distanciam do perfil bolsonarista típico já estão se descolando do governo e adotando uma postura mais crítica, mesmo que ainda não vislumbrem uma alternativa concreta. 

Avanço da resistência popular e reação da classe dominante e do governo

Foi esse contexto que permitiu que no dia 15 de maio mais de um milhão de pessoas saíssem às ruas em defesa da educação e contra os cortes do governo. Essa mobilização extrapolou os limites da oposição organizada ao bolsonarismo e atingiram amplos setores afetados pelos cortes.

Grande parte dos eleitores de Bolsonaro oriundos das camadas populares não votou necessariamente por uma política de cortes na educação, de retirada de direitos sociais ou de fim da previdência pública. 

Essas mobilizações abriram uma nova etapa na resistência contra Bolsonaro e acenderam o sinal de alerta no governo e nas classes dominantes. 

Diante disso, as elites políticas e econômicas se dividiram. O núcleo bolsonarista mais duro e de extrema-direita, comprometido com um projeto de poder qualitativamente mais autoritário, optou por tentar disputar a correlação de forças nas ruas, mobilizando suas bases sociais.

As manifestações de direita realizadas no domingo dia 26 de maio acabaram focadas na denúncia de instituições do carcomido sistema político que estariam obstaculizando a “revolução bolsonarista”. Não é à toa que os mais criticados naquelas manifestações foram o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o próprio Supremo Tribunal Federal (STF).

Foi também um teste para esse setor, uma verificação da temperatura social e das possibilidades concretas para a adoção de medidas qualitativamente mais autoritárias (bonapartistas, na expressão utilizada pelo marxismo) com as quais o governo sempre flertou e continuará flertando. 

Um setor conjunturalmente mais “moderado” das elites políticas, econômicas e midiáticas preferiu não se somar a essas mobilizações e não respalda integralmente, pelo menos agora, um giro autoritário mais profundo por parte do governo. 

Isso não lhes confere qualquer credencial democrática efetiva. Na verdade, temem que um giro autoritário extremo de Bolsonaro (um golpe ou autogolpe, por exemplo) possa provocar uma reação ainda mais radical por parte dos trabalhadores e dos movimentos sociais. Esse receio ficou ainda mais evidente depois da força das manifestações de 15 de maio.

Porém, essa divisão “tática” entre eles não elimina o fato de que, de conjunto, as classes dominantes têm acordo sobre a necessidade de que as contrarreformas sejam implementadas, em particular a da previdência. Para isso, estão dispostos a apostar em saídas autoritárias mais ou menos explícitas. 

As manifestações reacionárias no dia 26 de maio demonstraram que a direita bolsonarista mais dura mantém uma base social significativa e capaz de ser mobilizada até certo ponto. Mas, foram mobilizações muito inferiores àquelas de 2015 e mostraram que essa direita mais dura não tem força suficiente para um giro autoritário qualitativo no curto prazo. 

Moro e a crise do governo 

Sergio Moro foi o grande herói do dia 26 de maio e saiu fortalecido com essas manifestações, aprofundando melindres até mesmo entre outros setores da direita, incluindo o próprio Jair Bolsonaro que teme a competição com Moro. Mas, isso durou pouco. 

As denúncias do The Intercept, no bojo na continuidade das mobilizações dos trabalhadores, da juventude e dos movimentos sociais no dia 30 de maio e na greve geral convocada para 14 de junho, afetaram significativamente o “paladino da justiça” e o conjunto do governo Bolsonaro.

As denúncias comprovadas dos crimes cometidos pelo então juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato são de extrema gravidade. O conluio do judiciário e do ministério público com a direita golpista visando interferir no já limitado processo democrático brasileiro representa um aprofundamento do golpe de 2016 e é parte desse estado de exceção permanente que rege a democracia burguesa no Brasil.

Aqui não se trata de inocentar quem quer que seja das acusações de corrupção durante os governos do PT. Trata-se de reconhecer que houve uma interferência arbitrária, explícita e comprovada, do judiciário e outras instituições do regime político (vinculadas a interesses estrangeiros) no cenário eleitoral para prejudicar alguns e beneficiar outros.

A primeira postura de Bolsonaro diante da crise envolvendo Moro foi de vacilação. Ele já havia contribuído para a fritura de Moro em fogo brando ao anunciar o acordo que tinha feito com o ex-juiz para uma futura vaga no STF. Moro teve que negar o acordo. 

Mas, Bolsonaro também enfrenta problemas em dimensão suficiente para que não possa simplesmente abrir mão de Moro. O embate entre a ala “Olavista” e os militares dentro do governo, entre outros embates em curso, gera baixas atrás de baixas. Uma das últimas foi a do General Santos Cruz, ex-secretário de governo presidência. Outras quedas importantes aconteceram no BNDES, nos Correios etc. 

A queda de Moro representaria um baque importante para o governo. Não é o mesmo que a queda de ex-ministros como Bebianno, Vélez ou mesmo Santos Cruz. Bolsonaro passou então a defender Moro e estimular uma contraofensiva que está agora em curso.

As denúncias do The Interceptnão terminaram. Tem muita coisa por vir ainda. É muito improvável que a imagem de Moro não se desgaste ainda mais. Ele já foi desmentido inúmeras vezes e sua argumentação não se sustenta. Enquanto juiz de um processo, Moro explicitamente escolheu os procuradores que atuariam no caso, orientou a que se prevaricasse no caso das denúncias contra FHC, nitidamente atuou como parte da acusação e não como juiz neutro.

É possível derrotar a contrarreforma da previdência

Nas vésperas da greve geral convocada para 14 de junho, o relator da contrarreforma da previdência na Comissão especial da Câmara apresentou um relatório que retira do projeto uma série de ataques importantes.

O recuo parcial do governo em relação ao BPC, aposentadoria rural e, principalmente, ao modelo de capitalização que Paulo Guedes deseja implementar, visam tentar facilitar a aprovação do restante do projeto, que ainda é muito ruim para os trabalhadores.

Mesmo sendo uma manobra, ela refletiu a pressão dos movimentos sociais e as contradições na cúpula de governo e Congresso. Mas, o fator chave sempre será a força das ruas, a luta de massas.

A queda de Moro e a derrota da contrarreforma da previdência são possíveis, mas dependem da luta de massas.

Mesmo sem ter sido tão forte e contundente quanto a greve geral de abril de 2017 e apesar do papel de freio da burocracia sindical, o 14 de junho indica que há condições para se derrotar as políticas de Bolsonaro. 

Mas, é preciso que façamos muito mais do que se fez até agora. Precisamos de uma nova greve geral para valer, ainda mais contundente, e que se dê junto com novas mobilizações de massas. Tudo isso precisa ser organizado pela base, com comitês de luta nos locais de trabalho, estudo e moradia. 

Se conseguirmos derrubar Moro e barrar a contrarreforma da previdência, provocaremos uma profunda crise no governo. Nesse contexto, a questão da queda do governo pode estar colocada e uma alternativa pela esquerda, de nossa classe, precisa ser construída. É preciso que uma nova esquerda socialista com base de massas seja construída e se fortaleça aprendendo com os erros, degeneração e traições da direção do PT. Uma esquerda que se construa a partir da aliança do PSOL com movimentos sociais combativos e que assuma um programa anticapitalista e socialista como saída para a grave crise brasileira. 

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