Campinas: entrevista com Raquel Guzzo – “Não basta votar, tem que lutar”

Você hoje é candidata a vereadora pelo PSOL em Campinas, como foi essa decisão? O que você espera desta campanha eleitoral?

Foi uma decisão difícil, especialmente porque nunca pensei nesta possibilidade antes. No entanto, ela foi resultado de uma  construção coletiva que foi tomando corpo dentro do meu cotidiano. Assim, fui me envolvendo com as responsabilidades desta construção e o sentido de uma candidatura passou a ser bem diferente. É uma intervenção necessária para dar visibilidade a um conjunto de idéias sobre outro projeto de sociedade. Foi uma decisão bastante amadurecida tanto no âmbito de nossa organização, quanto no pessoal. Ela foi assumida com todos os riscos existentes, mas que foi pensada coletivamente e é uma posição compartilhada e, seguramente, refletida e avaliada por todos os que dela participam.

Uma campanha eleitoral, embora esta seja a primeira de que participo, é uma tarefa interessante. É um processo bastante conflituoso e ao mesmo tempo cheio de desafios e possibilidades importantes para aqueles que se assumem como “artífices da história”. Uma campanha é mais do que angariar votos de uma população desconfiada, cética e hostil ao processo eleitoral. É um momento especial para dar visibilidade a um projeto diferente de sociedade, e , mais do que isso, para organizar a classe trabalhadora para lutar por seus direitos.

 
Você pode contar um pouco sobre a sua história?

Minha historia de vida tem marcos importantes que me fizeram chegar onde estou hoje… Como marxista, não posso deixar de considerar que minhas condições objetivas foram determinantes neste processo. Sou de uma geração que viveu na adolescência a ditadura militar, a perseguição e a morte de estudantes e trabalhadores e a falta da liberdade de expressão e organização dos trabalhadores. Estes foram alguns elementos importantes que marcaram minha vida deste período. Ao mesmo tempo, participei da constituição de um importante processo de politização de massas populares, que foi inaugurado pelas comunidades eclesiais de base. Esta experiência me mostrou que seria preciso um esforço coletivo e organizado para que pudéssemos transformar a realidade e eliminarmos as condições de desigualdade sociais e exploração que são as bases de nossa sociedade.

Passei por muitos caminhos, construindo e abrindo espaços para uma critica ao que era dominante em minha profissão – a psicologia – questionando formas de intervenção, produzindo conhecimento, criando e participando de associações de classe – como a Associação dos Professores da PUC de Campinas. Até que olhei com mais atenção aos espaços de organização política da classe trabalhadora, para a necessidade de uma organização de massas e revolucionária. Luta dura, incessante e necessária na atualidade. Foi deste modo que assumi o ingresso no Socialismo Revolucionário e comecei a aprender sobre a importância da construção de uma organização partidária.

 
O que você está defendendo nessas eleições?

Nestas eleições defendemos os direitos sociais que a classe trabalhadora conquistou e condições de vida dignas para a maioria da população: trabalhadores e trabalhadoras. Lutamos, em linhas gerais, pela garantia da educação pública de qualidade, melhoria significativa moradia digna, transporte público gratuito e de qualidade, apoio as lutas dos trabalhadores em geral e dos movimentos sociais combativos como o MTST e o MST. Também defendemos a luta contra todas as formas de opressão, como o racismo, a homofobia e o machismo. Diferentemente das falsas promessas que a velha e a nova direita colocam, explicamos que para realizar isso é preciso parar de pagar a dívida pública e romper com a Lei de Responsabilidade Fiscal – que fazem com que o dinheiro da classe trabalhadora seja repassado para mega-especuladores e banqueiros, ao invés de ser usado para atender as necessidades da maior parte da população.

Em cada bairro, local de trabalho, etc. que visitamos tentamos levantar os principais problemas que vivem e discutimos sobre as nossas bandeiras, mas procuramos deixar claro que nenhuma mudança significativa na realidade da classe trabalhadora será possível sem o combate ao sistema capitalista e a construção do socialismo. Isto pode parecer retórica, mas entendemos que o parlamento, tal como está constituído e funcionando está a serviço do poder econômico e político concentrado nas mãos de poucos enquanto a maioria da população – que produz a riqueza e sofre as conseqüências de não poder usufruir o que produz – sofre com condições miseráveis de vida e com ataques aos seus direitos.

 
De que forma seria possível realizar essas propostas?

Além de discutir com a população sobre a necessidade de romper com o capitalismo, explicamos que a realização de todas as nossas propostas demanda mais do que votar, pois não será um vereador ou mesmo um prefeito que farão mudanças. A história já mostrou que é preciso que os setores explorados e oprimidos de nossa sociedade se organizem e lutem para mudar o rumo das coisas. Defendemos a luta cotidiana e organizada da classe trabalhadora contra este sistema. Defendemos a emancipação social e política da maioria, a classe trabalhadora, em um processo histórico de transformação da sociedade atual dominada por uma minoria parasitária e decadente que só mantém esse sistema de exploração gerando sofrimento, miséria e destruição ambiental.

Uma das nossas propostas para concretizar isto é a bandeira que coloca a realização de um congresso da cidade em que as definições e prioridades orçamentárias serão discutidas e decididas pela população de Campinas e pelos movimentos sociais. Os delegados desse congresso seriam eleitos em locais de trabalho, nos bairros, nas escolas e universidades e etc. Este espaço não só serviria para definir as diretrizes orçamentárias, mas para organizar a luta dos trabalhadores para garantir a realização destas diretrizes, já que hoje o Estado brasileiro criou uma série de medidas – como a Lei de Responsabilidade Fiscal – para impedir que o orçamento público seja dirigido para o atendimento das necessidades da população.

 

Dentro do PSOL, alguns afirmam que falar de socialismo em eleições municipais é algo abstrato para a população.

Em nosso manifesto de lançamento da candidatura afirmamos que a nossa luta não começa e não termina nas eleições. Se deixássemos de dizer isso, estaríamos alimentando a ilusão de que é possível gerar melhorias sem mudar a nossa sociedade. Não podemos dar falsas promessas para os trabalhadores que querem nos apoiar; não há como falar de uma mudança verdadeira no nível local sem tocar as bases fundamentais que organizam a vida social.

Nesse período de desorganização dos trabalhadores o socialismo pode parecer algo distante do presente e do que é real, mas não é abstrato. Abstrato é propor mudanças sem analisar as contradições do capitalismo e perceber como isso se dá na vida cotidiana de cada trabalhador e trabalhadora que vivem em todas as cidades de nosso país. Quando falamos de socialismo, estamos falando da única possibilidade viável de melhorar as condições de vida da classe trabalhadora.

 

Por que alguém deveria apoiar a sua candidatura e a Frente de Esquerda de Campinas (PSOL, PSTU e PCB)? Que tipo de apoio você espera nessas eleições?

Acho importante mencionar que estamos participando destas eleições em conjunto com outros partidos de esquerda de Campinas (PSTU e PCB) em uma frente que contrasta com todos os outros partidos e coligações em Campinas.

O nosso candidato a prefeito, Paulo Búfalo, em um dos programas de TV colocou o que ocorre nessas eleições em Campinas: temos 8 candidatos a prefeito, mas apenas 2 projetos distintos. De um lado, está a repetição do mesmo, a velha direita, partidos anões e clientelistas, além da mega-coligação que deixa bem clara como o PT e o PCdoB deixaram de defender os interesses da classe trabalhadora. Estes partidos estão juntos com o candidato à re-eleição, Dr. Hélio do PDT, em uma coligação que reúne a direita campineira tradicional como o PP, o PMDB (do campineiro Orestes Quércia) e os DEM (ex-PFL). Esta mega-coligação mostra claramente que os diferentes governos dos níveis municipal, estadual e nacional estão todos juntos contra a classe trabalhadora.

Foi contra este projeto destes diferentes candidatos e coligações que se organizou a Frente de Esquerda de Campinas. Diante de uma conjuntura de descrédito da política e em que diferentes siglas defendem o mesmo projeto, a Frente de Esquerda apresenta o único projeto que defende os trabalhadores. A campanha da Frente de Esquerda, ainda que com alguns limites, vem buscando apoio na militância de esquerda, nos desiludidos pela degeneração e traição do PT e toda a classe trabalhadora, pobre, desempregada, atacada em seus mais elementares direitos à sobrevivência.

A nossa candidatura vem buscando o apoio consciente de todos e todas que ainda se indignam com a realidade de injustiça e desigualdade, e que, se dispõem a construir a luta socialista. O apoio que queremos não é apenas o voto no dia das eleições, mas o crescimento das fileiras daqueles que buscam mudar os rumos da história. É nesse sentido, que assumimos o lema “não basta votar, tem que lutar”!